A tempestade perfeita que atingiu as usinas de cana-de-açúcar nos últimos anos deixou marcas irreparáveis no setor, com unidades desativadas e fuga de investimentos. A sombra criada entre os empresários é hoje mais difícil de ser dissipada e justifica a desconfiança diante dos primeiros sinais de retomada, após a recente mudança de política do etanol. Em entrevista à Dinheiro Rural, Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), repetiu várias vezes a palavra previsibilidade. "O que pode ajudar agora é o retorno da racionalidade econômica", diz Farina.
"E importante que essa nova abordagem seja vista como uma regra que veio para ficar." Ela explica o que falta para as usinas acreditarem numa fase mais positiva e mostra porque uma política estável pode colocar o setor num novo patamar. Atualmente, há 379 usinas ativas no País, das quais 305 estão na região Centro-Sul. A previsão da safra 2016/2017 é de 691 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, novo recorde de produção nacional.
Dinheiro Rural: A crise dos últimos anos provocou o fechamento de mais de 85 usinas. O setor da cana-de-açúcar foi superdimensionado no País?
Elizabeth Farina: O controle de preços da gasolina, o ciclo de baixa do açúcar, mais um problema climático geraram a tempestade perfeita que se concretizou no elevadíssimo endividamento das usinas e na queda de produtividade. Elas estavam alavancadas pelas respostas positivas de investimento diante da própria postura do presidente Lula, que fez marketing pelo mundo dizendo que o Brasil seria a Arábia Saudita do combustível verde. Mas a pergunta é difícil porque é contra-factual. Seria diferente se não fosse como foi? A questão é que naquele período não se pensava só o mercado interno, mas também o internacional de maneira importante. Com a crise financeira global, vários programas de incentivo a combustível limpo começaram a ser revistos.
DR: Como está o setor hoje?
EF: O ano de 2015 foi melhor porque a política mudou, com a retomada da tributação sobre a gasolina, o aumento da mistura de etanol na gasolina e a política de vários estados de aumentar o ICMS sobre a gasolina.
DR: Já dá para falar em recuperação em 2016?
EF: Houve melhora, inclusive com a recuperação do preço do açúcar no mercado internacional, mas não foi o suficiente para resolver o endividamento. Ele ainda é bastante elevado para cerca de 30% das usinas. Tem mais umas 30% delas, em que é elevado, mas parece caminhar para ser equacionado. Outras 30% que estão melhores e aproveitando o momento. A perspectiva de instabilidade continua apavorando o setor. Passamos um período de bastante intervencionismo, de políticas públicas difíceis ao setor privado, que espantou o investidor. O que pode ajudar o setor da cana-de-açúcar agora é o retorno da racionalidade econômica. E importante que essa nova abordagem seja vista como uma regra que veio para ficar.
DR: O que é preciso para o investimento voltar?
EF: Se o governo sinalizar que, passando por turbulências, ele mantém as principais regras do jogo em funcionamento, será importante. Leva tempo para construir a confiança, mas é muito fácil perder. Retomar depois é mais desafiador ainda. O presidente Michel Temer, mesmo sendo interino, tem se colocado de maneira muito respeitosa ao agronegócio. Levou uma pessoa do setor para o Ministério da Agricultura, foi à Frente Parlamentar da Agropecuária. Isso é uma sinalização importante, eu nunca havia visto um presidente na frente do agronegócio.
DR: Na agenda fiscal do governo atual, há planos para elevar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) na gasolina, hoje um tributo de R$ 0,10 o litro. Qual seria o nível ideal ao setor?
EF: Nosso embasamento do imposto decorre de um estudo com parâmetros da EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) sobre preço de carbono. A metodologia consiste em calcular quanto custa para a sociedade consumir gasolina, geradora de emissões de gases do efeito estufa. O cálculo é de R$ 0,60 por litro para compensar as externalidades positivas do etanol que não aparecem como competitividade na bomba. Não quer dizer que tem de ser R$ 0,60 ou nada, mas pode-se fazer um cronograma de aumentos. A Cide tem de ser vista como um imposto ambiental e é necessária do ponto de vista da correção de preços relativos.
DR: A crise provocou uma série de recuperações judiciais. Essa onda já acabou?
