Agro e cooperativismo, aliados para todas as horas

Agronegócio POR: Fernanda Clariano

Entrevista: Edivaldo Del Grande, presidente da Ocesp (Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo) e coordenador do FPA (Fórum Paulista do Agronegócio)

O cooperativismo tem um importante papel na economia brasileira, sendo responsável por quase 50% do PIB (Produto Interno Bruto) agrícola do país, além disso, sempre foi e será a solução para os momentos de crise de qualquer país, evidenciando assim a sua importância.

O cooperativismo paulista possui o maior número de cooperados no Brasil unindo esforços e compartilhando vitórias. São 3.196.389 pessoas associadas a 1.026 cooperativas no Estado em 10 ramos distintos e a Ocesp reúne praticamente 15% das cooperativas e 22% dos cooperados do país.

Devido à importância desse contexto, a reportagem da Revista Canavieiros conversou com o presidente da Ocesp e coordenador do FPA, Edivaldo Del Grande, que vem trabalhando de forma efetiva e assertiva em prol do fortalecimento do cooperativismo paulista, para falar sobre esse modelo de negócio e sua relevância para a agricultura e o Brasil. Confira:

Revista Canavieiros: Como estão as cooperativas no Estado de São Paulo diante dessa crise gerada pela pandemia do novo coronavírus?

Edivaldo Del Grande: As cooperativas agropecuárias, desde o início da quarentena, em março, foram enquadradas nos serviços considerados essenciais, portanto seguiram atuando com os devidos cuidados sanitários. Aquelas que lidam com grãos estão bem: a safra foi recorde e as exportações estão em alta, puxadas principalmente pela demanda da China. Mas tivemos alguns segmentos que sentiram mais a crise causada pela pandemia, como o caso das cooperativas de produtores de flores. Nos primeiros meses da quarentena, elas chegaram a perder 70% do movimento previsto por conta da baixa demanda do mercado. Os cooperados que produzem cana continuam enfrentando baixo consumo de etanol e a concorrência do preço da gasolina. Nas cooperativas de pequenos produtores de hortifrutigranjeiros, a situação ainda está difícil para aquelas que dependem da merenda escolar para escoar seus produtos. Em todos esses casos de dificuldades, temos conversado com os poderes públicos para encontrar soluções que amenizem os impactos negativos.

Revista Canavieiros: Quais são os riscos e oportunidades para o agronegócio brasileiro e para as cooperativas, pensando neste novo cenário mundial?

Del Grande: As oportunidades continuam sendo imensas, uma vez que o Brasil é campeão na produção de alimentos e nenhum país do mundo tem condições parecidas com as nossas. Precisamos, sim, melhorar a comunicação das questões ambientais e de outros aspectos polêmicos para afastarmos riscos de qualquer barreira aos nossos produtos. Pois, principalmente a partir desta pandemia, a humanidade está mais cuidadosa e exigente, inclusive na defesa de seus valores. Precisamos reforçar que nenhum outro país tem uma legislação ambiental tão rígida quanto a nossa. Que nenhum outro país tem mais de 60% de seu território coberto por vegetação natural. Em nenhum outro país o agricultor é obrigado a ceder de 20% a 80% de sua propriedade para preservar a natureza para toda a sociedade, sem ganhar nada em contrapartida. As cooperativas entram neste novo cenário com vantagens competitivas. São elas que organizam os produtores, passam orientações e transferem tecnologia para as propriedades de seus cooperados. As cooperativas elevam a qualidade do trabalho de seus produtores associados.

Revista Canavieiros: Com a pandemia do novo coronavírus, aulas foram suspensas e os pequenos produtores deixaram de fornecer alimentos às escolas. Com isso, eles ficaram desassistidos. Como as cooperativas têm trabalhado essa questão?

Del Grande: Com a suspensão das compras públicas para a merenda escolar, muitos produtores cooperados – a maior parte em plantios manejados pela própria família – estão tentando escoar seus alimentos (verduras, legumes, frutas, leite, ovos, entre outros) diretamente para pequenos mercados e varejões. Mas dado o volume de produção, antes previsto para abastecer o programa da merenda, há muita sobra. A renda já não é mais suficiente para as despesas primárias dessas famílias. Se a situação não melhorar, prevemos que muitos abandonarão o cinturão verde para tentar a sorte na periferia das cidades, agravando os problemas sociais. A Ocesp encaminhou ofício ao governo do Estado e fez reuniões com secretários para tentar amenizar o problema. Um dos caminhos mais rápidos seria a retomada do fornecimento de merenda por meio da entrega de uma "cesta verde" de alimentos às famílias dos estudantes da rede pública de ensino. Isto é possível com recurso federal e está previsto na Lei 13.987, sancionada em abril, que garante o funcionamento do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) durante o período de suspensão das aulas. Fizemos questão de distribuir uma cartilha sobre o assunto a todos os 645 municípios de São Paulo.

