80 toneladas por hectare não é bom!
24/05/2019
Agronegócio
POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra
Mais de uma década de crise, o que gerou um tombo no investimento nas lavouras, impactos climáticos e a mudança de manejo para a mecanização (plantio e colheita), foi o principal fator para os canaviais do Centro-Sul do país registrarem uma queda de produtividade de mais de 5%, em média, nas últimas dez safras.
Esse cenário fez com que o pesquisador e diretor do centro de Cana do IAC, Marcos Landell, focasse nas estratégias para elevar a produtividade agroindustrial da cana-de-açúcar a novos patamares como tema de sua apresentação.
Como essa produtividade vem derrapando há muito tempo, o pesquisador demonstrou um temor. “O grande perigo dessa queda é a nova geração achar que chegar nas 80 toneladas por hectare é uma média boa”, enfatizou.
Para “provar” que a cana pode render mais, Landell apresentou o caso do produtor Daine Frangiosi, de Campo Florido-MG, que planta cana em 4,4 mil hectares e saiu de uma produtividade de 62 t/ha e 9,1 t de açúcar na safra 09/10 para 116,9 t/ha e 16 t de açúcar em 2017.
Esse resultado é baseado no combate aos fatores restritivos da cultura, que podem ser bióticos (pragas, doenças e daninhas) e abióticos (clima, solo, manejo). No entanto, Landell pontua que quase 1/4 dessa perda é devida à interação negativa da variedade em um ambiente de produção. É aí que está a explicação pelo conservadorismo do setor em inovar na escolha de variedades mais modernas.
Porém, somente uma escolha assertiva de variedade não garantirá um resultado igual ao do Frangiosi, em Campo Florido. Nem mesmo ao de outro exemplo comentado: uma IACSP95-5094 plantada em uma área drenada que foi colhida com 350 dias após o plantio e rendeu incríveis 244 toneladas por hectare, tendo 2,9 cm de diâmetro, 3,72 metros de altura e população superior a mais de 98 mil colmos por hectare.
Para chegar a esse absurdo, o pesquisador aponta para mais seis ações fundamentais: nutrição mineral mais arrojada; irrigação complementar ou plena; uso de tecnologia que estimula o crescimento agudo do sistema radicular; redução de pisoteio e assertividade de aplicação através da implementação de soluções de agricultura de precisão, adoção de moléculas e produtos inovadores como proteção e uso de maturadores e outros produtos de ação fisiológica.
Voltando à estratégia para a escolha de variedade, Landell destacou duas características não muito observadas pelos produtores, mas fundamentais para garantir produtividade na realidade atual, que são as cultivares que geram uma população elevada de colmos e porte ereto.
O fato da cana ser ereta e fina facilita o trabalho de colheita, o que nas contas do pesquisador proporcionará uma produtividade entre 100 e 127 t/ha, tendo de 80 a 110 mil colmos e um ciclo variando entre 8 e 10 cortes.
A cana ereta faz com que a colhedora trabalhe de modo mais padronizado, principalmente o despontador, diminuindo a quantidade de impurezas vegetais que acaba indo para a indústria.
Nesse sentido, ele fez um “mea culpa” dos programas de melhoramento genético que demoraram para se atentar ao tema. Para ilustrar isso, Landell cita o exemplo da RB85-5156: “uma cana de boa produtividade, mas que tomba muito”.
Como tema final de sua palestra, o pesquisador mostrou três estratégias diferentes que, se adotadas, poderão fazer com que o produtor chegue próximo de produzir 16 t de açúcar por hectare, número que deixaria o setor imbatível na guerra contra os subsídios e medidas protecionistas no mercado mundial de açúcar e na instabilidade do preço do petróleo que dá imprevisibilidade ao etanol.
A primeira é sobre o plantio, momento que precisa ser encarado como a construção do patrimônio biológico e constitui na utilização de poucas mudas no sulco do plantio porque muitos colmos geram intercompetição. Para comprovar sua teoria, Landell mostrou a diferença entre um plantio manual e o mecânico. O mecânico foi 15% superior em TCH na cana planta. Quando observado o ciclo todo (cinco cortes), a vantagem do manual foi de 10%.
Porém, ele entende que às vezes a necessidade da velocidade fala mais alto. Nesses casos, é preciso uma atenção redobrada no momento da escolha da variedade, já que há cultivares que se adaptam melhor às condições geradas pelo plantio mecânico.
A segunda estratégia é sobre a manutenção do patrimônio biológico conquistado com um plantio bem feito e baseado na adoção de técnicas relacionadas à agricultura de precisão, principalmente para evitar pisoteio e aplicações erradas.
O terceiro plano, com certeza, é o mais complexo: mitigar o déficit hídrico, principalmente em áreas de sequeiro, o que pede ao produtor o desenvolvimento de uma tática de guerra em duas frentes distintas. A primeira se trata da data do plantio, cuja a recomendação para ambientes de C a E é não fugir da janela de abril a julho, enquanto que nos ambientes mais privilegiados, o plantio nos dois primeiros meses do ano favorece a produtividade.
Para exemplificar essa conclusão, Landell mencionou um estudo realizado em 14 unidades espalhadas entre o Norte Paulista, Minas Gerais e Goiás. Nesses locais, os plantios de maio, junho e julho resultaram em uma produtividade acima de 120 t/ha, enquanto que os plantios realizados entre janeiro e fevereiro não chegaram a 100 toneladas no primeiro corte.
Outro estudo também apresentado, e feito em 32 unidades das mesmas regiões que o outro, apontou uma produtividade de 90,4 TCH para os plantios do primeiro bimestre contra 113 TCH na média da janela de março a julho. Um fato curioso desse experimento ficou com o plantio feito em agosto, que foi maior que o de março.
Porém, quando o pesquisador foca em ambientes de produção mais favoráveis, surge um fato extremamente relevante: os plantios de janeiro e fevereiro foram superiores em relação aqueles realizados entre abril e maio.
A segunda frente de batalha se trata da implantação da matriz de colheita de terceiro eixo como forma para a raiz se fortalecer e encarar a seca com mais maturidade, isso porque na soca os sistemas radiculares estão mais vistosos, fazendo com que a planta consiga buscar água "mais longe".
Contudo, Landell alerta que na hora de montar essa estratégia, é preciso analisar se o solo não tem nenhuma característica (física, química e/ou biológica) que impeça o crescimento da raiz.
Outro ponto é observar o tipo de ambiente, pois nos médios e favoráveis, o corte é feito com 13 meses de soqueira, enquanto que nos mais restritivos deve ser feito com 12,5 meses.
Para finalizar os pontos de atenção, há também a escolha da variedade obedecendo aos fatores das cultivares restritivas para essa matriz de colheita. "Tenha muito cuidado com as precoces. Como exemplo cito a RB855156, uma cana muito precoce e exigente quanto às condições ambientais, e que sente quando se prolonga o seu corte próximo ao inverno", observou Landell.
Para mostrar que o manejo é bom, ele apresentou o resultado de produtividade em terceiro eixo plantada em Jataí-GO, cujos três primeiros cortes feitos em abril, maio e junho tiveram média de 139,7 TCH. No quarto corte, colhido em julho, o rendimento foi de 136 TCH e no quinto corte, feito em agosto, foi de 110 TCH. Somados os cinco cortes, a produtividade média foi de 133 TCH.
Depois de toda essa justificativa, está comprovado que se conformar com 80 t de cana por hectare ou 11 t de açúcar por hectare é pensar pequeno. A forma de reação já está desenhada, agora é preciso atitude.