Ainda temos chances de rentabilidade na cana

29/07/2020 Colunista POR: Marcos Fava Neves*

Reflexões dos Fatos e Números do Agro em Maio

No quadro econômico mundial vivemos grande complexidade. Crise da pandemia, crise econômica e problemas políticos entre China e EUA envolvendo Hong Kong, além de graves problemas internos nos EUA devido à questão racial e protestos. São tempos muito complexos, trazendo grandes incertezas. Crises e crises, mas algum alento já com o retorno gradual das atividades na China, na Europa e nos EUA, grandes mercados consumidores.

A China inclusive recomendou que algumas empresas estatais e tradings deixassem de comprar produtos agro dos EUA com o arrefecimento da temperatura entre os dois países, o que pode trazer impactos para nós. Além disto, há forte recomendação para construírem estoques reguladores por entenderem que a produção no Brasil e em outros países corre riscos de interrupção devido a infecções por coronavírus. Tudo isto tem puxado as exportações do agro a valores recordes.

As mudanças trazidas pela pandemia são impressionantes. Nos EUA, as vendas de alimentos nos supermercados no formato on-line cresceram 24% em maio. Os varejistas se adaptaram para expandir suas capacidades de entregas, contrataram muito pessoal para estas atividades e robôs também vêm sendo testados para selecionar as mercadorias encomendadas pelas pessoas nos depósitos. As grandes empresas de alimentos estão queimando os cérebros para entender como o consumo se alterará após o período da pandemia. Já existe uma corrente acreditando que as compras on-line continuarão, maior consciência em relação a preços e o desafio é saber quais comportamentos voltarão à normalidade e quais permanecerão, já que as pessoas têm se acostumado a ficar e se divertir em casa. Como exemplos, aumentaram muito as vendas de equipamentos, tais como máquinas para fazer pão e outros que envolvem culinária caseira. Os restaurantes também, provavelmente, não retornarão como eram. Estima-se que na China cerca de 15% dos que fecharam na pandemia não voltarão. Tem muita coisa aí para entendermos.

Continuamos no Brasil convivendo com três graves crises, que não diminuem. A da saúde, a da economia e a da política. No cenário econômico brasileiro, de acordo com o relatório Focus do Bacen de 29 de maio de 2020, o IPCA deve fechar 2020 em 1,55%, e em 3,22% no próximo ano. É esperada uma queda de 6,25% no PIB para 2020, com crescimento de 3,50% em 2021. A meta da Selic estimada para o fechamento do ano é de 2,25%, contra 3,38% em 2021. Finalmente, o câmbio deve encerrar 2020 em R$ 5,40, e 2021 em R$ 5,08. Ao término deste texto a Bolsa apresentava grande valorização, seguida pelo real.

Nas notícias do agro, destaca-se a excelente safra, vindo com tudo. A Conab estima em seu boletim de maio uma produção de 250,9 milhões de toneladas de grãos, incremento de 3,7% sobre a safra anterior, o equivalente a 8,8 milhões de toneladas. Para a área plantada, o crescimento esperado é de 3,5%, atingindo 65,5 milhões de hectares. A produção de algodão deverá atingir 2,88 milhões de toneladas de pluma, incremento de 3,6%. O fim da colheita da primeira safra de milho confirmou a produção de 25,3 milhões de toneladas, 1,5% a menos que no ciclo passado, enquanto que a segunda safra está estimada em 75,9 milhões de toneladas, crescendo 7% em área plantada. Já a soja deve produzir 120,3 milhões de toneladas, com 4,6% de incremento frente a 2018/19. 

A CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária) estima agora o Valor Bruto da Produção em R$ 728,6 bilhões, quase 12% maior que 2019. A soja crescerá 13%, chegando a R$ 175 bilhões e o milho pode crescer até 33%, chegando a até R$ 90 bilhões. São praticamente R$ 2 bilhões por dia.

Muitos se aproveitaram do câmbio para adiantar as vendas. Quase 32% da safra a ser plantada já foi travada, contra apenas 8% no início do ano passado (MBAgro).

