A recuperação do setor sucroenergético: fato ou fake?

Agronegócio POR: Fernanda Clariano

Especialistas e influenciadores se reuniram em um webinar para discutirem o setor

O setor de cana-de-açúcar teve entre 2000 e 2010 um crescimento significativo, uma grande perspectiva da produção de etanol com a conquista de espaço no mercado internacional, com a alavanca do carro flex no Brasil e o aumento do consumo de etanol.

Muitos investimentos foram feitos na esteira da perspectiva de uma matriz de combustível mais limpa, aumentou-se a produção e gerou-se um grande impacto em termos de empregos e uso de tecnologia no campo.

Após esse processo de expansão mais rápida, o setor enfrentou no início dessa década as dificuldades da intervenção do mercado com uma política de controle de preços de combustíveis, também com alguns reveses em relação ao desempenho da economia brasileira, que acabou tirando um pouco do ímpeto de crescimento do setor e até gerando algumas dificuldades para uma boa parte do segmento.

Nos últimos três anos, a retomada de uma política mais adequada, em termos de formação de preço mais alinhada com o mercado internacional com algumas mudanças importantes no ponto de vista de tributação, gerou grande incentivo para um processo que começa primeiro pelos canaviais, com o retorno de investimentos, busca de tecnologia e eficiência por parte dos produtores.

No final do ano passado, tudo apontava que 2020 seria melhor para o segmento, dando forte fôlego para o processo de retomada do crescimento. Porém, o setor foi surpreendido por alguns eventos desfavoráveis, como o caso do impacto sobre o mercado de petróleo e, em seguida, a própria pandemia da Covid-19, que trouxe efeitos de paralisação na economia global, especialmente ao setor de combustíveis que foi bastante afetado nos primeiros meses. Reflexos negativos sobre a questão de consumo também atingiram o mercado de açúcar, ou seja, rapidamente o que parecia uma fase de euforia passou para uma quase depressão.

No entanto, com o passar do tempo, alguns reflexos positivos foram voltando para o dia a dia. Um retorno do mercado de açúcar, uma recuperação mais rápida no mercado de etanol, uma ajuda bastante considerável na questão do câmbio e também algumas mudanças importantes de ambiente de negócios com algumas novidades, como é o caso do início do RenovaBio.

Para falar sobre o atual momento dos preços e margens do setor, das condições da safra atual, do RenovaBio, bem como das tendências desse segmento tão importante para a agricultura brasileira e para o mundo, dada a sua incontestável posição como produtores e exportadores de açúcar e etanol, um grupo de especialistas e influenciadores se reuniu para o webinar “Recuperação do segmento sucroenergético: fato ou fake?”, que teve como mediador o sócio-fundador da Agroconsult, André Pessoa.

Segundo Meneghin, a produtividade agrícola da cana este ano - o TCH, está cerca de 6% acima em relação ao ano passado

 

As expectativas do mercado sucroenergético foram apresentadas pelo sócio-diretor da Agroconsult, Fábio Meneghin. Conforme o profissional, os preços do açúcar em reais não sofreram tanto com a pandemia e desde o pior momento já apresentam uma alta de mais ou menos 12 a 15%. “A taxa de câmbio ajudou nessa segurada dos preços do açúcar em reais”.

Olhando para os preços de gasolina e etanol, no atacado, no caso gasolina na refinaria e o etanol nas usinas, eles despencaram. O etanol, além da queda na paridade do preço da gasolina, teve também o início da safra. Então, naturalmente, os preços já iriam cair em março-abril, mas a força da pandemia ajudou essa queda ainda mais. Assim, apresentou-se uma recuperação nos preços da gasolina também na casa de 75 – 80% e do etanol em mais ou menos 22% de recuperação desde o pior momento da pandemia.

Desde a média do mês de abril temos o restabelecimento do petróleo, hoje na casa dos 80% mais ou menos, mostrando uma recuperação consistente.

O fornecedor que colheu 77-78 toneladas de cana por hectare no ano passado teve mais ou menos R$ 1.400 de margem na safra anterior. No pior momento da crise, a perspectiva de margem para a safra 20/21 chegou a ficar abaixo de R$ 500 por hectare e agora ela já voltou para um patamar interessante e se aproxima da casa de R$ 2 mil por hectare. A cana voltou a fazer frente com as lavouras de grãos com essa recuperação das margens.

Uma boa notícia apontada por Meneghin é que a produtividade agrícola da cana este ano, o TCH, está muito boa, cerca de 6% acima em relação ao ano passado (média do Centro-Sul). Além da produtividade, outro fato positivo é a questão da qualidade da cana que no ano passado já foi muito boa e este ano novamente vem surpreendendo. Até o momento, o acumulado no ATR é de 5% maior do que o volume do ano passado.

De acordo com o profissional, diferente do que o setor fazia em outros momentos de dificuldades, não está havendo tanta redução de investimentos, mas tem ocorrido um esforço de manutenção desses investimentos em tecnologia, trocando a velha máxima que, em fases difíceis, é preciso economizar para que nos momentos difíceis é melhor caprichar ainda mais e buscar mais eficiência do que no passado para enfrentar as dificuldades. “Isso tem permitido uma recuperação significativa de produtividade para quem está fazendo as melhorias dos processos de manejos dos canaviais e também mais tecnologias sendo integradas no processo, como é o caso, por exemplo, da meiose, que tem sido importante em várias regiões produtoras de São Paulo e outros Estados”, disse Meneghin.

