Agropecuária destina cerca de US$ 1 trilhão ao meio ambiente
23/02/2018
Geral
POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra
Na metade do ano passado, as manchetes do mundo se voltaram para mais um ato de solidariedade do bilionário Bill Gates. Na ocasião ele destinou 64 milhões de ações da Microsoft à fundação que ele e sua esposa dirigem e atuam em causas filantrópicas. Esse montante renderia, no valor de cotação do dia do nobre gesto, US$ 4,6 bilhões aos menos favorecidos. O que é digno de aplausos.
Celebridades, e aqui eu uso como exemplo a modelo Gisele Bundchen, emprestam um pouco da sua fama e glamour (o que é impossível quantificar monetariamente) para defender causas ambientais, principalmente as relacionadas à floresta Amazônica, o que também é digno de aplausos.
Ao final da entrevista com o diretor da Embrapa Territorial, dr. Evaristo Eduardo de Miranda, ficam duas indignações no ar. Porque um setor que destina cerca de US$ 1 trilhão à causa ambiental é apontado como um dos maiores vilões do planeta pela imprensa mundial (inclusive boa parte da brasileira) e o dono de uma gigantesca empresa (que tem faturamento próximo a toda exportação do agronegócio brasileiro) ao doar cerca de 5% de sua fortuna ganha manchetes do mundo todo? Por que a adorada modelo brasileira não usa a sua imagem e também a de seu marido (Tom Brady, ídolo do futebol americano), para disseminar o que a agricultura brasileira está fazendo em termos de conservação ambiental e tentar implantar medidas parecidas na América do Norte e no restante do globo?
Embora indignado, terminei o dia aliviado ao constatar que a produção de alimentos e energia brasileira é simplesmente uma das atividades econômicas, se não a mais, eficiente, sob todos os aspectos que envolvem o conceito de sustentabilidade.
Acompanhe a entrevista e saiba ainda mais porque o nosso agronegócio é digno de orgulho e admiração:
Revista Canavieiros: Seria possível traçar o perfil da ocupação agrícola no Brasil antes do CAR (Cadastro Ambiental Rural)?
Evaristo Eduardo de Miranda:Até a aplicação do CAR, se alguém perguntasse quanto que cada produtor destina de área na preservação do meio ambiente e na proteção de mata nativa, nós não tínhamos a menor informação precisa disso.
Se alguém perguntasse quanto a agricultura no estado de São Paulo ou no bioma cerrado não explora a sua área, não teríamos nada circunstanciado sobre isso, a única coisa que tínhamos eram informações do censo, que são declaratórias, sem nenhuma base em mapas e também bastante genéricas. Quando o recenseador questiona alguém no campo, nada comprova que ele tenha respondido de maneira correta.
Revista Canavieiros: Então o CAR foi um divisor de águas?
Evaristo:Eu trabalho com a área de inteligência territorial há décadas, estou há 38 anos na Embrapa e posso dividir minha carreira nessa área antes e depois do CAR. Sua importância para minha área de atuação aconteceu através do Código Florestal, quando estabeleceu que todo produtor rural deveria fazer esse cadastro geocodificado, ou seja, o produtor baixaria uma imagem de satélite, ou no caso de São Paulo uma de orthophoto, e nela, com um detalhe de 5 metros e de um metro para os paulistas, delimitava todas as características do seu imóvel. Com isso, identificou todas as áreas que dedicou para a preservação do meio ambiente, a título de APP (Área de Preservação Permanente) ou Reserva Legal, além de identificar toda a sua propriedade dividida em 18 categorias.
Revista Canavieiros: Mas como está a adesão a esse cadastro, essa base de dados já está madura para a realização de um estudo?
Evaristo: A grande dificuldade foi colher os dados dos lugares mais remotos do interior do Brasil, onde há localidades sem energia elétrica,você imagina internet!Mas recorrendo a empresas de geoprocessamento, e também o esforço de diversos atores, de uma forma ou de outra, essas informações foram colhidas.Assim, no último balanço publicado em outubro do ano passado, já haviam aproximadamente 4,5 milhões de agricultores cadastrados e isso é praticamente o essencial do universo agrícola do Brasil.
