A reportagem da Revista Canavieiros entrevistou o diretor geral do IAC, Marcos Landell

21/11/2022 Noticias POR: FERNANDA CLARIANO

A reportagem da Revista Canavieiros entrevistou o diretor geral do IAC (Instituto Agronômico de Campinas), Marcos Landell, que na oportunidade falou sobre a contribuição das tecnologias desenvolvidas pelo Instituto, bem como o potencial biológico dos materiais. Confira!

Revista Canavieiros: Através da sua rede de apoio o IAC conta atualmente com 640 ensaios ativos.Como foi o início disso tudo?

Marcos Landell: Em 1991, recebemos a incumbência de reorganizar a pesquisa do IAC em cana de açúcar, pois a antiga seção de cana-de-açúcar foi descontinuada no IAC em Campinas em 1988. Havia um desânimo muito grande no setor sucroenergético, pois havia dúvidas em relação a continuidade do Proalcool. O IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) e o Planalsucar foram extintos e a Copersucar reduzido significativamente a sua estrutura de pesquisa com o fechamento de diversas estações experimentais e a extinção de áreas temáticas que até então ela abordava. Iniciamos as ações, buscando ouvir técnicos do setor de associações e usinas para uma primeira prospecção de demandas relevantes para a pesquisa canavieira. Tivemos, nesse momento, um grande apoio do saudoso colega Manoel Ortolan da Canaoeste, que nos estimulou e nos auxiliou colocando a disposição um engenheiro agrônomo com veículo para iniciar a implantação de uma rede experimental em São Paulo.

Criamos o Grupo Fitotécnico de Cana IAC e iniciamos a ação para a formação de uma rede de pesquisa (network) para a condução de um grande número de ensaios para o desenvolvimento de variedades de cana-de-açúcar. Nos inspiramos, naquela ocasião, nos modelos criados pela UFSCar (com a antiga equipe do Planalsucar) – que se fortaleceram criando um modelo de convênios. Seguimos essa mesma linha, no caso com fundações privadas. Começamos com 16 empresas naquela época e atualmente temos mais de 180 empresas nesse convênio que permite desenvolver todo o nosso programa de melhoramento genético no IAC. Graças a isso temos mais de 640ensaios ativos.

Revista Canavieiros: O que consiste o Terceiro Eixo e como foi a introdução?

Landell: Há vinte anos apresentamos uma matriz de produção que envolvia dois fatores: o ambiente de produção (solos associado a manejos) e época de colheita. Ambos os fatores produziam interação para a expressão da produtividade da cana (TCH), ou seja, eram determinantes na produção de fitomassa de um determinado canavial. A partir de 2007, quando fomos convidados para aplicar esse conceito em uma área de produção no norte de Goiás pela empresa Jalles Machado, tivemos que considerar um terceiro fator que foi o “ciclo da cultura” a luz de um novo conhecimento trazido pela tese de doutorado do Antônio Carlos Vasconcelos, que tinha observado que o sistema radicular de variedades mais modernas mantinham o crescimento e portanto, o aprofundamento do sistema radicular ao longo dos cortes e isso alterava radicalmente o acesso desses canaviais a água disponível no solo. Chamamos isso de terceiro fator, e apelidamos de Terceiro Eixo. Isso significa que um canavial em primeiro ciclo (cana-planta), explora um volume de solo muito menor que um canavial no quarto ciclo, considerando a mesma variedade, mesmo solo e mesma região geográfica, expondo-se assim a um déficit hídrico significativamente maior que esse mesmo canavial com ciclos mais avançados. Com esse conhecimento, passamos a preconizar um fluxo de colheita conforme figura abaixo.

O exercício dessa prática em áreas comerciais redundou em aumentos significativos na produtividade agroindustrial de diversas empresas com a própria Jalles Machado, Denusa, UISA, e mais recentemente na BPBUNGe, Raízen, Grupo Pedra, Ferrari, Grupo São Martinho, apenas paracitar algumas empresas. Além disso, inúmeros produtores/ fornecedores passaram a se beneficiar desses conceitos obtendo ganhos significativos e alcançando produtividades média dos cinco primeiros cortes superiores a 110 t/ha. Assim o Terceiro Eixo é uma estratégia de manejo que mitiga o déficit hídrico no ciclo do canavial produzindo os benefícios na produtividade oriundos dessa nova forma de organizar o fluxo da colheita onde o ciclo de maturação das variedades assume um papel coadjuvante no processo como um todo. O estabelecimento de um manejo que mitigue os déficits hídricos traz benefícios principalmente dos primeiros cortes, por promover um melhor perfilhamento e com isso um estabelecimento de uma gestão sobre o número de colmos/ha, o que redundará em canaviais mais produtivos e mais longevos.