EF: Temos 72 casos atualmente. A recuperação decorre de vários fatores e um deles é a rentabilidade corrente, que nem sempre é aproveitada por todas as usinas. Várias delas não se beneficiaram da melhora do ano passado porque já tinham vendido a produção antes desses benefícios chegarem. Embora ainda fosse safra, a necessidade muito grande de caixa acabou fazendo com que muitas vendessem a produção antecipadamente ou para produzir logo em seguida. Por isso, pode haver novos casos. Muitas se endividaram em dólar e há a questão da liquidez, que não permite o benefício da melhora. Para estancar o fechamento de usinas, teria de preservar essa situação de 2015 e as regras do jogo.
DR: Há risco de que essa recuperação seja curta como um voo de galinha?
EF: Somos muito sensíveis à política pública. O que acontece se a política dá uma guinada, com inflação dois dígitos, por exemplo, e precisa congelar o preço da gasolina? Precisamos de previsibilidade das regras.
DR: As usinas que pararam de operar vão voltar? Como ficará o setor?
EF: Em grande parte, o setor passou até por uma racionalização da produção. Como se explica 85 usinas paradas, entre 2008 e 2015, e recorde de produção no ano passado? Se explica porque a parte industrial foi fechada, mas a agrícola foi transferida para outra usina em funcionamento. Portanto, pudemos ter um processo de fechamento de usinas sem queda na produção de etanol. Agora estamos começando a bater no limite da capacidade e, portanto, uma expansão da produção vai depender também de uma expansão das novas usinas. Algumas terão condições de ser retomadas.
DR: Dá para antever um novo ciclo de investimentos?
EF: Cicio de investimento só se a gente tiver uma sinalização muito firme de que a matriz prevista nos documentos internacionais vai ser perseguida e serão adotadas políticas nessa direção.
DR: Qual será o impacto no setor dos compromissos ambientais assumidos pelo Brasil na COP-21?
EF: Os biocombustíveis devem passar a ser 18% da matriz e, na parte de energia, haverá um crescimento de renováveis para 23%. No programa também tem uma parte de recuperação de terras degradadas e o setor de etanol pode contribuir com isso. Será preciso um planejamento adequado para 2020 e 2030. Considerando que levamos ao menos cinco anos para implantar uma nova usina, estamos atrasados. A estimativa é que o Brasil vá produzir 54 bilhões de litros de etanol em 2030, ou seja, quase dobrar o nível de hoje. Mas temos de começar ontem porque o tempo é curto.
DR: Hoje, qual o principal tema internacional do setor das energias renováveis?
EF: Estamos em meio a uma troca de ofertas entre Mercosul e Europa e não foram incluídos nem o açúcar, que nunca esteve, e nem o etanol, que foi retirado. O pleito é para adicionar ambos. Com a tarifa, da Europa para o açúcar, de 98 euros por tonelada, simplesmente não vamos exportar nada para lá. Nos Estados Unidos, conseguimos preservar a participação do combustível avançando nas exigências de compra pelas distribuidoras, que inclui o nosso etanol. A manutenção é importante porque havia risco de redução e o mercado americano é o nosso maior importador.
DR: Como a senhora avalia as políticas para a bionergia?
EF: Precisa melhorar muito a política e os leilões, para reconhecer as externalidades positivas da biomassa. Atualmente 170 usinas, ou 40% do total colocam bioeletricidade na rede nacional, mas poderia ser mais. Não houve estímulo nos leilões para que as usinas fizessem os investimentos necessários. Um leilão A-5 (energia para cinco anos), por exemplo, dá cinco anos para começar a produzir, com um contrato de fornecimento de até 25 anos. Esse contrato ajuda a reduzir o custo de financiamento.
DR: Precisa de um aprimoramento regulatório, então.
EF: Sim, precisa de um bom aprimoramento. Segundo nossos técnicos, há uma Itaipu adormecida nos nossos canaviais. Falta uma sinalização de regras e mais uma vez é a questão da previsibilidade: o Brasil é um País que quer energia de baixo carbono ou quer explorar o pré-sal, os fósseis, e pronto?
DR: O crédito presumido de PIS/Confins concedido ao setor vence em dezembro. O que Unica tem conversado com o governo?
EF: Se houver o fim do crédito presumido, haverá nova perda de competitividade do etanol. Pediremos para prorrogar ou compensar com outro imposto, como a Cide.