Falo isso baseado nos números do último censo, de 2006, quando identificava 5,3 milhões de agricultores, mas dentro desse universo haviam os que não têm terra como, por exemplo,os apicultores, que desenvolvem uma prática rural, mas não têm área, ou seja, não faz sentido eles estarem no CAR. Nesse número também estão envolvidas atividades como pesca ou extrativistas. Ainda baseado no estudo do IBGE,a Embrapa fez um estudo sobre a quantidade de agricultores que tenham terra e renda, o que deu um contingente de 4,3 milhões, chegando muito próximo da quantidade de cadastros.
Revista Canavieiros: Como se deu a concepção do estudo sobre a quantidade de áreas de preservação que os agricultores brasileiros dedicam?
Evaristo: Ao ser publicados, os dados foram disponibilizados para acesso público pelo Ministério do Meio Ambiente, sendo organizado pelo serviço florestal brasileiro. Assim, nós daqui da Embrapa decidimos baixar todos esses dados, é muita informação, se imaginar que cada propriedade gera centenas, somando esse volume todo temos um “big data”, mas não um simples, um geo.
Nisso já eliminamos as primeiras críticas, onde diziam que as informações também não teriam total credibilidade por serem também declaratórias, o que não está errado dizer. No entanto, é preciso complementar observando que junto é enviada uma planta da propriedade com tudo que tem dentro e especificando como é utilizada. É como pegar um apartamento e descrever cada móvel e eletrodoméstico dentro de cada cômodo através de uma foto aérea.
Sendo um arquivo muito detalhado, era necessário trabalharmos as informações para responder a uma pergunta de maneira mais objetiva possível. E a pergunta era: Quanto os agricultores dedicam de suas áreas para a preservação da vegetação nativa no Brasil?
Revista Canavieiros: Quanto os agricultores dedicam de suas áreas para a preservação da vegetação nativa no Brasil?
Evaristo: A pergunta era uma só, mas as respostas foram diversas e surpreendentes, o que atraiu o interesse de várias pessoas para realizar publicações e reportagens.
No início fomos totalizando tudo progressivamente, começando com uma propriedade, onde se via identificada a área de APP, reserva legal e outras, enfim sabemos o quanto ele preserva. Depois juntamos todas as APPs, a noção inicial era a de que teríamos uma imagem muito segmentada, separada em pedaços fragmentados, mas para nossa surpresa não.Quando começamos a juntar os dados, reparamos que tudo conectava, se retirar os imóveis é constatado que a vegetação ao longo dos rios está quase que toda preservada, o que revelou uma conexão impressionante no Estado de São Paulo, que é a unidade da federação que mais usa as terras, onde a agricultura trabalha de maneira mais intensiva.
Quando se vai diminuindo o zoom da imagem, percebem-se as conexões mais consolidadas ainda, respeitando as bacias hidrográficas.
Ampliando a imagem para todo o território brasileiro e agregando as áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas) é apresentado o quanto é dedicado à vegetação nativa. Vale lembrar que dentro da área de preservação dos agricultores evidentemente encontram-se as que estão em um estágio muito evoluído, têm as que ainda estão se formando, outras voltando (vítimas de queimada), ou seja, essa vegetação nativa tem uma heterogeneidade muito grande.
Revista Canavieiros: Depois do PRA (Programa de Regularização Ambiental), essa mancha verde crescerá mais?
Evaristo: Além do PRA,crescerá por outras duas razões. O número de preservação dos produtores rurais no Brasil que o estudo chegou foi de 177 milhões de hectares, porém é preciso ressaltar que ainda estão faltando as informações do Mato Grosso do Sul e Espírito Santo e também ainda entrará um número significativo de cadastros da região Nordeste. Não há dúvidas que essas áreas irão aumentar.
Revista Canavieiros: Vamos aos números?
Evaristo: Para começar,o que impressiona é que, do total, os produtores brasileiros preservam 48% de seus imóveis.Aqui é a única agricultura do mundo que usa metade e preserva metade. Imagina chegar em Nebraska (estado referência na produção de milho nos Estados Unidos) e dizer que a partir de agora eles vão destinar à preservação nativa metade das suas fazendas, é o que acontece no Brasil. Evidentemente que esse percentual é muito acima na Amazônia e menor em São Paulo.
Por puro capricho da matemática, o total de área preservada em todo território brasileiro também dá 48%, sendo 21% de responsabilidade dos agricultores e 27% de parques e reservas indígenas. Ainda é preciso considerar uma fatia de terras ou que são militares ou são devolutas (terras públicas sem destinação de posse) onde se chega, na soma das três a 66%.