Revista Canavieiros: A questão de créditos para os produtores é muito importante, principalmente em tempos de pandemia. Qual o trabalho da Ocesp junto aos deputados e ao congresso no que diz respeito à liberação de recursos para os produtores?

Del Grande: Quando a demanda envolve deliberações de Brasília, atuamos em sintonia com a OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), que tem feito um trabalho relevante de interlocução com os poderes públicos. Muitos avanços já foram conseguidos nesta questão dos créditos. A começar pelo Plano Safra deste ano, com recorde de recursos totais e destaque para os pequenos agricultores e para o seguro rural. Este teve o maior aporte de recursos para subvenção da história, com R$ 1,3 bilhão. Recentemente, o Conselho Monetário Nacional decidiu prorrogar o prazo de vencimento das parcelas de operações de crédito rural para agricultores que foram prejudicados pelas medidas de distanciamento social. Houve também elevação dos limites de crédito de industrialização para a agroindústria familiar. Aliás, estamos trabalhando para tentar um auxílio emergencial aos pequenos agricultores que não conseguiram escoar sua produção por causa da pandemia. Além disso, ainda temos os programas emergenciais do governo para pequenos empreendedores, cujos recursos são distribuídos inclusive por nossas cooperativas de crédito. Creio que estamos trabalhando bem essa questão do crédito em Brasília, principalmente com a compreensão e o esforço da ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

Revista Canavieiros: A diminuição de consumo e a guerra entre a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e a Rússia têm preocupado as cooperativas que estão ligadas ao setor de cana-de-açúcar?

Del Grande: Preocupa todos nós. A cadeia do setor sucroenergético envolve 14 mil produtores e 1 milhão e meio de empregos diretos e indiretos em 450 municípios do Estado de São Paulo. Encaminhamos, por meio do Fórum Paulista do Agronegócio, alguns pleitos para os governos estadual e federal, principalmente com relação à redução de ICMS sobre o etanol hidratado e a necessidade de uma linha de financiamento para estocagem extra de etanol, diante da fraca demanda de consumo na quarentena. Pedimos também a elevação da Cide da gasolina, para que possamos ganhar um pouco mais de competitividade. Conseguimos R$ 3 bilhões para estocagem, mas ainda é insuficiente para atender à demanda de todo o setor. A indústria sucroalcooleira é importante tanto pelo aspecto social como pelo ambiental, e precisa de fôlego para enfrentar este período da pandemia.

Revista Canavieiros: No primeiro quadrimestre do ano, o Brasil foi o único país do mundo onde as exportações cresceram, ou seja, mostrando que realmente é o celeiro do mundo quando se fala em produção e essa produção está relacionada às cooperativas. Como o senhor vê o trabalho das exportações, das negociações dos associados mesmo diante dessa pandemia?

Del Grande: O Brasil terá um papel ainda mais preponderante nos próximos anos para abastecer de alimentos o mundo, que irá nos cobrar isso, mas também cobrará medidas sanitárias mais rígidas, medidas mais claras de preservação ambiental, etc. Os acordos internacionais serão revistos, repensados diante de tudo o que está acontecendo. Mesmo assim, o mundo precisa de comida e não vai deixar de comprar do Brasil. Já temos uma participação muito importante no mercado externo, e a tendência é que isso seja expandido com a parceria e o trabalho eficaz do Ministério da Agricultura. Para que possamos preparar melhor as nossas cooperativas para acessar os mercados externos e adaptá-las às necessidades que surgirão após a pandemia, assinamos um convênio com a Confederação Nacional da Agricultura no chamado Programa de Internacionalização do Agro. Participam desse convênio a CNA, a OCB, a Ocesp e o próprio governo federal. A ideia é mapear os produtores e suas cadeias produtivas, verificar a capacidade de exportação e melhorar tudo isso, pensando nos grandes mercados asiáticos, no acordo com a União Europeia, e também em nichos de mercado para exportações especiais e em menor volume.

Revista Canavieiros: Qual a importância de um órgão como o Sescoop, do Sistema S neste momento difícil, principalmente para as cooperativas agrícolas?

