Amendoim no sangue

10/07/2024 Noticias POR: Marino Guerra

Quando não somente o trabalho em si, mas a vontade de fazer bem feito ultrapassa gerações


O pai, Luiz Carlos Rodrigues, ao lado dos filhos, Luís Gustavo (camisa azul mais clara) e Alex Danilo (camisa azul mais escura): Trabalhar com capricho foi o principal ensinamento que o pai passou para os filhos

Quem trabalha com produção rural sabe que ela não se trata de um simples empreendimento, quem decide ganhar a vida com o que a terra oferece possui algo além do talento para administrar um negócio que lhe traga um retorno planejado ao final de cada mês, como é o caso da aquisição de uma franquia, por exemplo.

Existe uma ligação afetiva que ultrapassa o nível profissional, uma mistura de um dom de Deus com uma herança genética, tendo em vista que muitas vezes o ofício começa com o bisavô, passa para o avô que é transferido para um ou mais filhos até chegar aos netos.

Um exemplo dessa forte ligação é o da família Rodrigues, tradicionais produtores da região de Sertãozinho que, além da cana-de-açúcar, o pai, Luiz Carlos Rodrigues, foi produtor de amendoim por muitos anos e, assim que terminaram os estudos, os filhos, Luís Gustavo e Alex Danilo, empreenderam novamente na cultura sendo hoje, quinze anos depois da primeira lavoura, referência dentro do Projeto Amendoim da Copercana.

“Nós começamos no amendoim em 2009, meu pai trabalhou a vida toda com a cultura, desde a época do tatu, que demandava muita mão-de-obra no momento de virar o amendoim após o arranquio e também após a colheita, pois se entregava o amendoim ensacado, serviço que era feito na roça. Em 2004, ele parou. Nesse período eu e meu irmão estávamos estudando e então ele passou a arrendar as áreas de reforma.

Quando voltamos da faculdade e passamos a trabalhar com ele, percebemos a necessidade de controlarmos todas as atividades em nossas áreas, isso para conseguirmos executar nosso planejamento de manejo. Eu e meu irmão conversamos com nosso pai e passamos nossa vontade de voltar com a lavoura pelo menos em nossas áreas. No início, ele foi resistente, mas depois nos passou 20 alqueires para começarmos”, disse Luís Gustavo, que também relembrou das dificuldades do início.

“Passamos quatro anos sem a conta fechar, mas a cada safra aumentávamos um pouco a área e investíamos mais um tanto em maquinário. Assim fomos ampliando até que partimos para o arrendamento, um dos fatores que eu considero mais complicado para o amendoim aqui na região, porque a disputa com a soja por áreas é muito grande sendo, que ela quase sempre leva vantagem nas áreas das usinas”.

Embora com o cenário complexo, o produtor identifica que nos últimos anos mais áreas estão sendo ofertadas, movimento que acredita estar acontecendo devido à seriedade com que trabalham, cumprindo os acordos firmados, e também ao fato de que a rotação de cultura na reforma do canavial é uma prática que se consolidou nos últimos anos. Antes muita gente deixava a área em pousio ou então plantava cana de ano, manejos substituídos pela rotação por não apenas garantir uma renda a mais, mas pelas vantagens nutricionais e de controle de pragas e plantas daninhas, o que influencia na produtividade e longevidade do canavial que será instalado.

“Como o amendoim exige um bom preparo de solo, temos que gradear, subsolar, deixar a terra vermelha, operações que nos ajuda a conseguir estabelecer um bom controle das principais pragas de solo da cana. Outra questão é quanto as plantas daninhas de difícil controle, como por exemplo a grama-seda, onde o combate acontece no uso dos defensivos durante o ciclo da cultura e no próprio arranquio do amendoim, que acaba sendo uma forma de eliminação física, pois ao virar a cultura, o implemento também arranca as invasoras do solo, o que vem reduzindo de maneira satisfatória a infestação”, relatou Luís Gustavo.