Nessa conta ainda entram 8% de pastagens nativas (pantanal, caatinga, cerrado e pampas), 13% de pastagens plantadas e manejadas, 9% área de agricultura florestal, sobrando para áreas de lavoura, culturas de alto rendimento, como cana, soja, milho, café, laranja, algodão, morango, alface e outras, 7,8% de Brasil.
Só para concluir, ainda existem cerca de 4% destinados a infraestrutura, sistemas energéticos e minerados e indústrias urbanas.
Revista Canavieiros: Esse número faz com que quem está com a pedra na mão para atirar na agricultura brasileira a deixe cair no chão?
Evaristo: Não dá para atribuir que ao utilizar 7,8% da área do país a agricultura esteja comprometendo o planeta, essa definição se torna um pouco exagerada e os números provam que estamos longe dessa situação. O Brasil usa muito pouco do seu território na produção agrícola.
Outro ponto de atenção está relacionado à pecuária, que ocupa 21% do território, sendo 8% de pastagens nativas, uma vegetação conservada que, no entanto, não é preservada pois as suas características viabilizam que vire um pasto. Contudo,é preciso considerar que a presença de rebanho é mínima e a própria natureza faz o seu controle. No caso do pantanal, por exemplo, quando está no período de cheia grande parte dessa área fica submersa; já na caatinga o que limita a criação de ovinos é a seca, deixando o alimento mais escasso.
Então, se considerarmos a vegetação protegida, preservada e conservada, no caso das pastagens nativas, nós estamos com 74% da áreadedicada à vegetação nativa do país, é um número gigantesco.
Revista Canavieiros: E então o estudo da NASA mandou os críticos para casa?
Evaristo:Foi uma espécie de presente de Natal, ele foi divulgado no final de novembro, onde apresentou as áreas cultivadas do planeta, as pastagens e florestas plantadas ficaram de fora, só considerou as lavouras do mundo. No material eles mapearam imagens por satélite com 30 metros de detalhe, essa imagem é menos detalhada em comparação ao nosso, mas precisa considerar a complexidade de reconhecer cenários diferentes em todo o globo. Sem um método isso seria impossível e para se ter ideia apanhamos para identificar o que era caatinga.
O tempo de análise foi de dois anos, passando por satélite para ter certeza de tudo e então anunciaram os números de área cultivada de cada país, e para a alegria nossa eles disseram que no Brasil a área é 7,6%.Como a NASA falou, todo mundo que ainda gritava abaixou o tom.
Então, o ministro da agricultura escreveu uma nota dizendo que isso somente confirmava os dados da Embrapa, a diferença era de apenas 0,2%, e ainda disse acreditar que a equipe do Dr. Evaristo estava correta, e estamos mesmo, pois já identifiquei alguns erros no estudo da agência americana.O importante foi termos uma confirmação assim, inesperada.
Revista Canavieiros: O que a NASA apontou comparando a lavoura brasileira com o resto do mundo?
Evaristo: No estudo que fizemos, concluímos que, em média, os países do mundo cultivam de 25 a 30% de seus territórios. Lógico que excluímos nações desérticas como Arábia Saudita ou Argélia.
Na Europa essa média sobe para mais de 60%, há países como a Dinamarca que ultrapassa a casa dos 75%, taxas muito altas de agricultura, peculiaridade dos países pequenos do velho continente, a própria Holanda que cultiva em toda área possível.Considerando os países grandes, quem detém a maior área, a Ásia, a China e a Índia são grandes países produtores, depois vem os EUA e a Rússia. O Brasil está em quinto em tamanho de área.
Revista Canavieiros: E de preservação?
Evaristo: Nós somos de longe os líderes mundiais, ninguém chega nem perto. Estou dizendo isso com base em um arquivo das áreas protegidas do mundo (UNEP) divulgado pela ONU em 2016, no qual ele aponta que só de área pública preservada o Brasil tem 30% (unidades de conservação e terras indígenas) então observei o quanto os países de grandes extensões, com mais de 2 milhões de km, estavam protegendo e a média deles ficou em 10% do território, ou seja, só nesse quesito protegemos três vezes mais que os outros países continentais. Para completar a discrepância, percebo que diversas áreas com baixíssimo potencial produtivo fazem parte da relação de preservação dessas nações como, por exemplo, o deserto de Sonora (Arizona, EUA), deserto de Mojave (Califórnia, EUA), deserto de Gobi (China), deserto do Outback (Austrália) e o norte do Alasca (EUA), ao contrário do Brasil onde a grande maioria das reservas tem alto potencial mineral e energético, sem mensurar o custo que temos de produção, pois são áreas onde há riquezas e onde há riqueza há cobiça.
