As Perspectivas da Cana em 2013/14
21/01/2013
Cana-de-Açúcar
POR: Marcos Fava Neves
Este artigo tem como objetivo compartilhar as visões para a próxima safra, que se inicia em abril/maio deste ano, a chamada safra 13/14. Divido a análise em relação a produção de cana, produção e mercado de açúcar, de etanol, cogeração e outros aspectos relevantes ao momento do setor sucroenergético, concluindo com algum otimismo.
Em relação à produção de cana, fechamos a safra 2012/13 já em ligeira recuperação. A moagem no Centro-Sul ficou próxima a 540 milhões de toneladas, um crescimento ao redor de 7% em relação à safra anterior, porém com produtividade 1% menor em ATR. No ciclo 2013/14 as estimativas indicam que a safra de cana deve chegar a 580/590 milhões de toneladas no Centro-Sul. Com uma produção esperada em quase 60 milhões de toneladas no Nordeste, o Brasil colherá a maior safra de cana da história, cerca de 640 milhões de toneladas - ainda aquém, porém, do potencial de consumo existente na frota flex e aquém do necessário para voltarmos a conquistar mais de 50% do mercado mundial de açúcar.
O clima, bem como os investimentos feitos em renovação, vêm contribuindo para que possamos ter melhor produtividade também. Espera-se que a produtividade possa voltar a se aproximar dos patamares de 80 toneladas/hectare, consequentemente com alguma redução nos custos de produção, que se tornaram insustentáveis nos últimos anos.
A produção de açúcar no Centro-Sul, que nesta safra foi de pouco mais de 34 milhões de toneladas, quase 9% maior que no ciclo 11/12, deve chegar a 36 milhões de toneladas nesta nova safra no Brasil, mas é uma previsão complicada, pois tal produção é muito suscetível ao que acontecerá no mercado de etanol, onde as variáveis são de maior interferência e menos controláveis pelo setor privado.
Existe uma previsão de superávit de cerca de 7 milhões de toneladas no mercado mundial de açúcar, que deve contribuir para manter os preços próximos a US$ 0,20/libra-peso. O consumo segue forte na Ásia, devido a seu crescimento econômico e urbanização, e devemos ter boas importações originárias da China, Indonésia e outros países. Estima-se inclusive que já neste ano a Indonésia possa se tornar o maior importador mundial, com mais de 3 milhões de toneladas. Suas importações estão crescendo 10% ao ano. Como sempre, resta torcer pelo consumo, uma vez que o mundo deve crescer mais em 2013 que no conturbado ano de 2012.
Para comentar do etanol - onde, na minha visão, revela-se uma das maiores miopias do governo federal - antes temos que contar a triste história da gasolina em 2012. As importações de gasolina em 2012 foram de quase 3,8 bilhões de litros, 70% a mais que em 2011. Isto representou um desfalque de US$ 2,91 bilhões para a balança comercial brasileira em importações que poderiam ter sido evitadas. Comparando-se com 2011, o Brasil importou US$ 1,3 bilhão a mais em gasolina, algo absolutamente desnecessário se um bom planejamento tivesse ocorrido. Eu mesmo alerto sobre isso há quatro anos em textos na grande mídia.
Ao vender a preços inferiores aos pagos no mercado internacional, a defasagem por litro superou 30 centavos em média, o que comprometeu fortemente a capacidade de investimento e o valor da Petrobras. Parece que finalmente o governo foi sensibilizado por esse fato. Já foi veiculado o aumento de 7% para a gasolina, o que deve permitir alguma recuperação de margens e trazer ainda um maior consumo do hidratado pelos brasileiros. É um alento ao setor e à Petrobras. Pena que tenha vindo tão tarde, pois os prejuízos são enormes.
A volta da mistura na gasolina para 25% deve ocorrer ainda em maio/junho, o que pode trazer um consumo adicional de etanol de quase 2 bilhões de litros, além de contribuir para o caixa da Petrobras e ajudar para um menor impacto inflacionário. Como a safra deve começar mais cedo, o quanto antes forem anunciadas essas medidas, mais ganhará o Brasil pelos seus efeitos no mercado. É um governo teimoso - isto vem sendo dito há três anos. Se essas medidas viessem antes, a situação da Petrobras, da balança comercial e do setor de cana seriam muito mais saudáveis.
A produção de etanol na safra que se encerra no Centro-Sul foi de pouco mais de 21 bilhões de litros, quase 4% a mais que no ciclo anterior. Foram quase 9 bilhões de litros no anidro (cerca de 18% a mais que em 11/12) e 12 bilhões para o hidratado. Foi uma safra em que 50,3% da cana foi destinada a etanol.
Existem boas perspectivas de continuar a exportação de etanol para os EUA, um mercado de quase 50 bilhões de litros, onde o Brasil ocupou pouco mais de 3 bilhões de litros em 2012, representando importantes US$ 2,2 bilhões na balança comercial brasileira. Especialistas em clima dizem que a seca que atingiu a área produtora de milho americana em 2012 será mais frequente. Os estoques de grãos estão relativamente baixos, o que deverá manter os preços do milho em patamares mais altos. O Departamento de Agricultura (Usda) estima uma produção de etanol 10% menor nos EUA em 2013, algo próximo a 12,6 bilhões de galões, abrindo importante janela para a colocação de etanol brasileiro.
