A cana-de-açúcar na sua essência

03/04/2019 Agronegócio POR: Revista Canavieiros
Por: Fernanda Clariano


 “Direcione parte de seu tempo e de sua área para conhecer as novas variedades, mas, ao mesmo tempo, mantenha uma parte considerável com variedades de comportamento comprovado”.
 
Esse foi o recado deixado pelo coordenador geral da Ridesa (Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético), Hermann Paulo Hoffmann, para os leitores da Revista Canavieiros, durante entrevista realizada sobre o trabalho desenvolvido pela Ridesa, formada por 10 universidades federais - além da UFSCar de São Carlos, a UFRRJ do Rio de Janeiro, UFV de Viçosa, Ufal de Alagoas, UFPE (Rural de Pernambuco), UFPR do Paraná, UFS de Sergipe, UFG de Goiás, UFMT do Mato Grosso e UFPI do Piauí. Juntas, elas são responsáveis pelo desenvolvimento das variedades que recebem o nome RB (República do Brasil) e, atualmente, estão plantadas em 5,2 milhões de hectares, o correspondente a 64% dos 8,22 milhões de hectares de plantio cana-de-açúcar no país. Confira a entrevista!

Revista Canavieiros: Para 2019 quantas variedades novas serão liberadas no mercado e se juntarão às que foram lançadas no ano passado?

Hermann Paulo Hoffmann: Em 2015, foram lançadas 15 variedades pela Ridesa, sendo quatro variedades da UFSCar:
- RB975952: Hiperprecoce, para ambientes favoráveis;
- RB985476: Média, para ambientes médios a favoráveis;
- RB975201: Média-tardia, para ambientes médios a favoráveis,
- RB975242: Média-tardia, para ambientes restritivos.
A equipe vem se dedicando a acompanhar o crescimento dessas variedades em áreas comerciais, dando suporte para que elas sejam alocadas de maneira que atinjam seu máximo potencial produtivo.
Em 2018, foram apresentadas mais quatro variedades:
- RB005983: Hiperprecoce, para ambientes médios a favoráveis, com desempenho comprovado como cana de ano;
- RB015935: Precoce-média, para ambientes médios a favoráveis, que não floresce e não isoporiza;
- RB975375: Média, para ambientes médios a restritivos, rica e com boa longevidade de soqueira,
- RB005014: Média-tardia, para ambientes favoráveis, com alta produtividade e com boa longevidade de soqueira.
Esses quatro materiais estão sendo distribuídos para as empresas conveniadas em mudas obtidas a partir de cultura de meristema.
Variedades RB, com suas respectivas recomendações de plantio e colheita
 
Revista Canavieiros: O que a Ridesa tem hoje disponível no mercado abrange todas as exigências em relação às condições edafoclimáticas em todas as lavouras de cana no país?
Hermann: Esse é o grande desafio não só da Ridesa, mas dos programas de melhoramento genético como um todo. O setor é bastante dinâmico e, por isso, novas demandas surgem rapidamente. Por outro lado, o desenvolvimento de uma nova variedade, que de fato contribua com o setor, é um processo que exige tempo. Dentro desse contexto, podemos dizer que a Ridesa tem sido bem sucedida, uma vez que as variedades RB são, atualmente, as mais cultivadas no país. A estrutura da Rede, que abrange as principais regiões produtoras de cana do Brasil, e o apoio do setor produtivo são fatores que contribuem para esse sucesso. A atuação dos demais programas de melhoramento proporcionam aos produtores opções para cultivo e nós somos favoráveis a esta concorrência. Temos plena consciência de que as equipes dos programas de melhoramento fazem o possível para obter as melhores variedades. No Brasil, por ocasião da introdução das últimas doenças de importância, ferrugem marrom e ferrugem alaranjada, não tivemos quedas significativas de produção graças às opções de variedades resistentes.
 
Revista Canavieiros: Qual é o perfil das variedades que estão chegando e indo para o campo?
Hermann: Além de variedades mais produtivas e ricas em açúcar, temos buscado materiais de maior longevidade. Nesse sentido, consideramos a adaptação à mecanização, ou seja, materiais com menores percentuais de falhas no plantio, com porte ereto e com bom perfilhamento. Além disso, a resistência às principais doenças é fundamental para o sucesso de uma variedade; a história nos mostra que a suscetibilidade às doenças é o principal motivo para a substituição de uma variedade.
 
Revista Canavieiros: Como tem sido o relacionamento da Ridesa com o setor produtivo?
Hermann: Acreditamos que temos um bom relacionamento com o setor, que nos  mantém com seu apoio através de contratos com associações de fornecedores e unidades produtoras. Essa ligação com o setor é essencial para nós, da Ridesa.

Revista Canavieiros: Qual o maior desafio da Ridesa?
Hermann: Continuar oferecendo variedades que atendam às exigências do setor produtivo; através do uso dessas variedades, temos recursos para buscar um aprimoramento constante.
 
Revista Canavieiros: Conseguir produtividade razoável em ambientes restritivos é um grande desafio para a Ridesa?
Hermann: Não só para a Ridesa, mas para todos os programas de melhoramento. E é por conta desse desafio que variedades como a RB867515 e a SP83-2847 continuam entre as mais cultivadas, pois conseguem desempenho em condições mais restritivas. Entretanto, a busca por materiais rústicos é contínua e, nos próximos anos, novas opções para ambientes restritivos deverão surgir. Como exemplo, podemos citar a RB975242, liberada em 2015, e a RB975375, apresentada em 2018.
 