A título de exemplo, se pegar o Mato Grosso e considera-lo um país, ele será o segundo do ranking de área protegida, só perdendo para o próprio Brasil. Todos os estados que compõem a floresta Amazônica ganham, inclusive, do país, chegando a quase 70%.
Não tem para ninguém, somente em áreas protegidas, sem contar as preservadas pela agropecuária, somos a maior potência mundial, tanto na forma absoluta, como relativa.
Revista Canavieiros: Acrescentando a área preservada pelos agricultores, somos ainda mais soberanos?
Evaristo: Os agricultores reservam 20% do Brasil, no entanto vale ressaltar a tendência de alta desse número, isso porque acredito que quando entrarem os dados que estão faltando no CAR e também iniciar o PRA é possível que os agricultores possam se aproximar muito em preservar ¼ de todo o país.
Revista Canavieiros: O senhor já estimou algum valor de quanto custa preservar quase que ¼ de todo o país?
Evaristo: Vamos trabalhar com o seguinte raciocínio: quando o Governo não quer que ninguém use determinada área, ele desapropria e paga por ela. A dos agricultores ele não pagou nada, mandou fazer e toda a conta ficou dentro da porteira. Isso, quando explanado em outros países, as pessoas simplesmente não assimilam, acham que o Governo devolve o esforço através de algum benefício.
Somente com esse fato, ainda não entrando nos números, já dá para concluir que o agricultor brasileiro é o que mais preserva o meio ambiente no mundo por simplesmente destinar um pedaço razoável de área produtiva para a mãe natureza.
Mas partimos para uma pesquisa para saber o valor patrimonial, ou seja, do patrimônio fundiário que eles estão imobilizando com APP e reserva legal. Primeiro fizemos um levantamento do valor da terra por cada município e multiplicamos pela quantidade de área verde daquela localidade. O trabalho ainda não está fechado, mas nossa primeira estimativa apontou aproximadamente R$ 3,2 trilhões ou US$ 1 trilhão, essa é a contribuição da agropecuária brasileira para salvar o planeta. Que setor no mundo destina quantia parecida em prol de uma causa sustentável?
Revista Canavieiros: Mas essa conta não para aí, existem ainda os custos de manutenção, como o senhor os enxerga?
Evaristo: Além de imobilizar esse patrimônio, não basta largar, deixar lá, porque se o gado invadir a culpa é do produtor, ele que é multado, então tem que fazer cerca. Se o fogo vier de um outro lugar e entrar na área, o agricultor responde pelo fogo, então tem que fazer aceiro. Se alguém entrar e roubar madeira, é multa, então tem que colocar vigilância, inclusive armada em alguns lugares.
Com isso,estamos calculando qual é o recurso que sai do bolso do agricultor só para preservar essas áreas e queremos provar a discrepância de quanto é para cada brasileiro manter os parques, isso sem contar que as terras públicas são bem menos complicadas de se manter.
O custo disso, para os produtores, deve chegar a um número por volta de R$ 5 por hectare/ano, então é só fazer a conta: 177 milhões (área preservada em hectares) vezes cinco, dá R$ 855 milhões, ou seja, no mínimo o Governo deveria ressarcir os agricultores em R$ 1 bilhão todo ano.
Revista Canavieiros: Como funciona esse ressarcimento em outros países?
Evaristo: Para você ter ideia, recentemente a União Europeia liberou para a Irlanda a módica quantia de € 500 milhões para o agricultor cuidar da questão ambiental. Lá, se o produtor colocar uma caixa preta para cuidar dos morcegos, ganha uma quantia por caixa, recebem por metro quadrado deixado de plantar na beira do rio, têm uma conta por esterco das vacas, que libera um chorume poluente e recebem por metro cúbico de chorume distribuído no campo.
Se fizermos um exercício de calcular o quanto o pessoal do campo no Brasil ganharia se essa medida fosse implantada aqui, não tenho dúvidas que haveria muita gente criando movimentos em defesa da anexação do Brasil à Irlanda.
E só para ver como são as coisas, o Reino Unido é um dos maiores panfletários contra a pecuária nacional.
Revista Canavieiros: Falando em panfleteiros, qual é sua visão sobre as pastagens degradadas?
