Por: Lina Santin: Coordenadora do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (NEF/FGV) e pesquisadora do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), advogada e sócia de Eurico Santi Advogados
No último dia 23 de agosto tive o prazer de apresentar na Fenasucro & Agrocana a proposta de reforma tributária formulada pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), fundado pelo economista Bernard Appy e pelo jurista Eurico de Santi. Estava ao lado do deputado Baleia Rossi (MDB/SP), que encampou esta proposta na PEC 45/2019 apresentando-a à Câmara dos Deputados em abril deste ano, com apoio público de Rodrigo Maia. Este breve artigo busca apresentar-lhes as principais mudanças que serão promovidas e as razões técnicas que embasam a proposta.
1. Porque reformar apenas o consumo
Os tributos que incidem sobre o consumo de bens e serviços no Brasil (ISS, ICMS, IPI, PIS/Cofins e ISS) são complexos, descoordenados, cumulativos, repletos de obrigações acessórias e geradores de enorme contencioso. Tal situação degrada o ambiente de negócios, implica em perda da competitividade nacional e dificulta o controle político da carga tributária. A PEC 45 propõe a substituição destes cinco tributos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): daí porque chamamos de “reforma tributária sobre o consumo”, pois não trata da tributação sobre a renda, tampouco sobre propriedades.
É certo que há outras questões a serem enfrentadas na reforma do imposto sobre a renda, por exemplo, mas nenhuma é mais urgente e necessária do que a reforma sobre o consumo, especialmente para eliminar o ICMS e o PIS/Cofins: só ela é capaz de diminuir o custo de conformidade das empresas, reduzir drasticamente a litigiosidade tributária, contribuir para o cenário de segurança jurídica e, consequentemente, favorecer o empreendedorismo e novos investimentos.
A PEC 45/2019 tratou apenas da tributação sobre o consumo de forma a clarificar e facilitar o debate. Incluir a folha de salários e tributação sobre a renda na mesma proposta acabaria confundindo ainda mais os cidadãos.
2. O que é o “ibs” e quais as mudanças que ele promove no sistema
O IBS é um imposto que segue as principais características do Modelo IVA: totalmente na?o-cumulativo, cobrado no destino, com alíquota uniforme, incidente sobre uma base ampla de bens e serviços, com direito a crédito integral e imediato, sendo totalmente desoneradas as exportações e os investimentos.
A maior mudança proposta pelo IBS é a unificação e simplificação da legislação nacional da tributação sobre o consumo, criando novo cenário de futuro para o empreendedorismo no Brasil, diminuindo as complexidades e custos de conformidade e favorecendo o desenvolvimento da cidadania fiscal, através da transparência e conscientização da carga tributária arcada pelo consumidor-eleitor.
O IBS também fortalece o pacto federativo, pois amplia competências aumentando a capacidade arrecadatória dos entes, além de resguardar a competência legislativa individual para instituir suas alíquotas, garantindo autonomia financeira, acabando com os incentivos e mudando o critério origem para destino, de forma a acabar com a guerra fiscal .
O IBS unifica a base de incidência do consumo, acabando com conflito de competência entre ICMS e ISS e zonas cinzentas de indefinição, instituindo um novo cenário de segurança jurídica, pois independentemente da atividade econômica que se pratica, há certeza jurídica de que o consumo será sempre tributado de forma uniforme pelos entes da federação, eliminando distorções concorrenciais .
3. Quais são as vantagens da pec 45/2019 e porque ela é tecnicamente superior à pec 110/2019 do ex-deputado hauly
A PEC 45 é pautada nas melhores e mais contemporâneas práticas internacionais de sucesso: atualmente é consenso na literatura econômica que a tributação sobre o consumo deve ser feita para arrecadar de forma simples, eficiente e menos onerosa para o contribuinte.
Entendemos que as empresas não consomem e, por isso, não devem pagar tributos sobre o consumo: quem paga imposto sobre o consumo é o consumidor. As empresas são meras arrecadadoras e não devem arcar com elevados custos em razão das horas excessivas gastas para cumprir suas obrigações tributárias: a empresa deve gastar energia produzindo e gerando riqueza ao país e não gastando seu tempo e seu dinheiro para discutir tributação.