Com esse nível de conhecimento, os irmãos se sentiram seguros em ampliar o negócio até que bateram o recorde de área na última safra (23/24), plantando 280 alqueires, 70 a mais em relação ao período anterior. Contudo, o passo acendeu um sinal de alerta: “Para a próxima safra devemos reduzir um pouco a área, o amendoim exige muitas operações que precisam obedecer a um cronograma certo e quando se cresce muito se torna muito fácil perder o controle, e o maior ensinamento do meu pai é que se você decidir fazer algo, faça bem feito”, concluiu o produtor.

Foto de propaganda: Meiosi feita pela família em 2022 com amendoim na entrelinha, reparem como o talhão está impecável

Evolução no manejo da cultura

Dentre as maiores evoluções tecnológicas da cultura, Rodrigues vê a aplicação de técnicas de Agricultura de Precisão através do uso do GPS como uma das que mais contribuíram no campo: “Nós começamos a usar o GPS em 2013 e percebemos que foi uma tecnologia que evoluiu muito. Hoje é possível otimizar toda a área, além disso foi possível utilizarmos pulverizadores maiores com tecnologia embarcada que aplicam a dose exata de defensivo, além da perfeição no arranquio e a redução na perda de produção por pisoteio na hora da colheita”.

Quando questionado sobre o que é preciso para haver um salto de evolução, ele responde prontamente que é necessário ter um processo de inovação intenso que reduza o alto número de aplicações demandadas hoje: “Neste ano fizemos oito aplicações no ciclo todo, pois tivemos que trabalhar com a temperatura média bastante alta o que permitiu o desenvolvimento muito rápido de pragas, principalmente da Tripes, que aumenta o número de gerações numa mesma temporada. Esse número é muito alto e caro e a pesquisa precisa trabalhar para trazer soluções que diminuam esse número de entradas”.

Como exemplo de ferramentas que fazem a diferença, ele cita o Miravis Duo, fungicida lançado em 2022 pela Syngenta que ganhou o respeito da grande maioria dos produtores devido a sua grande eficiência no controle das manchas, em especial a preta que causa significativa queda de produtividade.

“A mancha preta causa significativa perda pois, dependendo da quantidade de folhas que adoecem, é  preciso antecipar o arranquio. Além de um controle quanto a maturação maior, essa ferramenta (Miravis Duo) diminui o número de aplicações, pois como ele é uma molécula nova resolve o problema de modo mais eficiente, antes, quando o amendoim começava a pintar, entrávamos com ferramentas com baixa eficiência o que nos obrigava passar mais vezes e mesmo assim não ficava bom.

Outro ponto é a questão do uso de variedades, hoje trabalhamos com dois materias, IAC OL3 e o IAC 505, sendo o segundo muito bom no quesito de resistência quanto às doenças, aí que entra a importância do Miravis Duo, pois no meu ponto de vista, se não fosse ele, eu não usaria o IAC OL3, que é um cultivar muito produtivo e também mais precoce em relação ao IAC 505, o que é uma característica importante para quem forma a lavoura em rotação com cana-de-açúcar, por outro lado ele é bastante suscetível às manchas e com a chegada da solução, depois que vimos o seu desempenho, ficamos tranquilos em trabalhar com a variedade".



Principal doença do Amendoim, o controle da Mancha Preta ganhou recentemente uma importante ferramenta, o Miravis Duo. Na foto área de teste do produto onde, a esquerda, foi realizado o manejo com ele e, a direita, não. É válido ressaltar que a área é de um outro produtor e que a foto foi feita já próximo do período de maturação na safra 22/23, reparem que a área onde o produto foi utilizado está com mais folhas, mais verde e com menos falhas, isso explica o sucesso da tecnologia

Plantio

Considerada pelos irmãos Rodrigues como a principal etapa da produção de amendoim, Gustavo conta que esse foi o ano mais desafiador desde que iniciaram na cultura: “Iniciamos o plantio bem no início de outubro, veio uma boa chuva que nos animou bastante e, quando o tempo firmou, como já tínhamos áreas preparadas, mantivemos o trabalho por dois dias, pois sabíamos que havia umidade no solo. Porém, percebendo que havia algo errado com o clima, principalmente pelas altas temperaturas, decidimos interromper a operação, mesmo assim, em decorrência desse primeiro período de 10 a 12 dias sem chuva e calor acima da média, tivemos uns 20 alqueires que nasceram falhados”.

