A formação dos agrônomos

16/11/2021 Noticias POR: MARINO GUERRA

Durval Dourado Neto - diretor da Esalq/USP

 

O agronegócio brasileiro avança a passos largos para consolidar sua posição como o carro-chefe da economia. Porém, esse processo não será uma tarefa fácil, pois além de alimentar boa parte do mundo, o produtor será cada vez mais cobrado a produzir mais num espaço menor, elevando a eficiência sustentável do negócio. Para isso será imprescindível a formação de mão-de-obra especializada, e para saber como anda esse trabalho, a Revista Canavieiros foi entrevistar Durval

Dourado Neto, diretor da Esalq/USP, uma das universidades de ciências agrárias mais respeitadas em todo o mundo. E o que se concluiu é que a palavra de ordem é “pluralidade” tanto para as profissões mais clássicas do campo como também pela abertura e valorização que as organizações de todos os segmentos precisarão ter nos mais variados tipos de profissionais.

Revista Canavieiros: Outubro é considerado o mês do engenheiro agrônomo. Gostaria que o senhor traçasse o perfil desse profissional (que atua na iniciativa privada) e comparasse com o de dez anos atrás e o que estará na ativa daqui a uma década?

Durval Dourado Neto: A base da atuação do profissional engenheiro agrônomo impacta positivamente na sociedade, seja na produção de alimentos ou na questão ambiental, a partir da conservação dos recursos naturais. Desde que a profissão foi regulamentada, em 1933, a evolução dessa atividade sempre esteve pautada nos pilares da produtividade eficiente e da manutenção dos recursos. Além disso, os profissionais hoje são formados a partir de uma ótica humanista, na qual prevalecem valores de cidadania, aliados à competência técnica e habilidades sociais. Nos dias de hoje, o engenheiro agrônomo traz consigo uma formação capaz de resolver problemas no campo, dentro daquele conjunto de ações que sintetizam a expressão “dentro da porteira” como também está preparado para resolver questões diversas que perpassam o universo agrícola em direção ao meio urbano. Nesse âmbito incluímos os conceitos logística, marketing, economia, gestão ambiental, entre outros. Por isso, o engenheiro agrônomo atua hoje em todas as etapas do processo de produção agrícola, desde o planejamento até o processamento e a comercialização de produtos de origem animal e vegetal, respeitando o manejo e uso sustentável dos recursos naturais. É responsável pelo ensino, pesquisa, transferência de tecnologia e gerenciamento de atividades nas áreas de biotecnologia, agroindústria, engenharia de biossistemas e economia agrícola, administração e sociologia.

Revista Canavieiros: Nesse processo de mudança, qual é o papel da universidade?

Dourado Neto: O papel da universidade é manter-se atualizada e alinhada às mudanças de contexto, seja no âmbito social, cultural, científico, econômico, político e tecnológico. Cada uma dessas vertentes apresenta características que impactam a maneira como nos relacionamos, consumimos e também norteia decisões na forma como alocamos nossos recursos ou como construímos a base do conhecimento e da formação dos profissionais nas mais diversas áreas do saber. No caso da Universidade de São Paulo e, mais especificamente no âmbito da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), nossa missão é promover atividades de ensino, pesquisa e extensão nas áreas de Ciências Agrárias, Ambientais, Biológicas e Sociais Aplicadas para a formação de profissionais com excelência e cidadania, reconhecidos nacional e internacionalmente, para atender às demandas da sociedade. Mais especificamente na formação de futuros engenheiros agrônomos, a Esalq oferece excelente infraestrutura física e humana e a preocupação está além da qualidade de salas e laboratórios.

As aulas acontecem nos 12 departamentos da escola, no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) da USP em Piracicaba, e em áreas para experimentação agrícola como a Fazenda Areão (Piracicaba/SP) e as estações experimentais localizadas em Anhuma/SP e Anhembi/SP. Estão à disposição dos nossos estudantes cerca de 140 laboratórios de pesquisa. Outra vertente que dá ao nosso corpo discente um grande diferencial é a oportunidade de se integrar em um dos mais de 80 convênios internacionais que mantemos com universidades de todo o mundo. Assim acreditamos formar um profissional cidadão, ligado e consciente, às demandas locais, e capaz de solucionar problemas em qualquer parte fora do nosso País.

Revista Canavieiros: Está cada vez mais consolidada a condição do Brasil como uma potência agropecuária. Como o senhor enxerga que deva se comportar a demanda por profissionais de agrárias com uma visão a médio prazo?

Dourado Neto: A demanda por profissionais de agrárias, a curto e médio prazo, deve estar balizada na premissa de que precisaremos alimentar dez bilhões de pessoas em 2050. A segurança alimentar é o objetivo de toda a cadeia produtiva do agro, considerando aí o pequeno e médio produtor, agricultor familiar, grandes empresas do setor e instituições de ensino e pesquisa, na qual estamos inseridos. Tanto na iniciativa privada quanto nas instituições públicas, o engenheiro agrônomo será acionado como um profissional híbrido, conectado, analista de uma quantidade cada vez mais de dados e que consiga num curto prazo responder a demandas que garantam a segurança alimentar do planeta. Tudo isso, claro elevando os níveis de produtividade, sem deixar de lado a temática ambiental, pois sem recursos naturais não haverá como abastecer uma população de dez bilhões de habitantes. Em suma, entre outros quesitos fundamentais a este profissional, deverá estar a capacidade de planejar e transferir conhecimento e tecnologia para o bem comum.

