30 anos de tecnologia e inovação na canavicultura

18/04/2024 Noticias POR: Fernanda Clariano

Marcos Landell - Diretor-geral do Instituto Agronômico de Campinas

Na criação do Programa Cana IAC, no inícioda década de 90, o pesquisador Marcos Guimarães de Andrade Landell, elaborou um modelo de integração para as múltiplas áreas de conhecimento dos pesquisadores do Instituto. Diversos projetos foram criados, com interface entre as muitas áreas envolvidas e enriquecimento da abordagem da investigação dos pontos prospectados junto ao setor de produção.
Ao longo de seus 30 anos de existência, o Programa Cana IAC tem sido fundamental para impulsionar o desenvolvimento e a sustentabilidade da canavicultura no Brasil, por meio de pesquisas direcionadas, parcerias estratégicas e soluções inovadoras para os desafios enfrentados pelo setor.
Com esse perfil, o IAC passou a ser referência em tecnologia na canavicultura no Brasil e até em outros países. A reportagem da Revista Canavieiros conversou com Landell para saber um pouco mais sobre os 30 anos de muito sucesso do Programa Cana IAC. Confira!

Revista Canavieiros: Qual é a importância da celebração dos 30 anos do Programa Cana IAC?
Marcos Guimarães de Andrade Landell: Penso que temos muito a celebrar. Nesses 30 anos aconteceram mudanças significativas na canavicultura nacional, nas quais o programa teve papel fundamental. Inicialmente, na década de 90, quando a colheita manual com queima era praticamente universal, o Programa Cana IAC participou ativamente das discussões para mudar essa prática. Em cerca de 15 anos, uma parcela considerável da cana-de-açúcar do Centro-Sul brasileiro passou a ser colhida mecanicamente e crua. Além disso, o programa contribuiu para a expansão das áreas de cultivo, em resposta à demanda crescente por etanol, promovendo estudos para adaptar variedades mais rústicas e tolerantes ao déficit hídrico. Em 2002/2005, o desafio de estabelecer o Centro de Cana IAC foi aceito e realizado, proporcionando uma estrutura física adequada para os laboratórios, convenções e equipes especializadas. Esse passo permitiu uma colaboração mais ampla com especialistas de universidades, como o Dr. Dilermando Perecin da Unesp de Jaboticabal, que continua a contribuir significativamente para o programa.

Revista Canavieiros: Como o Programa Cana IAC começou e quais foram seus principais objetivos ao longo dos anos?
Landell: O Programa Cana IAC teve sua origem em 1991, quando o Grupo Fitotécnico iniciou discussões informais em um bar da cidade de Ribeirão Preto, evoluindo para reuniões formais no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) em 1992. Diante da redução de investimentos em pesquisa no Brasil, especialmente na área de cana-de-açúcar, o programa surgiu como uma resposta às demandas do setor. Com o fechamento da seção de cana-de-açúcar do IAC em Campinas em 1989 devido a aposentadoria de grande parte do quadro técnico. Nesse período eu solicitei transferência para a unidade do IAC em Ribeirão Preto, pois a canavicultura tinha acabado de assumir a atividade mais importante no Estado de São Paulo e a região de Ribeirão Preto, a principal do Brasil. Portanto não teria sentido eu, um especialista em cana-de-açúcar, ficar em Campinas, isolado de tudo quer ocorria aqui na região. Passei a concentrar esforços na região, reconhecendo seu potencial para a cultura da cana. Foi criado o Grupo Fitotécnico de Cana, que passou a funcionar como um ambiente de prospecção de demanda, permitindo aos pesquisadores entenderem as necessidades e desafios do setor. A pesquisa se concentrou em questões como nutrição, adubação, variedades de cana e controle de pragas e doenças, construindo conhecimento de acordo com as demandas identificadas. O programa foi guiado pela intuição e pela rápida resposta às necessidades do setor, resultando em uma abordagem dinâmica e prática para resolver problemas específicos da cultura da cana-de-açúcar.