Artioli: “O setor sucroenergético passou por uma fase difícil, mas agora está aí mostrando toda a tecnologia e superação”

 

O produtor

O sócio-proprietário da Tecnocana e produtor de cana, Paulo Roberto Artioli, contou como os produtores se viraram bem e mudaram a chave para apostar na eficiência como propulsora de uma recuperação que precisa passar pela produtividade dos canaviais. Artioli ainda ressaltou como vê a recuperação nos níveis da tecnologia que vem sendo utilizada nesses últimos tempos e o que ele espera em termos de intensificação desses processos.          

“Começamos 2020 com uma expectativa muito forte em relação a como seria o ano decorrente do setor sucroenergético. Com a pandemia, com o problema da Rússia, do petróleo, houve uma queda e fomos parar no fundo do poço quanto às expectativas. Ficamos com receios de investir, mas com o passar do tempo o segmento vem retomando. Com todos os problemas enfrentados achávamos que teríamos uma safra de baixa produtividade, devido à seca e geada, e fomos superando tudo isso e estamos com uma produtividade boa. O nosso ATR hoje está numa média de 137 e a produtividade em 83. Isso tudo é em cima de novas tecnologias”, afirmou Artioli.

Tecnologia e inovação

As inovações e tecnologias, como processos digitais, internet das coisas e uso da inteligência artificial, chegam cada vez mais para o setor agrícola e da cana-de-açúcar. Certamente algumas empresas já estão muito envolvidas com esse processo, e uma delas é o Grupo São Martinho. O diretor agrícola e de tecnologia do Grupo, Mário Ortiz Gandini, falou como a São Martinho vem navegando muito bem nessa onda tecnológica.

O grupo criou uma cultura de inovação dentro da companhia e segue à frente fazendo parte do pelotão do agronegócio brasileiro, que está na vanguarda da utilização dos processos da agricultura 4.0. 

“Estamos inovando a cada dia na maneira de usar, analisar e aplicar, procurando meios mais econômicos, mas em determinado momento começamos a olhar para a tecnologia da informação e os nossos números de colheita, por exemplo, nos mostravam que precisávamos ter um sistema eficiente de controle”. Gandini então pontuou que há uns sete anos o grupo procurou por operadoras para tentar ter internet no campo, mas não houve interesse na época. A partir daí buscaram uma empresa e montaram uma rede própria 4G nas quatro usinas do Grupo.

“Montamos uma rede em que cada equipamento está interligado com o centro de operações. Acompanhamos, por exemplo, um equipamento pulverizador, onde conseguimos ver a vazão de cada bico on-line e podemos inclusive fazer alterações do próprio centro de operações dessa pulverização. Já a nossa logística do transporte de cana é complexa e estamos ganhando eficiência, economia de combustíveis e cada vez mais percebendo o quanto o grupo vem ganhando com esse investimento. O que se pode dizer de uma agricultura, de uma empresa 4G, é que estamos investindo por todos os lados e o 5G já está dando sinais”, afirmou Gandini.  

RenovaBio/ reforma tributária

“Tivemos um sucesso grande na aprovação da lei em 2017, depois diziam que a regulamentação seria um desafio e de fato foi, mas hoje temos uma regulamentação acabada, pronta e, óbvio, será aprimorada com o tempo, mas ela está aí já organizada”, contextualizou o presidente da Unica, Evandro Gussi, sobre a implementação do RenovaBio.   

Já algum tempo, o setor sucroenergético é um negócio altamente sustentável e, segundo Gussi, o passo seguinte agora é o RenovaBio, e isso é transformar sustentabilidade num negócio. “Começamos com açúcar, depois fazendo etanol e bioeletricidade e agora nos colocamos como um prestador de serviços ambientais e de descarbonização”, afirmou o executivo.

Sobre o processo tributário e a incompreensão por algumas instituições governamentais sobre o papel do crédito de carbono e uma tributação justa, Gussi é enfático ao dizer que já vê na reforma tributária uma importante oportunidade para o setor porque o produtor não tem um beneficio tributário, não tem um benefício fiscal. “É um equívoco dizer que o etanol tem algum tipo de benefício tributário. O que o etanol possui é o que chamamos de expressão por externalidade por via tributária. Elas são um conceito próprio da economia e um conceito próprio do direito tributário no mundo inteiro”.

Ainda de acordo com Gussi, há um clima extremamente propício no parlamento que já tomou a decisão de que a reforma tributária deve estar conectada aos processos de retomada da economia mundo afora e pautados por sustentabilidade. "A reforma tributária quer ser uma ferramenta importante desse recomeço econômico e já há uma decisão política de fazer uma retomada verde e nela, tanto no grupo técnico quanto no grupo político, há uma compreensão enorme do papel que o etanol tem nesse processo. Temos aí um setor com uma perspectiva fabulosa para os próximos anos”, afirmou Gussi.

Gussi: “Temos uma capacidade de redução da pegada de carbono impressionante, o etanol de cana já reduz até 90% das emissões de gases causadores de efeito estufa”

Indústria

Em 2020, de janeiro a julho, o mercado de defensivos caiu 2,7% no mercado total em dólar quando comparado ao mesmo período do ano passado, no entanto para a cultura da cana-de-açúcar nesse mesmo período, o mercado cresceu 4% em dólar.  “Acreditamos no setor e, mesmo com tantos ventos