Revista Canavieiros: Mesmo em tempos de pandemia e com todos os problemas enfrentados, as instituiçõesde pesquisas não pararam. Prova disso é que recentemente o IAC lançou cinco variedades- IACSP02-1064, IACCTC07-7207, IACCTC05-5579, IACCTC05-5732 e IACCTC08-9052. Esses materiais podem mudar a realidade do setor?

Landell: Eles trazem umacontribuição muito significativa de produtividade agroindustrial, em TCH (tonelada de cana por hectare) e também produtividade de açúcar por hectare. Isso é excepcional e está acontecendo porque estamos com ‘bala na agulha’, com possibilidades de isso acontecer em função de todo o esforço do melhoramento ao longo desses anos. Lembrando que há pouco mais de dez anos adquirimos uma áreae fizemos dela, uma estação experimental lá em Serra Grande, próximo a Ilhéus-BA, e o IAC passou a fazerhibridação, com volume de oportunidades muito maior do que se fazia. Isso gerou ganhos importantes nas famílias geradas e passamos a ter liberdade. Antigamente comprávamos do CTC perto de 100 cruzamentos/ano. Na estação de Serra Grande, pertencente ao projeto Procana IAC chegamos a fazer num único ano, 800 cruzamentos, testando uma série de parentais e atualmente temos os parentais elites.

Esses materiais quando são cruzados vão produzir populações de alto potencial biológico. Esses ganhos são decorrentes dessa expertise na área de hibridação e seleção de parentais.

Revista Canavieiros: Das cinco variedades lançadas, qual a que mais se destaca?

Landell: Eu diria que a IACCTC07-7207encanta. Tem empresa parceira (usina) plantando mais de 1000 hectares dela e ela deve ganhar muito espaço porque está sendo muito falada por todo o mundo. É um material com taxa de multiplicação excepcional porque o seu número de colmos por metro chega a 18. O número de gemas por hectare dela é grande e isso faz com que a possibilidade de aumento dessa variedade em áreas seja maior, ganhando áreas expressivas.

Aliás, está com grande adaptação aos latossolos, então ela vai ser muito plantada na região de Ribeirão Preto, e de todos os latossolos que vão para o lado do Rio Grande. Deve ocupar grande área do lado de São Paulo e Minas Gerais. E está com muito destaque em Goiás, em latossolos, ocupando áreas até Tocantins e também na região do Nordeste. Mas podemos destacar também a IACSP02-1064, que tem um período de industrialização longo, iniciado em abril e se estendendo até o final de setembro. Essas duas variedades são bem eretas e têm população de colmos cima de 90 mil/hectare cultivado.

Revista Canavieiros: O que significa poder apresentar e entregar essas novas variedades?

Landell: Isso é um pouco do sentido da nossa vida profissional desde quando abraçamos o melhoramento de cana-de-açúcar lá atrás mais precisamente no ano de 1983 quando fui convidado para trabalhar com melhoramento de cana, pelo doutor Rafael Alvarez que me escolheu para ser parte da equipe, e me treinar. Portanto, há 39 anos.

Atualmente temos uma equipe com especialistas muito bem treinados, com excelência na prática da seleção de parentais e também de indivíduos nas diversas fases do melhoramento. Eu não consigo fazer absolutamente nada, sozinho. Temos uma rede, um modelo de gestão regional, com gestores regionais e pesquisadores extremamente treinados e que falam a mesma linguagem. Todos têm um olhar similar no momento da seleção, ou seja, canas de alta população, eretas, com uniformidade dos componentes biométricos para diâmetro e altura dos colmos o que facilita inclusive a operação mecânica de colheita. Conseguimos imprimir um padrão que antigamente não havia, não tinha nem equipe. Então é uma satisfação saber que têm muitas pessoas formadas nesse grande projeto e, que têm contribuído muito para o desenvolvimento do setor produtivo da cana-de-açúcar.