Revista Canavieiros: Quais foram os marcos mais significativos alcançados pelo Programa Cana IAC ao longo de suas três décadas de existência?
Landell: Inicialmente, foi estabelecido um Grupo Fitotécnico para promover debates entre canavicultores, agrônomos de usinas e associações de plantadores. Esse grupo permitiu que o setor percebesse todo o esforço que fazíamos naquele momento para estabelecer um programa de pesquisa focado em demandas ligadas as necessidades de produtores de uma maneira geral, inclusive de pequenos produtores, pois a nossa proximidade com as associações de Sertãozinho e Guariba era imensa. Posteriormente, uma década após em 2005, evoluiu para o Centro Avançado de Cana-de-Açúcar IAC, fornecendo uma plataforma para discutir questões como produtividade e adaptação à colheita mecânica. Foram desenvolvidos indicadores de produtividade, como a meta de alcançar mais de 100 toneladas de cana por hectare em cinco cortes. Estratégias de mitigação de déficit hídrico foram implementadas, contribuindo para aumentar a eficiência agrícola. Além disso, o programa de melhoramento genético resultou na criação de variedades com maior população de colmos, melhorando a resistência aos danos da colheita mecânica. O programa também investiu em biotecnologia, desenvolvendo métodos de multiplicação rápida de mudas. A rede de pesquisa foi expandida para regiões além de São Paulo, abrangendo estados como Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Minas Gerais e recentemente o Nordeste brasileiro. Essas conquistas representam avanços significativos para a indústria canavieira brasileira ao longo das três décadas do Programa Cana IAC.

Revista Canavieiros: Quais são os principais resultados ou contribuições do Programa Cana IAC para o setor sucroenergético?
Landell: O Programa Cana IAC trouxe importantes contribuições para o setor sucroenergético. Iniciado em 1994, destacou-se por identificar variedades de cana-de-açúcar tolerantes à seca, especialmente em regiões com solos de menor fertilidade e desafios hídricos. Um marco foi alcançado em 2017 com o desenvolvimento de uma variedade nativa de Goianésia (GO) com produtividade até 35% superior às melhores variedades até então da região. Além disso, o programa introduziu a matriz do terceiro eixo, uma estratégia que associa o ciclo de cultivo da cana com a profundidade do sistema radicular, mitigando os efeitos do déficit hídrico. Essa abordagem tem sido adotada por várias empresas em regiões como Goiás, Minas Gerais e áreas desafiadoras de São Paulo, resultando em aumentos significativos na produtividade, que podem chegar a 30-40% em algumas condições.

Revista Canavieiros: O que o Programa Cana IAC tem feito para enfrentar os desafios atuais da indústria canavieira?
Landell: Inicialmente nos concentramos em compreender as tendências do mercado de cana-de-açúcar, especialmente em relação ao uso do etanol. Com a explosão do consumo de etanol no Brasil, impulsionado pelo advento dos carros Flex Fuel, a demanda por cana aumentou consideravelmente. Para atender a essa demanda, o programa expandiu suas pesquisas para regiões previamente não exploradas, como Goiás, Minas Gerais e algumas áreas de São Paulo. Essa expansão resultou no desenvolvimento de novas variedades de cana, adaptadas a diferentes condições climáticas e de solo, incluindo aquelas com maior tolerância ao déficit hídrico e melhor desempenho em solos de baixa fertilidade. Além disso, o Programa Cana IAC criou o conceito de MPB (Muda Pré Brotada) para otimizar o plantio mecânico, reduzindo o desperdício de mudas e aumentando a eficiência do processo. A implementação do MPB, combinado com a técnica de meiose, permitiu uma rápida disseminação das novas variedades de cana, reduzindo significativamente o tempo necessário para sua adoção em larga escala. Isso foi exemplificado pela Usina São Martinho, que rapidamente adotou variedades desenvolvidas pelo programa, alcançando aumentos expressivos na produtividade. Um exemplo notável é a variedade IAC07-7207, lançada em 2022 e já uma das mais plantadas na usina em 2024, demonstrando a eficácia das inovações desenvolvidas pelo Programa Cana IAC.