Outro problema que tivemos foi em alguns pontos que receberam uma forte pancada de chuva isolada, cerca de 100 mm em meia hora, o que acabou lavando a camada superficial do solo que já estava preparado, principalmente em talhões com o declive mais acentuado. Nesses lugares, mesmo gradeando, também tivemos muitas falhas”.

Se não bastasse a instabilidade climática, numa escolha em conjunto dos irmãos, pela primeira vez, eles utilizaram sementes de porte maior: “Se plantar em condições úmidas, a semente maior vai embora. Como este ano houve falta de água, ela sofreu mais que as menores, por exemplo, no final do plantio pegamos algumas áreas de última hora e só haviam sementes pequenas disponíveis, mesmo com uns veranicos, elas nasceram perfeitamente. Jogamos 24 por metro linear delas e nasceram melhor que as áreas que plantamos 30 da outra”, conta Gustavo.

Ele destaca que além das razões técnicas que evidenciam a importância de uma boa brotação há um efeito motivacional: “Para nós é fundamental que a lavoura nasça com vigor, por isso investimos um pouco mais, pois é triste ter que trabalhar todo o ciclo com a aplicação dos defensivos numa área toda falhada, até porque o investimento é igual se ela tivesse brotado bem. Já tivemos muitas recomendações que indicavam a redução na quantidade de sementes, mas aqui optamos por trabalhar com essa segurança”.

Ainda há um terceiro motivo que o fizeram não aprovarem o uso das sementes grandes, o fato da distribuição irregular, o produtor contou que mesmo trabalhando de maneira bem lenta, o que já acaba elevando o custo devido ao rendimento operacional, encontrou lugares com mais de 20 cm sem nenhuma semente.

“O amendoim não tem uma distribuição boa, diferente da soja que as sementes caem com uma distância exata, soma-se a isso o fato de que mesmo com os melhores materiais, apenas 70% vão nascer e também que se uma cair ao lado da outra ela corre um grande risco de ser infectada por fungos, ou seja, mesmo trabalhando de maneira correta, o risco de ter falha é alto, diferente de uma semente média, que consigo fazer uma distribuição melhor”.

 Mesmo mediante todas as dificuldades, os irmãos não pensam em abandonar a cultura ou então passar a produzir soja, que tem a fama de ser mais fácil, até porque como agricultores experientes, eles não se iludem pelos modismos e sabem que na agricultura não existe facilidade em nada que se pretenda produzir numa propriedade rural, pelo contrário, o foco deles está em evoluir, ainda mais, na qualidade da operação, premissa do Projeto Amendoim da Copercana.

“Meu avô já falava que era preciso ter muito cuidado no amendoim, por sua instabilidade de mercado, claro que em sua época era mais complicado porque a grande maioria da produção era comercializada no mercado interno e hoje exportamos bastante. Neste ano achei que arriscamos demais, foi um ciclo perigoso devido a grande instabilidade climática, com chuvas irregulares e dias com temperaturas extremamente altas, o que nos afetou, mas mesmo assim, tivemos uma produção boa e de qualidade, porém um dos maiores ganhos dessa empreitada foi o aprendizado”, concluiu Gustavo.


Imagem de colheita dos irmãos Rodrigues, safra gerou muita preocupação em decorrência da instabilidade climática, mas os números de produtividade e qualidade foram positivos, o que mostra o alto patamar que estão os agricultores