As exportações do agro brasileiro atingiram um novo recorde para o mês de abril, de acordo com dados do Mapa, alcançando US$ 10,22 bilhões, valor 25% superior aos US$ 8,18 bilhões registrados no mesmo mês do ano anterior. As participações das exportações do agro representaram 55,8% de tudo que o Brasil vendeu ao exterior, chegando a um patamar recorde. O destaque do mês vai para o complexo soja que representou 60% das exportações, valor equivalente a US$ 6,10 bilhões. Desse montante, 90% são atribuídos à soja em grão (US$ 5,46 milhões) destinada principalmente à China (72,3%). De carnes foi exportado US$ 1,20 bilhão, crescimento de 1,4%, sendo US$ 576,29 milhões de carne bovina (+11,28%), US$ 506,44 milhões de frango (-14,5%) e US$ 163,87 milhões de suína; os produtos florestais venderam US$ 911,54 com queda de 21,3%, enquanto que o café exportou US$ 411,14 (+5,7%). As importações do setor caíram 16,7%, de US$ 1,21 bilhão para US$ 1,01 bilhão, deixando o Brasil com excelente saldo de US$ 9,21 bilhões na balança.

Dados preliminares do mês de maio mostram que exportamos 15,5 milhões de toneladas de soja, 5,5 milhões a mais que maio de 2019. No açúcar foram embarcadas 2,7 milhões de toneladas, 1,2 milhão a mais que maio de 2019. No café, de 3,3 milhões de sacas vendidas em maio de 2019, chegou-se a 3,6 milhões neste maio. Na balança brasileira do referido mês, tivemos uma participação para a China de 40,4%, contra 28,6% em maio de 2019. Para a Ásia, as vendas neste ano estão quase 17% maiores.

O Plano Safra 2020/21, que entra em vigor em 1º de julho, deve se manter na mesma dimensão do ano passado (cerca de R$ 220 bilhões). As taxas seriam menores, mas não as esperadas pelo setor produtivo (3%).

O Mapa lança o Programa Nacional de Bioinsumos direcionado a tudo o que se relacionar à pesquisa, produção e maior utilização de defensivos, fertilizantes e medicamentos animais de origem biológica no agro. É um programa estratégico para reduzir nossa dependência de importações. São produtos que permitem controle biológico de pragas e doenças e micro-organismos promotores de crescimento, entre outros. As biofábricas serão incentivadas, bem como o crédito para uso destes produtos. Estima-se que este mercado tenha faturado R$ 675 milhões em 2019 (15% a mais que 2018) com cerca de 265 defensivos biológicos registrados.

A Cocamar anunciou investimento de cerca de R$ 10 milhões numa fábrica de fertilizantes foliares e adjuvantes para atender os mais de 15 mil cooperados. Os produtos levarão a marca Viridian. Tal como outras cooperativas, a Cocamar está em franco crescimento e o faturamento esperado para 2020 é de R$ 5,7 bilhões (em 2019 foi de R$ 4,6 bilhões). Um caso de sucesso em ações coletivas no agro brasileiro.

Diminuíram bem as preocupações com o início da safra dos EUA. Ao final de maio, o plantio de milho alcançou 93%, contra a média de 89% dos cinco anos anteriores. Das lavouras, 74% se encontram em condições boas e ótimas. No caso da soja, 75% foi plantado, estando 7% acima da média dos cinco últimos anos.

Nas 4 semanas que contemplam as duas últimas de abril e as primeiras duas de maio, o consumo de suco de laranja no varejo americano cresceu 30%, atingindo 38 milhões de galões. Foram vendidos US$ 199 milhões de NFC (contra US$ 143 milhões do mesmo período do ano passado) e US$ 64,2 milhões do FCOJ (contra US$ 48,72 milhões). No acumulado da safra, o crescimento é de 7% (de 251 milhões para 275 milhões de galões) e de US$ 1,76 bilhão para US$ 1,94 bilhão. Excelente notícia para nós.

A Europa mais uma vez prepara ação ambiental que deve preocupar o Brasil. Vem como “desmatamento importado” e visa atingir importadores de cadeias produtivas que não consigam provar a origem destes produtos, exigindo mais cuidados das cadeias exportadoras no Brasil.