Evaristo: É um conceito muito mal administrado, usado quase como um jargão, onde as pessoas falam a esmo e o mais incrível é que definem até a quantidade em milhares de hectares, mas nunca pegaram um mapa e apontaram para onde elas estão em um recorte por estado ou por município.
Mesmo assim, podemos concluir uma coisa como fato: temos cada vez menos, porque a área de pastagem caiu de mais de 200 milhões de hectares para 150 milhões, talvez até menos, e o rebanho passou de 140 para mais de 200 milhões de cabeças, ou seja,o número de bois por hectare aumenta todo ano no Brasil. Isso prova que a eficiência do pasto está melhorando, inclusive estamos discutindo um projeto, aliado ao pessoal do gado de corte,para fazer o mapeamento por bioma, ou seja, na Mata Atlântica, no Cerrado e na Caatinga.
Revista Canavieiros: Com todo esse respaldo de fatos, como está a comunicação com a opinião pública?
Evaristo: O Ministério da Agricultura tem apresentado bastante esses dados, mostrou essas informações para o mundo na reunião do G20 na Índia, em outra reunião do G20 na Argentina, em Marraquex e na conferência do clima,em Cancun e em Berlim, em um evento sobre pecuária.
Esse estudo também vem ganhando bastante repercussão na mídia,artigos e reportagens.Recentemente assisti a um vídeo onde a jornalista narra o nosso trabalho ao longo de um tempo considerável sem fazer uma menção à Embrapa, mas fala muito da NASA. Isso me deixou com uma alegria enorme por três motivos. O primeiro porque a jornalista descobriu o conhecimento que divulgamos através do trabalho, o segundo foi a nossa eficiência ao divulgar o texto, pois ela entendeu tudo sozinha,e ,por último,o resultado, que é o que interessa e está sendo propagado da maneira correta.
Aqui na Embrapa nos concentramos na produção de números, mapas e fatos. A interpretação nós até evitamos, cabem às ONGs, ao setor público e ao cidadão interpretarem e usarem esses dados.
Revista Canavieiros: Em nenhum evento o senhor foi contestado?
Evaristo: Eu apresentei esse trabalho em um evento com formadores de opinião, tinham várias ONGs, jornalistas e lideranças, e teve uma participante que insistia, através de convicções pessoais,achando que o negócio era diferente, aí eu fui argumentando com ela, com base no trabalho e ela foi sucumbindo, sem argumentação nenhuma para retrucar, e no fim eu falei para ela uma frase de um senador dos Estados Unidos, Patrick Moynihan, um liberal, do partido democrata, mas também um teórico do pensamento conservador, que diz: “Nas democracias todos têm direito a ter a sua opinião própria, mas ninguém tem o direito de ter fatos próprios”.
Os fatos são os fatos, então a Embrapa, como centro de pesquisa, sempre tem que ter esse compromisso com a verdade. E o fato, único e incontornável, é a eficiência monstruosa da agricultura brasileira na preservação da biodiversidade.
Revista Canavieiros: É através da eficiência que a agricultura brasileira vai acabar com o senso comum que é poluidora e extrativista?
Evaristo: Se depender de nós, a pessoa que mantiver essa visão vai passar vergonha, temos muitos fatos a serem descobertos.Exemplo disso é um estudo que estamos fazendo, a pedido da Fiesp, com as áreas de relevo que vão deixar de ter cana com o fim das queimadas, porque simplesmente é impossível entrar com máquina. A cada dado novo que descobrimos mostra o tanto que nossa agricultura é eficiente.
Os líderes sempre apanharam muito pois sempre falavam sobre o processo, como tudo é bem feito, bem cuidado e bem cultivado, mas aí vozes levantavam e berravam palavras de ordem em defesa da Amazônia, ou então dos índios, aí a cultura poderia ser até orgânica, que sofria retaliações.
O fato comprovado de que o uso territorial da agricultura é muito pequeno ainda é uma novidade, e tenho certeza que ele será taxativo para eliminar qualquer imagem diferente dele perante a opinião pública, tanto brasileira como estrangeira.
Revista Canavieiros: Me fale mais sobre uma ideia de estudo para mostrar a eficiência na canavicultura, por favor.