A PEC 45 também entende que a tributação sobre o consumo não é o instrumento adequado para se fazer justiça social ou diminuir desigualdades: a função da tributação moderna é arrecadar e ser instrumento de fomentação do desenvolvimento nacional, não a de distribuir favores e nem de dificultar seu cumprimento e desempenho do país. Por isso, as alíquotas diferenciadas, os incentivos fiscais e regimes especiais devem ser eliminados, abrindo espaço para a adoção de alíquotas uniformes e mais moderadas. Sem privilégios, a tributação se torna mais justa: onde todos pagam, todos pagam menos.
Embora a PEC 110/2019 também proponha a unificação de diversos tributos em um único imposto, modelo IVA, ela peca ao prever a instituição de três alíquotas (mínima, média e máxima), o que acaba por manter parte da complexidade e dos litígios atualmente existentes, afinal todos contribuintes tentarão se enquadrar na alíquota inferior, enquanto o fisco tentará enquadrá-los na alíquota superior.
Além disso, diferentemente da PEC 45/2019 que foi idealizada dentro do ambiente acadêmico e baseada nas melhores técnicas e práticas internacionais, a PEC 110/2019 buscou atender interesses políticos diversos, incluindo a possibilidade de remunerar os agentes fiscais conforme teto do Supremo, conceder tributação privilegiada a determinados setores da economia, dentre outros aspectos dos quais discordamos tecnicamente.
Precisamos entender de uma vez por todas que não se deve fazer política com tributação sobre o consumo: todas as diferenciações causam complexidade, contencioso e aumentam o custo Brasil. Questões regionais e setoriais devem ser enfrentadas pela tributação da renda ou através do investimento direto de recursos da União em infraestrutura, qualificação de mão de obra, etc.
4. Porque as reformas infraconstitucionais não resolvem o problema
O relatório que investiga e compara sistemas tributários de 190 países, elaborado pela PwC e World Bank Group, explicita um dos sintomas de nossa complexidade. O estudo demonstrou que, em 2017, a média de tempo empreendido para pagar tributos no Brasil foi aproximadamente oito vezes maior que a média global, o que, também em razão de outros fatores negativos, colocou o Brasil na posição 184º entre 190 países analisados no ranking que classifica a facilidade de pagar tributos . Dados do Banco Mundial demonstram que, em 2019, enquanto a média brasileira de tempo empregado para pagar tributos foi de 1.958 horas, a média global foi de 240.
Enquanto o Brasil é o último país do mundo a tributar bens e serviços separadamente (ISS X ICMS), mantendo a cumulatividade de um e a sistemática de créditos físicos restritos de outro, há 168 países no mundo que tributam o consumo através do IVA, totalmente não cumulativo com créditos integrais. Nos últimos 20 anos, 85% dos países que fizeram reforma tributária adotaram o modelo IVA. Ainda assim, diversos juristas defendem que reformas pontuais nos atuais tributos e atacam a PEC 45, como se ela fosse o problema. Ora, caros leitores, a quem interessa manter o caos e a litigiosidade do sistema atual?
Recentemente tivemos a oportunidade de debater a proposta da PEC 45 com os secretários de Fazenda na FGV e todos relataram o consenso formado no Consefaz: o sistema tributário atual está falido e ainda que submetido às reformas infraconstitucionais que propõem enfrentar alguns problemas, estará longe de se adequar às melhores práticas internacionais e contribuir para o cenário de segurança jurídica que precisamos para promover o desenvolvimento econômico do país.
5. Conclusão: a pec 45/2019 pode mudar o cenário de futuro do nosso país
Estamos no fim da segunda década do Século XXI e ainda somos o “País das Jabuticabas”, da tomada de três pinos, da propaganda eleitoral gratuita e obrigatória, do fundo partidário, da correção monetária… A PEC 45/2019 não pretende reinventar a roda, tampouco fazer novos experimentos tupiniquins fadados a alimentar a indústria do contencioso e gerar mais insegurança jurídica ao sistema: há diversos exemplos recentes bem-sucedidos no mundo que nos inspiraram na construção desse modelo. Precisamos evoluir e a hora é agora. Vamos juntos mudar o Brasil!