A tempestade perfeita que atingiu as usinas de cana-de-açúcar nos últimos anos deixou marcas irreparáveis no setor, com unidades desativadas e fuga de investimentos. A sombra criada entre os empresários é hoje mais difícil de ser dissipada e justifica a desconfiança diante dos primeiros sinais de retomada, após a recente mudança de política do etanol. Em entrevista à Dinheiro Rural, Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), repetiu várias vezes a palavra previsibilidade. "O que pode ajudar agora é o retorno da racionalidade econômica", diz Farina.
"E importante que essa nova abordagem seja vista como uma regra que veio para ficar." Ela explica o que falta para as usinas acreditarem numa fase mais positiva e mostra porque uma política estável pode colocar o setor num novo patamar. Atualmente, há 379 usinas ativas no País, das quais 305 estão na região Centro-Sul. A previsão da safra 2016/2017 é de 691 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, novo recorde de produção nacional.
Dinheiro Rural: A crise dos últimos anos provocou o fechamento de mais de 85 usinas. O setor da cana-de-açúcar foi superdimensionado no País?
Elizabeth Farina: O controle de preços da gasolina, o ciclo de baixa do açúcar, mais um problema climático geraram a tempestade perfeita que se concretizou no elevadíssimo endividamento das usinas e na queda de produtividade. Elas estavam alavancadas pelas respostas positivas de investimento diante da própria postura do presidente Lula, que fez marketing pelo mundo dizendo que o Brasil seria a Arábia Saudita do combustível verde. Mas a pergunta é difícil porque é contra-factual. Seria diferente se não fosse como foi? A questão é que naquele período não se pensava só o mercado interno, mas também o internacional de maneira importante. Com a crise financeira global, vários programas de incentivo a combustível limpo começaram a ser revistos.
DR: Como está o setor hoje?
EF: O ano de 2015 foi melhor porque a política mudou, com a retomada da tributação sobre a gasolina, o aumento da mistura de etanol na gasolina e a política de vários estados de aumentar o ICMS sobre a gasolina.
DR: Já dá para falar em recuperação em 2016?
EF: Houve melhora, inclusive com a recuperação do preço do açúcar no mercado internacional, mas não foi o suficiente para resolver o endividamento. Ele ainda é bastante elevado para cerca de 30% das usinas. Tem mais umas 30% delas, em que é elevado, mas parece caminhar para ser equacionado. Outras 30% que estão melhores e aproveitando o momento. A perspectiva de instabilidade continua apavorando o setor. Passamos um período de bastante intervencionismo, de políticas públicas difíceis ao setor privado, que espantou o investidor. O que pode ajudar o setor da cana-de-açúcar agora é o retorno da racionalidade econômica. E importante que essa nova abordagem seja vista como uma regra que veio para ficar.
DR: O que é preciso para o investimento voltar?
EF: Se o governo sinalizar que, passando por turbulências, ele mantém as principais regras do jogo em funcionamento, será importante. Leva tempo para construir a confiança, mas é muito fácil perder. Retomar depois é mais desafiador ainda. O presidente Michel Temer, mesmo sendo interino, tem se colocado de maneira muito respeitosa ao agronegócio. Levou uma pessoa do setor para o Ministério da Agricultura, foi à Frente Parlamentar da Agropecuária. Isso é uma sinalização importante, eu nunca havia visto um presidente na frente do agronegócio.
DR: Na agenda fiscal do governo atual, há planos para elevar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) na gasolina, hoje um tributo de R$ 0,10 o litro. Qual seria o nível ideal ao setor?
EF: Nosso embasamento do imposto decorre de um estudo com parâmetros da EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) sobre preço de carbono. A metodologia consiste em calcular quanto custa para a sociedade consumir gasolina, geradora de emissões de gases do efeito estufa. O cálculo é de R$ 0,60 por litro para compensar as externalidades positivas do etanol que não aparecem como competitividade na bomba. Não quer dizer que tem de ser R$ 0,60 ou nada, mas pode-se fazer um cronograma de aumentos. A Cide tem de ser vista como um imposto ambiental e é necessária do ponto de vista da correção de preços relativos.
DR: A crise provocou uma série de recuperações judiciais. Essa onda já acabou?