De tal forma, acredito que um impulso no etanol e uma safra bem mais alcooleira podem interferir já nos preços do açúcar e trazê-los de volta a patamares remuneradores, o que seria um alento para o setor e para as exportações.
Outro fator que deve jogar favoravelmente é que a Índia está iniciando um programa de adição de 5% de etanol em sua gasolina, o que deve também contribuir para a redução na oferta de cana.
No tocante à cogeração, estamos aí mais uma vez frente a uma possibilidade, ainda que remota, de racionamento de energia no Brasil. Mesmo que este não aconteça, estamos desperdiçando rios de recursos com as poluentes termoelétricas. Mais uma vez o país é surpreendido, pela sua dificuldade de planejar.
O BNDES concedeu US$ 350 milhões em 2012 para investimentos em cogeração, um número 18% menor que o volume de 2011. Estima-se que o custo desta energia esteja ao redor de R$ 150/MWh, muito acima dos preços de R$ 100/MWh ofertados em 2012.
Talvez o risco de apagão e o enorme custo político que isso trará possam sensibilizar o governo para a questão da eletricidade vinda da cana. As ferramentas de políticas públicas (estímulo financeiro aos investimentos, diferenciação na tributação, investimentos em transmissão) estão amplamente disponíveis ao governo. Estima-se que o setor hoje possa fornecer 6,5 mil MW, mas oferece cerca de 10% desse potencial. O impressionante é que em toda esta crise que aí está colocada, pouco se fala da capacidade do setor sucroenergético de suprir o equivalente a uma Itaipu, ou três Belo-Montes. Trata-se de mais uma miopia.
Entre os movimentos empresariais de destaque no período, vale ressaltar a compra, pela São Martinho, dos ativos agrícolas da Dreyfus na usina de São Carlos por um múltiplo próximo a US$ 50/tonelada. É um movimento que mostra que na produção de cana teremos uma concentração e especialização cada vez mais fortes, trazendo grandes mudanças.
Com todas as dificuldades existentes, foi anunciado pela Adecoagro um greenfield para processar 4 milhões de toneladas de cana na cidade de Ivinhema (MS). O grupo espera moer 9,3 milhões de toneladas em 2014. Obteve o financiamento do BNDES, na casa de US$ 480 milhões. É um sinal de que os investimentos estão voltando. O BNDES também deu declarações de que espera para 2013 a volta de investimentos. Não é possível que um setor tão crucial para o desenvolvimento brasileiro tenha tido, em 2012, um desembolso pelo BNDES de R$ 4,2 bilhões, quase 30% a menos que o valor investido em 2011. Algo está errado.
Vale destacar também os movimentos feitos pela Copersucar, que pelo controle da trading americana Eco-Energy, já conta com quase 20 usinas nos EUA (com contratos de exclusividade na comercialização do etanol). Um volume de 10 bilhões de litros levou a empresa a ter uma participação mundial de 12% no etanol comercializado em 2012, devendo chegar a 12,5 bilhões de litros em 2013. Tal como se observou nos setores de suco de laranja, carne bovina e frango, é uma empresa do Brasil avançando na comercialização mundial.
Outro assunto que voltou à tona nestas férias foi o da eficiência dos motores a etanol. Esta é de 68% em relação à gasolina, segundo o Inmetro, em ampla pesquisa. O melhor motor, de 327 modelos testados, teve apenas 72,8% de eficiência. A indústria automobilística está definitivamente nos devendo uma solução melhor, ainda mais quando o carro flex comemora já dez anos de vida.
Uma boa notícia é que a mecanização já atingiu 85% da colheita e 53% do plantio no Centro-Sul do Brasil. De acordo com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), o setor de cana já investiu R$ 14 bilhões neste processo, o que mostra o compromisso da cana com o setor público e com a modernidade, mesmo que a um custo e com perdas elevadas de produtividade, que foram totalmente absorvidas pelo setor privado.
Para concluir, acredito que superamos o fundo do poço no primeiro semestre de 2012, e que 2013 será melhor. A mensagem final é a de que quanto antes o governo anunciar o aumento da gasolina e da mistura do etanol para 25%, maiores serão os benefícios colhidos na balança comercial brasileira, pois substituiremos gasolina importada com produto nacional e aumentaremos os preços do açúcar no mercado mundial, recebendo mais pelas nossas exportações. Pode-se até receber o mesmo volume de recursos exportando menor quantidade de açúcar. Fora isso, trará a retomada de investimentos, revigorando o setor de bens de capital, gerando empregos e desenvolvimento no interior do Brasil. Coragem, minha gente!
*Texto originalmente publicado no Portal Nova Cana
Marcos Fava Neves
Professor titular de planejamento e estratégia na FEA/USP Campus Ribeirão Preto e coordenador científico do Markestrat