Del Grande: Desde sua criação, o Sescoop tem contribuído de forma significativa para melhorar a gestão de nossas cooperativas. Acabamos de falar de exportação, e um dos indicadores que mostram o reflexo do trabalho do Sescoop nas cooperativas é justamente a evolução das exportações do cooperativismo brasileiro. A partir da atuação do Sescoop, mais efetivamente em 2000, as exportações das cooperativas cresceram, em média, 10% ao ano. Tenho certeza que o Sescoop será um parceiro fundamental para recuperar as condições econômicas e de competitividade de nossas cooperativas neste período de crise. Atuamos em diversas frentes, desde um curso básico de Excel até programas de pós-graduação customizados. Aliás, além do comércio internacional, já estamos trabalhando em várias regiões do estado para incentivar projetos de inovação nas cooperativas, estimular parcerias estratégicas. O Sescoop é, e será ainda mais, um grande meio para que as cooperativas busquem soluções para os seus negócios nesta nova realidade imposta.

Revista Canavieiros: Qual a visão da Ocesp em relação ao futuro do agronegócio? Fala-se muito em pós-pandemia e que o mundo irá mudar, teremos novos comportamentos?

Del Grande: A pandemia aguçou algumas preocupações na humanidade, principalmente sobre tudo o que tem a ver com saúde. Seja saúde relacionada a doenças virais, seja a atenção a procedimentos sanitários, seja a preocupação de consumir alimentos saudáveis, a qualidade do ar que respiramos. Então, temos que prestar muita atenção a estes sinais dos novos tempos, a esta “nova” e fortalecida exigência dos consumidores para que não tenhamos problemas na comercialização de nossos produtos agropecuários.

Revista Canavieiros: Intercooperação, agregação de valor, tecnologia, conectividade, crédito e formação de recursos humanos. Como essas palavras são vistas pelo senhor?

Del Grande: Todas de extrema importância para os negócios cooperativos. Sempre batemos na tecla da intercooperação, ou seja, a necessidade de parcerias entre cooperativas para ganhar maior escala, diminuir custos, melhorar a logística, etc. Já implementamos alguns projetos para ver se a intercooperação saía do papel. Parece estranho que, dentro do mundo cooperativista, seja difícil unir cooperativas para um ganho comum, mas é o que acontece. A intercooperação é um princípio universal do cooperativismo e hoje é uma questão de sobrevivência e desenvolvimento. Há poucos meses, implantamos no Sescoop de São Paulo um novo programa de intercooperação e também um programa sobre inovação. Estamos investindo firme nesses aspectos que fazem a diferença. Outra questão é mudar a forma de como oferecemos nossos produtos lá fora. Temos que melhorar o retorno financeiro para os nossos cooperados, agregando valor aos produtos. Precisamos investir mais em indústrias nas nossas cooperativas. Sobre crédito, já falamos dos créditos oficiais, mas chamo a atenção para as nossas cooperativas de crédito. É o ramo do cooperativismo que mais tem crescido nos últimos tempos. Essas cooperativas têm condições de alavancar os outros ramos de cooperativas. E sobre formação de recursos humanos, volto a ressaltar a importância do trabalho específico do Sescoop para as cooperativas.

Revista Canavieiros: Juventude no cooperativismo. Como atrair e preparar jovens para a continuidade no processo?

Del Grande: Eu acredito que os diferenciais do cooperativismo, principalmente no que diz respeito aos valores e princípios, possam atrair esta nova geração de jovens. São coisas que combinam: cooperativismo e uma nova geração mais ligada à responsabilidade social. Precisamos ligar esses pontos. Mostrar à sociedade que somos, sim, empreendimentos econômicos, mas com valores humanos. No Sescoop, temos preparado jovens aprendizes para as cooperativas e também colocamos os estudantes do ensino fundamental em contato com a filosofia cooperativista. Vamos intensificar a atuação em projetos de sucessão nas cooperativas, ressaltando cases importantes que temos no Estado.

Revista Canavieiros: Recentemente o senhor foi empossado coordenador do Fórum Paulista do Agronegócio. Esse é um novo desafio? O que pretende buscar frente a esse cargo?

Del Grande: Para mim, é um grande e gratificante desafio assumir a condução do Fórum e representar 42 entidades dos mais variados setores da cadeia produtiva agropecuária. Grande desafio porque, apesar da vocação do país, ainda não valorizam a nossa agropecuária como deveriam. E gratificante porque tudo o que fazemos no Fórum contribui para melhorar a vida do homem do campo e de todas as pessoas que vivem da agropecuária paulista. Tenho consciência da responsabilidade que a função traz. Assumo para conquistarmos novos avanços ao agronegócio paulista e quero contar com a colaboração de todas as entidades. O desafio é enorme, mas conseguiremos sucesso na proporção de nossa união para tal empreitada.