Revista Canavieiros: Quais são os projetos ou pesquisas mais promissoras em que o Programa Cana IAC está atualmente envolvido?
Landell: O Programa Cana IAC está envolvido em diversos projetos e pesquisas promissores, muitos em colaboração com outras instituições como ESALQ, Unicamp e Unesp de Jaboticabal. Um desses projetos foca na adaptação da cana-de-açúcar a regiões secas, como o cerrado de Goiás, através do desenvolvimento de uma matriz que considera o ciclo da cultura como um fator influente na colheita. Esse fenômeno foi descoberto através de estudos de hibridação de espécies e ao longo de um século de pesquisa, revelando que os híbridos desenvolveram uma maior tolerância à seca devido à expansão do sistema radicular, o que não ocorria com a espécie original Saccharumofficinarum que nos dá o açúcar.

Revista Canavieiros: Como o Programa Cana IAC colabora com as instituições de pesquisa, universidades ou empresas do setor?
Landell: O Programa Cana IAC colabora com instituições de pesquisa, universidades e empresas do setor de várias maneiras. O Instituto Agronômico (IAC) estabeleceu um modelo de desenvolvimento de pesquisa com foco em inovação, fortalecendo sua interação com produtores e empresas do segmento da cana-de-açúcar, que são altamente organizados. As usinas e associações oferecem interlocutores técnicos qualificados, facilitando a condução de experimentos e projetos de pesquisa. O IAC tem parcerias com diversas empresas e universidades, incluindo instituições como a UFLA em Lavras-MG. Todas as universidades paulistas que tenham curso de agronomia, podem participar desse network do IAC. Muitas dissertações de mestrado e teses de doutorado foram desenvolvidas em colaboração com o IAC, ampliando o conhecimento em áreas relevantes para a agricultura paulista e brasileira. O IAC também oferece programas de pós-graduação, onde muitos alunos realizam trabalhos em cana-de-açúcar. Além disso, o IAC está envolvido na abertura de um curso de Agronomia em parceria com a PUC/Campinas, com o objetivo de expandir o conhecimento em diversas outras culturas agrícolas.

Revista Canavieiros: De que maneira o Programa Cana IAC impactou positivamente a produtividade e a sustentabilidade da produção de cana-de-açúcar no Brasil?
Landell:O Programa Cana IAC teve um impacto positivo significativo na produtividade e sustentabilidade da produção de cana-de-açúcar no Brasil e a desconstrução do conhecimento foi fundamental para a inovação. Ao questionar e repensar práticas estabelecidas, surgiram novas abordagens, como o método MPB de plantio e corte de gemas. Esse processo de desconstrução também influenciou a criação do terceiro eixo, resultando em um aumento expressivo na produtividade de empresas como Jalles Machado e Denusa. Na Jalles Machado, a produtividade saltou de pouco mais de 60 toneladas por hectare para mais de 90 toneladas, enquanto na Denusa, a média dos cinco primeiros cortes alcançou 107 toneladas em sequeiro. Essas melhorias não apenas beneficiam as empresas, mas também mantêm empregos e promovem a expansão das atividades, contribuindo para a satisfação do entrevistado em sua jornada de pesquisa e inovação.

Revista Canavieiros: Como o Programa Cana IAC enxerga seu papel no futuro do setor sucroenergético brasileiro?
Landell: O Programa Cana IAC seguirá com o seu esforço em direção da inovação. Para tanto, continuará o exercício de mexer nos pilares dos conhecimentos já adquiridos e gerar novas visões, e de construção de novas ideias. Se uma instituição de pesquisa pretende ser inovadora, ela tem que fazer o exercício de projetar cenários de maneira contínua, para construir novas hipóteses.