Os preços dos grãos estavam em relativa estabilidade no mês de maio e o real buscou uma valorização, sendo vendido a R$ 5,23. Portanto, em reais houve ligeira diminuição.

Os cinco fatos do agro para acompanhar diariamente (talvez não diariamente, mas a cada hora) em junho são:

I - Os impactos do coronavírus na economia mundial, nas exportações do agronegócio e nos preços das commodities;

II - Os impactos do coronavírus na economia brasileira, no consumo dos alimentos e o andamento dos problemas, das operações logísticas, a governança política e a gestão da crise política instalada e seus efeitos no câmbio;

III - O comportamento do clima na segunda safra de milho, ainda vulnerável;

IV - China e Ásia: seguir as notícias dos impactos da peste suína africana na produção da Ásia e nos preços e quantidades de carnes importadas do Brasil,

V - Expectativas do clima na safra dos EUA, além das contaminações e paralisação de atividades fabris que ameaçam o abastecimento.

Reflexões dos fatos e números da cadeia da cana

Na cana

A moagem, desde 1° de abril até 15 de maio, está em 103,02 milhões de toneladas (21,67% maior). Praticamente 45,3% da cana-de-açúcar foram para a produção de açúcar, bem acima dos 32,19% da safra anterior. Com isto, já se aumentou a produção de açúcar em quase 2,5 milhões de toneladas no comparativo registrado até a mesma data de 2019. Assim, a produção acumulada de açúcar alcançou 5,49 milhões de toneladas, contra 2,98 milhões de toneladas. No mercado interno as vendas estão em quase 976 mil toneladas (4,1% acima) e as exportações estão 49% maiores, atingindo 2,4 milhões de toneladas.

A qualidade da cana também é destaque, com a quantidade de ATR (Açúcares Totais Recuperáveis) em 130,82 quilos por tonelada, quase 9,3% acima.

O complexo sucroalcooleiro aumentou suas vendas externas no mês de abril em 45,5%, alcançando US$ 522,17 milhões. Virão muito bons os números de maio também.

No açúcar

As vendas externas de açúcar em abril cresceram 34,0%, atingindo US$ 475,05 milhões, beneficiadas pela quebra de safra na Índia, estimada em 5,0 milhões de toneladas.

As estimativas da produção brasileira de açúcar para esta safra já encostam em 37 milhões de toneladas.

Alguns analistas acreditam que o Brasil pode exportar até 29 milhões de toneladas de açúcar no ciclo 2020/21. Seriam 9 milhões a mais do que o exportado na safra que terminou (cerca de 20 milhões).

Aumentam as chances de exportar para a China, pois a política de salvaguarda colocada em 2017 não foi renovada. Esta política aumentou de 50 para 95% o tributo acima do que passasse de 1,95 milhão de toneladas de importação (onde incidem 15%). Agora todo o volume que passar é tributado em 50%. Na safra anterior, o volume exportado pelo Brasil foi de 1,3 milhão de toneladas. Mas já se chegou a exportar mais de 2,5 milhões de toneladas em um ano para este país.

Já a Archer estima em 23,5 milhões de toneladas o que será exportado, e destas, 81,7% já foram fixadas (19,2 milhões de toneladas) a um valor médio de 13,11 centavos de dólar por libra-peso ou R$ 1,297 por tonelada FOB Santos (com pol). Estima-se que valores já conseguidos para a fixação das safras de 2021/22 e 2022/23 estão acima de R$ 1.400/tonelada, o que permite rentabilidade no açúcar.

Como aumentarão a produção de açúcar no Brasil e as exportações, a nossa participação no comércio mundial volta a aumentar e a consultoria INTL FCStone estima uma correlação entre o dólar comercial no Brasil e o preço do açúcar em Nova York de quase “-91,1%”, ou seja, a mudança no câmbio afeta diretamente a mudança no preço internacional.

Como ponto negativo, temos que observar como a redução da atividade econômica vai se traduzir em queda no consumo mundial de açúcar. O consumo na Índia pode cair até 2 milhões de toneladas de açúcar e em outros mercados também.