Evaristo: O fato das APPs não serem propícias para a canavicultura moderna, tanto que aqui no estado de São Paulo, com a expansão da cana, houve uma recuperação de beiras e morros colossal, a cana trouxe de volta a vegetação nativa ao longo de tudo quanto é rio, riacho, córrego, pântano, lago. Saiu o arroz que se plantava na várzea e tudo virou preservação, isso porque simplesmente ninguém vai mandar uma máquina para ser atolada na beira do rio, a canavicultura mecanizada tem que ser plana.
Há alguns anos uma das maiores fazendas de pecuária de Barretos passou a produzir cana. Na época saiu uma reportagem no Estadão falando desse fato. A fazenda tinha 10 mil hectares de pasto e a jornalista narrava que tudo iria virar cana, seriam plantados 8 mil hectares e sobravam 2 mil hectares- áreas de APPs que seriam criadas em locais impossíveis de serem mecanizáveis.O boi sobe o morro, bebe água na beira do rio, mas as máquinas de cana não, então aconteceu uma recuperação do meio ambiente.
Outro fato é a questão da preservação do Cerrado paulista, bioma que ocupa 1/3 do estado. Sabe quanto o governo preserva dele? Apenas 0,8%. Ou seja, os 15% que ainda existem são preservados pelos imóveis rurais, foram as reservas legais que mantiveram a existência dele.
Revista Canavieiros: Quais são as consequências de toda essa preservação?
Evaristo: Com esse processo,a preservação por parte da agricultura passou a conectar tudo, nós tivemos a recuperação de uma biodiversidade muito grande, o povoamento de animais cresceu muito nessas áreas. Isso em decorrência da mata gigantesca que se formou, tudo interconectado e acompanhando os rios, fácil dos animais circularem.
A facilidade gerou o crescimento numérico de algumas populações que começaram a entrar nas cidades e hoje convivemos com uma biodiversidade faunística que não existia no passado.Aqui em Campinas se vê tucano, maritaca, um monte de animal, em outros lugares aparece até onça parda.
Há quinze anos eu falei que se nós continuássemos com essa política de recuperação de APPs sem gestão, iríamos trazer novamente para a área urbana a febre amarela, a febre maculosa, a raiva e um monte de doenças. É exatamente isso que estamos vivendo hoje. A febre amarela está matando em São Paulo pelo fato de todas as matas terem se conectado, aí a população de macacos cresceu, eles não transmitem, mas são depositários, se não tiver macaco não tem febre amarela. Não estou falando em matar macacos ou derrubar matas, não é para interpretar errado, o problema é a gestão.
Revista Canavieiros: Esse é um assunto muito delicado, gostaria que o senhor se aprofundasse um pouco mais nele.
Evaristo: O que precisa entender que é uma natureza antropizada (que tem ação do ser humano sobre o meio ambiente), é uma natureza que não tem equilíbrio.Você pega o exemplo das capivaras que proliferam, não tem animal para controlar, porque a oferta de habitat para esse animal, em específico, é muito maior em relação aos seus predadores, como onças e sucuris, por exemplo. Nesse ponto um manejo é importantíssimo.
Esse é um enorme desafio de gestão territorial.Até agora falamos de inteligência e números que nos serviram apenas para constatar todo o cenário. Agora entra na fase de criar ferramentas que façam uma gestão desse cenário. Isso é seríssimo, um desafio enorme, o governo, ao lado da iniciativa privada, tem que destinar recursos para a pesquisa desenvolver métodos e instrumentos que auxiliarão os agricultores nesse processo.
Não adianta deixar com o pensamento de que a natureza cuida, com isso já estão acontecendo um monte de problemas e a tendência é que eles piorem. Se permanecer da mesma maneira, o problema de saúde pública irá piorar muito e a saída não é vacinar todo mundo e nem fechar os parques.
Revista Canavieiros: Como dar os primeiros passos para a gestão dessas áreas?
Evaristo: Essa gestão tem quer espeitar os biomas, não pode ser uma regra geral como a das APPs hoje, onde tudo é igual para qualquer tipo de bioma.É muito insipiente usar uma regra para todo o tipo de bioma. Hoje a biodiversidade está se tornando uma bioadversidade.
Também há a situação das reservas legais. Tem que ter formas de uso sustentável dessas reservas, gerar alguma renda para os agricultores serem capazes e motivados a fazerem alguma gestão e colocar algum esforço.
Isso já existe no código, há algumas possibilidades e também não pode ser tratado da mesma maneira na caatinga e nos pampas. Tudo precisa ser estudado e gerar leis complementares.