Revista Canavieiros: Além da figura do engenheiro agrônomo e agrícola, médico veterinário e zootecnistas, quais outros profissionais começarão a ser mais demandados pelas operações no campo?

Dourado Neto: A confluência de conhecimentos em prol da atividade agrícola é uma vantagem que dá ao setor competitividade e faz dessa área um dos motores do PIB brasileiro. Esse resultado é explicado em parte pela quantidade variada de profissionais envolvidos, como engenheiros agrônomos, zootecnistas, melhoristas, veterinários etc. O que a realidade que já estamos vivendo exigirá desses profissionais é a capacidade de lidar com um grande número de informações, ou seja, transformar dados em tecnologia e tecnologias em otimização da produção. Portanto, as próximas décadas serão caracterizadas pela ciência de dados e na necessidade de entendermos essas informações de maneira a aumentar cada vez mais a eficiência do ambiente agro. Estamos falando, resumidamente, de inteligência artificial e IoT (Internet das coisas). E o profissional que estiver alinhado a essa demanda estará apto para atender tanto as operações de campo quanto a todo o sistema agro, dentro e fora da porteira. E esse profissional não precisa ser essencialmente um engenheiro agrônomo, mas sim alguém capaz de condensar dados, sintetizar conhecimentos e transformar esse conhecimento em tecnologia.

Revista Canavieiros: É comum ver hoje engenheiros agrônomos trabalhando no segmento ambiental. O que a academia oferece hoje para a formação de profissionais que atuarão nessa área? No que ela precisa melhorar?

Dourado Neto: Na Esalq recebemos todos os anos 430 novos alunos ingressantes que chegam à Piracicaba para cursar um dos sete cursos de graduação: Administração, Ciências Biológicas, Ciências dos Alimentos, Ciências Econômicas, Engenharia Agronômica, Engenharia Florestal e Gestão Ambiental. Um diferencial da nossa unidade é propiciar que os estudantes possam cursar disciplinas em outros cursos, facilitando já na graduação a troca de informações e o aperfeiçoamento em determinadas especificidades das carreiras. Uma dessas especificidades é a área ambiental, presente não apenas no curso de Gestão Ambiental ou de Engenharia Agronômica, mas em todos os outros cursos como uma das premissas básicas da formação humanista, que contempla o meio ambiente sob o ponto de vista das Ciências Agrárias, Biológicas, Ambientais e Sociais Aplicadas. Além disso, o campus “Luiz de Queiroz” oferece anualmente centenas de eventos técnicos e científicos que possibilitam aprimorar ainda mais a capacitação em determinadas áreas, incluindo aí o segmento ambiental. Sem falar na pós-graduação, já que certamente esse setor está presente em todos os nossos 18 programas (www.esalq.usp.br/pg). Sobre o que a universidade de maneira precisa melhorar, talvez possamos qualificar ainda mais o intercâmbio com escolas estrangeiras, a fim de conhecer outras realidades e como a questão ambiental é tratada sob os mais diversos cenários. Mas fato é que as mudanças de contexto, seja no Brasil ou fora dele, precisam estar na linha de frente da formação dos nossos egressos. E a área ambiental está cada vez mais no topo dos debates públicos e das demandas científicas. Não podemos nos abster dessa responsabilidade.

Revista Canavieiros: O senhor também é coordenador geral do Grupo de Políticas Públicas da Esalq e tem no seu currículo o mestrado ligado à área de irrigação. Perante isso, gostaria que apontasse quais ações públicas são fundamentais para o ganho de áreas irrigadas no Brasil?

Dourado Neto: Eu gostaria de citar o Plano Nacional de Irrigação que a Esalq contribuiu de forma efetiva no estudo de quanto em produção representaria o ganho de área irrigada a longo, médio e curto prazo. Primeiro é necessário ter em mente algumas premissas como: a área de agricultura e pastagem chega a 248 milhões de hectares, que cerca de oito milhões são irrigados, a taxa de crescimento/ano oscila entre 220 a 250 mil hectares e a capacidade da indústria instalada seria para 500 mil hectares /ano.

No longo prazo, calculamos que demoraria 110 anos para crescermos 55 milhões de hectares, uma área considerável em razão da aptidão agrícola dos nossos solos e a disponibilidade hídrica. Pegando essa área e fazendo um estudo mais elaborado, que considerou a mão-de-obra especializada; a infraestrutura de estrada, energia, armazenamento (silos) e conectividade; chegamos a uma área prioritária de 15 milhões de hectares, ou seja, pensando que temos uma indústria capaz de crescer em 0,5 milhões por ano, atingiríamos essa meta em 2050. Vale lembrar que se esse cenário se concretizar, o Brasil ampliará sua capacidade de alimentar o mundo de um para dois bilhões de pessoas, e detalhe, sem desmatar um hectare. Para finalizar, o plano mostra que teríamos que atingir um ritmo de crescimento da área irrigada de dois milhões de hectares a cada governo, que é a conta a curto prazo.