Aprendendo com os desafios

26/05/2020 Agronegócio POR: Fernanda Clariano

José Luiz Tejon - Professor, conferencista internacional e escritor

Este momento de pandemia tem servido para mostrar que o mundo pode ser o mais digital possível, porém se os colhedores de laranjas, de café, da hortifruticultura, de flores, de leite, de ovos, se os funcionários da indústria de produtos veterinários, dos Ceasas, os repositores de gôndolas de supermercados ou os caminhoneiros tiverem suas atividades interrompidas, o sistema todo não resiste, ou seja, o elo dessa corrente, por mais simples que possa ser, se for desativado, interrompe a corrente toda.

Os impactos do novo coronavírus no agronegócio e cooperativismo foram tema da entrevista concedida pelo professor, conferencista internacional e escritor, José Luiz Tejon, à revista Canavieiros. Na ocasião, ele falou sobre diversos aspectos, como o papel do cooperativismo neste momento, do desabastecimento, da intercooperação, da economia e da conscientização. Confira!

Revista Canavieiros: Qual é o papel do cooperativismo neste momento de pandemia?

José Luiz Tejon: O cooperativismo já era apresentado como o melhor modelo de negócios do século XXI antes do coronavírus, fundamentalmente na luta contra a desigualdade no planeta. Agora iremos assistir a um crescimento do cooperativismo como alternativa de política de estado, inclusive.  E o fundamento estará no valor da “cooperação”, a grande síntese pós-coronavírus.

Revista Canavieiros: Há uma preocupação com o desabastecimento?

Tejon: Dramas de desabastecimento tendem a ocorrer por desinformação e ausência de liderança na gestão de cadeias produtivas. Nesse aspecto, onde temos boas cooperativas bem lideradas, iremos ver uma resistência maior, muito mais resiliência para superar desconexões de elos na cadeia de suprimentos. No mercado interno, o diálogo com a Abras – Associação Brasileira de Supermercados - é fundamental, e as cooperativas agroindustriais que já dominam os insumos, a tecnologia e seus cooperados terão melhores condições de lutar contra o desabastecimento. Da mesma forma, um ótimo momento para as cooperativas de transporte.

Revista Canavieiros: O senhor acredita que algum setor do agro pode sentir algum impacto dessa paralisação? Se sim, qual ou quais segmentos?

Tejon: Uma pesquisa feita pela “Onstrategy”, uma consultoria europeia de pesquisa de percepção dos stakeholders de diversos setores, aponta que segmentos com baixo impacto no coronavírus são telefonia, farmacêutica e alimentos. Setores com médio impacto na crise são tecnologia, mídia, automobilística, cigarro, bebidas, engenharia e construção. Os setores que sofrerão os maiores impactos são linhas aéreas, turismo e lazer, restaurantes, seguros, óleo e gás, varejo, esportes e eventos.

Nesse aspecto, o setor de biocombustíveis no Brasil levou um choque não apenas com o coronavírus, mas com a guerra do petróleo entre Arábia Saudita e Rússia. Da mesma forma os micros e pequenos produtores de hortifruticultura, de flores, leite, ovos. Ou seja, precisamos de suporte para o setor de agroenergia, desenvolvimento e ênfase na cogeração de energia, e proteção aos micros e pequenos. E nesse aspecto, novamente, a importância das cooperativas será vital.

Revista Canavieiros: Os efeitos do novo coronavírus na economia mundial abalaram os mercados financeiros e fizeram o dólar disparar aqui no Brasil. A cotação passou dos R$ 5,00 com consequências para o agronegócio. Os insumos aumentaram, em compensação os produtos de exportação ficaram mais competitivos. Isso pode favorecer os produtores brasileiros?

Tejon: Se tivermos juízo, como sempre enfatiza a ministra Teresa Cristina, se a logística não nos atrapalhar, se os portos funcionarem, se as tradings zelarem por um correto fair trade ao longo de seus suply chain, e preservarem seus produtores na originação, sem dúvida, o agroexportador tem uma ótima oportunidade. Creio ser também um ótimo momento para uma revisão de todas as cadeias produtivas, do A do abacate ao Z do zebu, onde temos chances ótimas de acesso a mercados internacionais e de crescimento, ao lado das agroindústrias atuando no país.

Revista Canavieiros: Com a contenção de pessoas em casa há um consumo menor de combustíveis, por exemplo, e o setor de etanol que já sofria um impacto com a queda mundial no valor do petróleo (consequentemente dos combustíveis) pode ver a crise aumentar?

Tejon: Vejo que está na hora de corrigirmos as percepções dos consumidores de combustível a respeito do etanol. Não devemos associar preferir etanol à gasolina numa questão do valor do litro, os percentuais que ficaram mentalizados na cabeça dos clientes finais e dos próprios frentistas dos postos de combustível. A opção pelo etanol deve ser associada à saúde. E, pós-coronavírus, o agronegócio irá virar sinônimo de saúde. Portanto, a comunicação precisa ser exercida com persuasão educadora: optar pelo etanol como um “valor” saudável, acima de reais ou centavos a mais ou a menos.