EF: Temos 72 casos atualmente. A recuperação decorre de vários fatores e um deles é a rentabilidade corrente, que nem sempre é aproveitada por todas as usinas. Várias delas não se beneficiaram da melhora do ano passado porque já tinham vendido a produção antes desses benefícios chegarem. Embora ainda fosse safra, a necessidade muito grande de caixa acabou fazendo com que muitas vendessem a produção antecipadamente ou para produzir logo em seguida. Por isso, pode haver novos casos. Muitas se endividaram em dólar e há a questão da liquidez, que não permite o benefício da melhora. Para estancar o fechamento de usinas, teria de preservar essa situação de 2015 e as regras do jogo.
DR: Há risco de que essa recuperação seja curta como um voo de galinha?
EF: Somos muito sensíveis à política pública. O que acontece se a política dá uma guinada, com inflação dois dígitos, por exemplo, e precisa congelar o preço da gasolina? Precisamos de previsibilidade das regras.
DR: As usinas que pararam de operar vão voltar? Como ficará o setor?
EF: Em grande parte, o setor passou até por uma racionalização da produção. Como se explica 85 usinas paradas, entre 2008 e 2015, e recorde de produção no ano passado? Se explica porque a parte industrial foi fechada, mas a agrícola foi transferida para outra usina em funcionamento. Portanto, pudemos ter um processo de fechamento de usinas sem queda na produção de etanol. Agora estamos começando a bater no limite da capacidade e, portanto, uma expansão da produção vai depender também de uma expansão das novas usinas. Algumas terão condições de ser retomadas.
DR: Dá para antever um novo ciclo de investimentos?
EF: Cicio de investimento só se a gente tiver uma sinalização muito firme de que a matriz prevista nos documentos internacionais vai ser perseguida e serão adotadas políticas nessa direção.
DR: Qual será o impacto no setor dos compromissos ambientais assumidos pelo Brasil na COP-21?
EF: Os biocombustíveis devem passar a ser 18% da matriz e, na parte de energia, haverá um crescimento de renováveis para 23%. No programa também tem uma parte de recuperação de terras degradadas e o setor de etanol pode contribuir com isso. Será preciso um planejamento adequado para 2020 e 2030. Considerando que levamos ao menos cinco anos para implantar uma nova usina, estamos atrasados. A estimativa é que o Brasil vá produzir 54 bilhões de litros de etanol em 2030, ou seja, quase dobrar o nível de hoje. Mas temos de começar ontem porque o tempo é curto.
DR: Hoje, qual o principal tema internacional do setor das energias renováveis?
EF: Estamos em meio a uma troca de ofertas entre Mercosul e Europa e não foram incluídos nem o açúcar, que nunca esteve, e nem o etanol, que foi retirado. O pleito é para adicionar ambos. Com a tarifa, da Europa para o açúcar, de 98 euros por tonelada, simplesmente não vamos exportar nada para lá. Nos Estados Unidos, conseguimos preservar a participação do combustível avançando nas exigências de compra pelas distribuidoras, que inclui o nosso etanol. A manutenção é importante porque havia risco de redução e o mercado americano é o nosso maior importador.
DR: Como a senhora avalia as políticas para a bionergia?
EF: Precisa melhorar muito a política e os leilões, para reconhecer as externalidades positivas da biomassa. Atualmente 170 usinas, ou 40% do total colocam bioeletricidade na rede nacional, mas poderia ser mais. Não houve estímulo nos leilões para que as usinas fizessem os investimentos necessários. Um leilão A-5 (energia para cinco anos), por exemplo, dá cinco anos para começar a produzir, com um contrato de fornecimento de até 25 anos. Esse contrato ajuda a reduzir o custo de financiamento.
DR: Precisa de um aprimoramento regulatório, então.
EF: Sim, precisa de um bom aprimoramento. Segundo nossos técnicos, há uma Itaipu adormecida nos nossos canaviais. Falta uma sinalização de regras e mais uma vez é a questão da previsibilidade: o Brasil é um País que quer energia de baixo carbono ou quer explorar o pré-sal, os fósseis, e pronto?
DR: O crédito presumido de PIS/Confins concedido ao setor vence em dezembro. O que Unica tem conversado com o governo?
EF: Se houver o fim do crédito presumido, haverá nova perda de competitividade do etanol. Pediremos para prorrogar ou compensar com outro imposto, como a Cide.