A engrenagem da suinocultura

30/12/2019 Agricultura POR: Marino Guerra
A engrenagem da suinocultura Criador de Descalvado é exemplo de como deve ser a estrutura de uma granja

Criador de Descalvado é exemplo de como deve ser a estrutura de uma granja

É inegável que a suinocultura hoje é vista com outros olhos. Vendo a expressiva valorização do preço da carne de porco em decorrência da dizimação do plantel chinês, tendo como responsável uma epidemia causada pela peste suína africana, todo o agricultor que pensa na diversificação de sua atividade já assuntou com alguém sobre como funciona a criação.

Porém, para atingir retornos recompensadores, não adianta formar um chiqueiro e colocar meia dúzia de animais. É preciso o desenvolvimento de um projeto muito bem especificado, além de demandar anos de experiência e muitas horas de estudo para chegar ao nível da operação conduzida pelo médico veterinário de Descalvado, Marcos Eduardo Pinese.

Formado em 2001 e com mestrado em Nutrição e Reprodução de Suínos em 2005, o criador assumiu uma operação iniciada há mais de trinta anos pelo pai, o também veterinário José Eduardo Pinese, e a organizou de tal maneira que mantém uma estrutura com cerca de 300 matrizes e uma média de 150 animais que vão para o abate por semana, rodando com a mesma perfeição que a engrenagem de um relógio suíço.

O criador e médico veterinário Marcos Eduardo Pinese, o encarregado da Loja de Ferragem da Copercana de Descalvado, Edvaldo Luís Assoni, e o médico veterinário da Copercana, Juliano de Angelis Thomazini

Lá é realizado de maneira integrada o ciclo completo da criação, ou seja, desde a produção da ração, passando pela coleta do sêmen e inseminação, execução do parto e todo o processo de cria e engorda dos animais.

Sua estratégia de melhoramento genético é composta pela manutenção de um plantel puro sangue das raças Large White e Landrace, escolhidas pelas suas habilidades de reprodução como capacidade para gerar filhotes, e comprimento, o que aumenta o número de tetas para amamentação.

Do cruzamento entre as duas raças é realizado o time de matrizes denominado “F1”, que receberá o sêmen de machos, geralmente das raças Piétrain e Hampshire que originarão o plantel de engorda.

Uma curiosidade da suinocultura é que a retirada do sêmen e inseminação é feita na própria fazenda, isso porque diferente do boi, os espermatozoides são muito sensíveis, não viabilizando a sua produção comercial.

Marcos apoia seu sistema de trabalho em três pilares. O primeiro é o genético, já descrito na reportagem. O segundo é a nutrição, tão minuciosa que cada animal é alimentado conforme a sua fase de vida (dividida em oito, do nascimento ao abate), correlacionado ao seu peso e, consequentemente, em alguma necessidade específica de desenvolvimento.

Com uma fábrica de ração na propriedade, o criador conta que hoje foca na evolução da digestibilidade dos animais, mais especificamente na sua qualidade intestinal, utilizando enzimas e probióticos, inclusive a levedura de cana, e tratando de maneira preventiva, através da homeopatia, a imunidade do animal.

Para fechar a sua base de sustentação, vem a sanidade, sendo que uma parte está diretamente ligada à nutrição, pois os animais alimentados de maneira planejada são fundamentais para que estejam livres de epidemias, como aconteceu na China.

A outra tem foco no manejo de resíduos. Neste ponto, a obrigação é manter os locais limpos e, para isso, Pinese desenvolveu um sistema onde em todos os lugares, desde a maternidade até as baias de engorda, é reservado um período de limpeza pesada. Vale lembrar que mesmo com os animais no local, toda a estrutura é lavada constantemente.

Maternidade: desde a retirada do sêmen até o desmame, todo o processo de reprodução acontece dentro da fazenda

Contudo, buscando aliar a biossegurança com a sustentabilidade ambiental da operação, foi implementado um sistema em que os rejeitos dos animais são reunidos em tanques de tratamento. Neles, são maturados e se transformam num poderoso biofertilizante, utilizado no pasto onde ele cria cerca de 200 cabeças de gado, fechando o círculo.

Nesta mesma estrutura, ele conta que já testou por mais de uma vez montar uma operação de biometano. Porém, os modelos implementados mostraram um custo elevado de manutenção, além do fato das fezes dos suínos serem pobres no gás. Por não ter muitas opções de uso, a produção do fertilizante é mais interessante.

Para encerrar a conversa, foi falado a respeito do momento mágico que o mercado vive hoje. Pinese acredita que os preços altos deverão se manter firmes por algum tempo, mas demonstra uma preocupação com um possível aumento desenfreado na produção, o que aumentará o risco do Brasil perder seu status sanitário.

“Quem nunca trabalhou com suinocultura não adianta querer entrar no mercado agora, pois até formar uma estrutura, a China já poderá ter recuperado o seu plantel e, com isso, os preços deverão estar mais equilibrados. Para o produtor que deseja investir na criação, recomendo a busca por conhecimento para entrar no setor de maneira organizada e sólida”, finaliza Pinese.

Baia de engorda dos animais

Exemplo de preocupação ambiental, as fezes dos animais são recolhidas num sistema que as direcionam para tanques de maturação até se transformarem num fertilizante que é aplicado no pasto. Vale lembrar que a foto foi feita no final de outubro, antes da chegada das chuvas da primavera