Revista Canavieiros: Para o senhor, o impacto do coronavírus no agronegócio brasileiro será “pontual e passageiro” ou ainda é cedo para medir os reflexos da Covid-19 no agronegócio?

Tejon: Como a própria pesquisa da “Onstrategy“ revela, o setor de alimentos é o que sofrerá menos impacto. Logo, temos no agronegócio o principal macrossetor da economia brasileira. Em minha opinião impacta 1/3 do PIB diretamente e indiretamente outro 1/3. Indigno é aceitarmos um país com a realidade e o potencial do Brasil se conformar com um PIB variando de US$ 1.5 a US$ 2 trilhões de dólares, dependendo da taxa do dólar. Os Estados Unidos movimentam US$ 20 trilhões e a China US$ 15 trilhões. O Brasil precisa objetivar minimamente US$ 5 trilhões de dólares em cinco anos. Isso sim deveria enfurecer o presidente Bolsonaro. Eu ficaria indignado com um PIB tão pequeno para um país tão grande e com recursos humanos fantásticos. Espero que no pós-coronavírus possamos sair de conflitos “intestinais” e ridículos e caminharmos para planos ambiciosos e sustentáveis. E podemos fazer. Aliás, precisamos de um “RenovaBio” para todas as cadeias produtivas reais e potenciais no país.

Revista Canavieiros: O senhor escreveu vários livros sobre superação e um dos destaques de suas obras é onde está o foco da nossa atenção. Neste período de pandemia, onde devemos nos focar então?

Tejon: O foco precisa estar agora, dentro da crise, num novo paradigma. O mundo mudou, não adianta reclamar nem buscar inimigos ou culpados. Precisamos compreender que estamos num “point of no return”. Precisamos do que escrevi para um jornal europeu: Show – Science, Humanity, Overcome, Warriors. O melhor da ciência, a inteligência humana aplicada na questão do enfrentamento da doença e da prevenção da sua difusão. Humanidade, hora de proteger os mais vulneráveis e a base da pirâmide do planeta, onde cerca de cinco bilhões de seres humanos vivem da faixa da pobreza para a miséria extrema. Overcome é superação. E superação exige um valor fundamental, muito bem definido pelo pedagogo japonês Makiguti: “superação é criar valor a partir da sua própria vida sob quaisquer circunstâncias, e valor é o bem, o belo e o benefício para todos”. Ou seja, bem-vindos ao mundo. O universo é imperfeito, e nossa missão não é desanimar perante os grandes incômodos causados pelas imperfeições dos sistemas como um todo. A nossa missão é o aperfeiçoamento das imperfeições, logo uma grande motivação de ação, em meio ao desconforto e incômodo de uma crise como esta. E o Warrior, guerreiros. A coragem é fundamental, pois o medo como elemento natural da humanidade é justificável, porém a covardia é ausência de caráter. Sairemos desta crise como saímos de todas as outras da história. E o guerreiro logo vai perceber que guerras não se vencem sozinho. Então, retornamos ao poder da cooperação. Sairemos desta juntos.

Revista Canavieiros: Estamos vivendo um momento de conscientização em toda a sociedade que nos levará a aprendizados futuros?

Tejon: Aprendizados importantíssimos - no agronegócio vamos acabar com mitos contra a ciência, o agronegócio vai virar sinônimo de saúde. Fica evidente que precisamos de uma coordenação global. O velho assunto do Glocal. O mundo é global e ao mesmo tempo local. Dessa forma, o que acontece num local, num mercado local e natural de alimentos sem segurança sanitária parou o planeta e colocou de joelhos as maiores economias do mundo. Em contrapartida, deverão sair dos grandes centros de pesquisa globais, em cooperação, os medicamentos e as vacinas deste novo coronavírus. Veremos uma evolução da organização das cadeias produtivas de cada segmento no agronegócio. Da mesma forma na educação, o agronegócio estará presente em todas as demais cadeias e não apenas nas ciências agrárias. E com certeza iremos festejar muito, celebrar ao fim desta crise, e valorizar como nunca o poder cumprimentar, abraçar e beijar. E sem dúvida, a desigualdade será o grande inimigo. Oito mil crianças morrendo de fome por dia no mundo será intolerável.

Também espero ver uma substituição de péssimos líderes que ainda se servem de fundamentos do passado para a liderança no presente, presente este que jamais será como há 90 dias, daqui a 90 dias. O show não pode parar, e não vai parar. A humanidade vai superar como sempre superou. As forças criadoras e sintrópicas vencerão as forças destruidoras e entrópicas. Essa é a grande lei.