Revista Canavieiros: Como deveria ser a base para essa gestão?
Evaristo: Ela não pode se basear em iniciativas individuais, o ideal seria pensar em soluções macro, como gestão de bacias, em que certas áreas estratégicas que hoje não são utilizadas, passem a ser, e as que não estão preservadas, passem a ser preservadas.
Também necessitamos discutir o papel da tecnologia na preservação.Se pararmos para pensar, a palavra tecnologia não existe no código florestal, ou seja, só foi cuidada da ocupação, não de seu uso.Se o cara ocupar preservando solo, preservando água, fazendo tudo certinho, é tratado da mesma forma que um que vem detonando, compactando e erodindo.
O código não premia as boas práticas agronômicas, não premia o uso da tecnologia e não teve participação ativa da Embrapa e ninguém da área de pesquisa em sua constituição. Nós precisamos que, em sua revisão, a parte tecnológica entre no sentido de premiar os agricultores que têm boas práticas e penalize os que não têm, tanto no aspecto agronômico como no ambiental.
Revista Canavieiros: O que a Embrapa territorial pode fazer para ajudar em uma eventual revisão do código?
Evaristo: Na linha de gerar visões mais qualificadas por bioma, por tipo de agricultura, por bacia hidrográfica, mostrar que tem rio, mostrar onde dez metros de largura de ciliar é desnecessário e onde 100 metros é pouco, mostrar se o formato do vale do rio é em V ou então em U, se é em berço, qual é o tipo de solo, qual o tipo de rocha. Isso tudo tem que entrar para qualificar melhor e ser mais efetiva a preservação, fazendo com que ela não comprometa a geração de emprego e de riquezas que vêm da agricultura.
Revista Canavieiros: Por que o senhor acha que a tecnologia foi ignorada na configuração do código?
Evaristo: Foi um debate muito difícil, muito tenso, mas ao mesmo tempo teve um lado muito saudável que foi o democrático.A maioria das leis passa sem audiência pública, algumas têm uma ou duas audiências, são raras as que chegam a ter uma dezena. Sabe quantas teve o código? Mais de 230.
Aconteceram debates nos principais municípios do interior de São Paulo, em Roraima, no Acre.O código foi exaustivamente discutido, não sei se tem lei mais democrática e discutida do que essa.
No entanto apareceu a presidente Dilma e vetou um terço do material, algo assustador, fez um decreto substituindo, pois simplesmente achou que não deveria ser, desrespeitando todo o processo, mas enfim, era um direito do executivo.
Hoje algumas questões não estão pacificadas e deverão ser fechadas no julgamento das ADIns (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e ADCs (Ação Direta de Constitucionalidade) que estão no STF (Supremo Tribunal Federal). Isso tem impedindo o avanço das legislações nas esferas estaduais.
Ao fim desse processo, caberá aos legisladores adequar no sentido de realizar leis complementares e instruções normativas. Acho que este ano se dará o processo de consolidação, e essas leis que virão deixarão a revisão um processo mais tranquilo, dando segurança jurídica importantíssima para o país.
Revista Canavieiros: Conte um pouco sobre a história da Embrapa Território e seu papel no futuro.
Tudo começou com uma preocupação sobre o uso e ocupação das terras no Brasil, e a percepção de que o estado brasileiro precisava de um instrumento para fazer esse trabalho.
Tendo esse caráter estratégico, ela é a única unidade da Embrapa criada por um presidente da República (José Sarney). Desde sua criação, presta uma gama importante de serviços para todos os governos como monitoria de obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e atuação na questão logística, nos portos.
No começo, como as possibilidades de instrumentos ainda eram muito restritas, éramos dependentes das imagens de satélite, no entanto, era muito complicado utilizar a ferramenta. Mas aí veio a grande evolução dos satélites e também das comunicações, como o Google, que fez com que deixasse de fazer sentido ter uma Embrapa voltada para uma tecnologia, que se transformou em um instrumento, como é um computador, por exemplo.
O futuro com certeza é melhorar cada vez mais os dados sobre o território brasileiro. Estamos vivendo um dilúvio de informações e o desafio de ser sempre analítico, inteligente e interpretativo para apresentar os fatos será gigantesco.
Com tudo isso, a exigência de identificar problemas de maneira mais precoce será cada vez maior.Sendo assim, é fundamental manter as áreas de monitoramento, inteligência e gestão territoriais sempre juntas e integradas.