Revista Canavieiros: Cana resistente à geada é um desafio?
Hermann: É mais um desafio. Para isso, temos buscado avaliar nossos materiais em condições favoráveis a geadas. Além disso, temos mantido contato com pesquisadores da Argentina, onde tivemos a oportunidade de visitar áreas de produção que sofrem com esse problema e procurar informações que nos auxiliem na seleção de variedades tolerantes. Fisiologicamente, é difícil conseguir um material resistente à geada. O que temos observado é o uso de variedades precoces nas áreas mais sujeitas a esse fenômeno e o remanejamento das áreas comerciais, quando possível, para locais com menor incidência.
 
Revista Canavieiros: A cana é a cultura que melhor atende aos princípios de sustentabilidade?
Hermann: O setor sucroenergético desempenha um papel fundamental para que o Brasil seja destaque mundial no uso de energias renováveis. Os produtos da cana-de-açúcar são responsáveis por mais de 15% de toda a oferta de energia do país, valor superior ao fornecido pelas usinas hidroelétricas. Cabe salientar que a cana-de-açúcar alcançou esse patamar em uma área cultivada de pouco mais de nove milhões de hectares, o que equivale a 1% do território nacional. As principais regiões produtoras estão distantes da Floresta Amazônica e não há qualquer relação entre a área cultivada com cana-de-açúcar e áreas de desmatamento. O etanol da cana-de-açúcar, em comparação à gasolina, pode reduzir as emissões dos gases de efeito estufa em até 90%. Além de reduzir as emissões, o etanol de cana-de-açúcar também apresenta um balanço energético extremamente favorável.

Revista Canavieiros: Em relação ao RenovaBio, o material que a Ridesa tem no campo poderá contribuir com este plano do governo de aumento de produtividade?
Hermann: Sim, esse é o objetivo dos programas de melhoramento: disponibilizar materiais que atendam às demandas do setor e que proporcionem aumentos de produtividade. É importante destacar que a variedade de cana é um dos vários fatores que respondem pela produtividade; não podemos esquecer que o manejo adequado da lavoura é que permitirá que as variedades atinjam seu máximo potencial produtivo no campo.
 
Revista Canavieiros: Como está a questão dos recursos para suporte às pesquisas e projetos realizados pela Ridesa?
Hermann: Não podemos nos queixar do apoio recebido, pois os contratos que temos com o setor produtivo têm assegurado recursos suficientes para as nossas atividades. Em contrapartida, utilizamos os recursos da forma mais racional possível. Nossas contas são apresentadas à Universidade Federal de São Carlos para auditoria e nunca houve qualquer questionamento; muito pelo contrário, o projeto é considerado consolidado na Universidade, que é o grau máximo que um projeto de extensão pode alcançar.
 
Revista Canavieiros: Sob a óptica da Ridesa, como está a questão da cana energia e a cana Bt?
Hermann: Paralelamente ao melhoramento para cana-de-açúcar “tradicional”, mantemos um programa para obtenção de cana energia. Quando o panorama for favorável a esse tipo de cana, certamente a Ridesa poderá contribuir. Algumas empresas conveniadas manifestaram interesse específico e, nesses casos, fornecemos materiais para acompanhamento.
Sobre a cana Bt, cabe às universidades aderirem às iniciativas apresentadas, pois, nesse caso, só a universidade detentora pode assumir esse compromisso. Na área molecular, temos dirigido esforços para marcadores ou prospecção de genes para auxiliar o melhoramento convencional. Temos marcadores para seleção assistida de materiais resistentes à ferrugem marrom e resultados em fase de validação com marcadores para seleção de genótipos resistentes à ferrugem alaranjada.

Revista Canavieiros: Qual a importância do interior do Estado de São Paulo na questão de produção de cana, etanol e açúcar?
Hermann: É a maior região produtora. As condições climáticas são as mais favoráveis para a cultura, tanto é que as áreas de maior representatividade dos outros Estados são aquelas mais próximas à São Paulo.
 
Revista Canavieiros: Por favor, fale sobre o “contrato” que a Ridesa tem com as empresas produtoras de mudas.
Hermann: Temos interesse em promover a multiplicação das variedades RB e também de clones promissores, desde que essa multiplicação seja para atender empresas conveniadas. Há uma modalidade de contrato específica para produtores de mudas.
Revista Canavieiros: Em pareceria com a Stab e a Unica foi desenvolvido um questionário onde o mesmo foi enviado para as usinas e as instituições de pesquisas. O que foi levantado neste questionário? Qual o resultado disso?
Hermann: Foram realizadas 17 questões sobre cana energia para quatro grupos: universidades e institutos de pesquisa, associações e entidades, unidades produtoras e programas de melhoramento. O Brasil ocupa posição de destaque no uso de energia renovável. Para o futuro, a maioria respondeu que a cana deverá ter uma boa produção de biomassa, e todos acreditam que a cana energia contribuirá com a matriz energética brasileira. No entanto, para os próximos dez anos, há baixa expectativa de investimento e uso. Os investimentos deverão ser, prioritariamente, para o desenvolvimento de variedades, seguidos pelo desenvolvimento de equipamentos e maquinários. Futuramente, espera-se que a cana-de-açúcar “tradicional” ocupe os melhores ambientes de produção e que a cana energia seja direcionada para solos mais restritivos. Houve consenso entre os grupos de que os programas de melhoramento deverão dirigir seus esforços para aumentar o teor de fibra para incremento de biomassa, sem comprometer significativamente o teor de açúcar.