No etanol

De quanto será a queda no consumo de combustíveis neste ano é o grande ponto de debate. No ano passado, o consumo foi de 60,7 bilhões de litros (gasolina A, anidro e hidratado), que transformados em gasolina equivalente somam 53,4 bilhões de litros. Em abril, o consumo de combustíveis no geral caiu 23%, segundo a ANP. Na gasolina foram 2,27 bilhões de litros (queda de 28,8%) para o mês e de 9,5% para o ano. No caso do hidratado foi consumido 1,205 bilhão de litros (33,7% a menos) e no ano a queda é de 11,3%, fruto da política de isolamento.

O consumo de etanol vem voltando nos EUA e o USDA acredita em 5,2 bilhões de bushels (132 milhões de toneladas) o que será usado no período 2020/21, sendo 5,1% maior que no volume atual. Surpreendente esta estimativa.

De acordo com a Unica, nos primeiros quinze dias de maio foi vendido 1,05 bilhão de litros de etanol, queda de 22% se comparado ao mesmo período da safra 2019/20. De hidratado foram 729,23 milhões de litros (24% a menos), e no anidro foram 292,57 milhões de litros (queda de 23,8%).

As exportações de etanol aumentaram 1.408%, saindo de US$ 3,04 milhões em abril de 2019 para US$ 45,83 no mesmo mês de 2020.

No acumulado da safra 20/21, as vendas são de 2,85 bilhões de litros (queda de 26,3%). Destacam-se 175 milhões de litros vendidos para fins não carburantes.

Segundo o relatório da Unica, a produção de etanol de milho na temporada 2020/2021 cresceu 92,42% atingindo 293,39 milhões de litros (86,77 milhões de anidro e 206,62 milhões de hidratado).

Em abril, o volume de milho que não foi usado para se fazer etanol nos EUA foi de 165 milhões de bushels (4 milhões de toneladas). Por outro lado, aumentou 8 milhões de bushels o milho usado para etanol industrial (limpeza).

Como ponto negativo, deve ser sensivelmente menor o crescimento da frota brasileira neste ano, reduzindo o potencial esperado de consumo de combustíveis.

Enfim, muitas variáveis ainda no mercado de etanol. Ao terminar esta coluna os preços do hidratado haviam se recuperado bem, estando em quase R$ 2/l nas usinas, incluindo impostos pelo informativo SCA.

Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em junho na cadeia da cana:

I - A política de isolamento e os impactos no consumo de combustíveis no Brasil, principalmente a velocidade de recuperação do consumo em junho;

II - Acompanhar os impactos do coronavírus no crescimento econômico mundial e brasileiro e nos preços do açúcar e do petróleo, principalmente. Ao fechar a coluna, o barril do petróleo tipo Brent estava em US$ 40 (excelente recuperação no mês) e o açúcar em cerca de 10,40 cents/libra peso;

III - O clima e o andamento da safra no Brasil, e se teremos impactos com as restrições operacionais colocados pela crise do coronavírus. Por enquanto, a safra vem vindo muito bem;

IV - O andamento da safra de açúcar no hemisfério norte e o déficit na produção advindo das quebras. Até agora as notícias são de aumento das quebras, o que seria bom para os preços,

V - O comportamento das exportações de açúcar do Brasil, que vem surpreendendo as melhores apostas. 

Penso que ainda temos chances de recuperar neste ano e chegar ao final com valor do ATR entre 0,66 e 0,70. O açúcar tem ajudado e se o etanol se valorizar, e pode ser que aconteça se o consumo de combustíveis voltar e, com toda a cana que está sendo alocada para açúcar, teremos bons valores no último quarto do ano e puxaremos o ATR para cima.

HOMENAGEADO DO MÊS

Desta vez, a nossa singela homenagem vai para o querido professor Marcos Sawaya Jank, recém-chegado da Ásia onde ficou por cinco anos, ex-presidente da Unica e grande defensor do agronegócio brasileiro, ao qual tive a honra de ser estágiário na Esalq, nos meus últimos anos de Engenharia Agronômica, quando este voltava do mestrado feito na França, isto, no final dos anos oitenta e início dos noventa.

*Marcos Fava Neves é professor titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da FGV em São Paulo, especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos, vídeos e outros materiais no site doutoragro.com e veja os vídeos no canal do Youtube (Marcos Fava Neves)