Ativos Ambientais

09/05/2018 Agronegócio POR: Revista Canavieiros
Por: Diana Nascimento
 
O Estado de São Paulo se destaca pelo aumento da cobertura vegetal nativa e a prática da agricultura sustentável, premissas que podem fazer do estado um caso exemplar a ser apresentado para o todo o país com a proposta de regulamentação daCRA (Cota de Reserva Ambiental).

Segundo o então secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Arnaldo Jardim, que participou da abertura do Seminário Ativos Ambientais, ocorrido no dia 16 março, no Salão Nobre da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, a palavra de ordem é integração. “Aqui aceitamos os desafios e estamos colocando em prática substituir conflito por cooperação, enfrentamento por convergência”, frisou.

“Desde a Constituição de 1988, o país não se deparou com um debate tão intenso como foi o Código Florestal”, lembra Daniel Smolentzov, chefe da Consultoria Jurídica do Meio Ambiente.

Aprovado em 2012, o Código Florestal foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal no dia 28 de fevereiro de 2018, seis anos depois da legislação. “Apesar da insegurança jurídica das ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal e da insegurança jurídica no Estado de São Paulo,devido à legislação estadual que regulamenta o PRA, que também foi objeto de uma ação de inconstitucionalidade que está em tramitação no Tribunal de Justiça, o estado de São Paulo não se manteve inerte nesse período. Trabalhamos fortemente nos sistemas para que quando viesse a segurança jurídica, o estado estivesse pronto para agir. Temos 346 mil municípios, 329 mil propriedades rurais e trabalhamos no cadastro de recuperação ambiental em toda normativa do programa de regularização ambiental em inúmeras vertentes, a lei constitucional federal e a lei federal inconstitucional. Fomos ativo por ativo e fizemos esse mesmo exercício em relação a legislação estadual. Temos todos os cenários mapeados”, afirma Smolentzov.

Segundo ele, o Tribunal de Justiça terá a sensibilidade de que esse assunto é urgente. O prazo de inscrição do CAR (Cadastro Ambiental Rural) termina em 31/05 e a ideia, no estado de São Paulo, é que até o dia 31/05 já haja uma possibilidade de lei aplicável para que se possa colocar o CRA em prática.

“São Paulo deu o exemplo para o Brasil. É um estado grande, complexo, com muitas realidades. Estamos preparados e acredito que vindo o julgamento do Tribunal de Justiça haverá segurança jurídica para que possamos partir para os casos completos e atuação no dia-a-dia.Tenho certeza que a implementação da lei federal e estadual, no estado de São Paulo, será um sucesso. O sistema está preparado”, ressaltou Smolentzov.

Durante sua fala, a advogada da Orplana, Helena Delatorre Vasques, abordou a perspectiva da votação no STF (Supremo Tribunal Federal) em relação ao produtor rural.

“O que enxergo como declaração de constitucionalidade é muito mais do que uma segurança jurídica, é o reconhecimento de que o Código Florestal vem resgatando tudo o que a gente demonstra ao longo dos anos: que o produtor preserva o meio ambiente, incentiva a abertura de áreas para a expansão do país em relação à agricultura e que conseguimos preservar 67% de vegetação nativa”, esclareceu Helena.

Ela também mencionou que 99% das declarações e inscrições do CAR foram feitas, mostrando que o produtor não tem medo de regularizar a sua propriedade.
“Ainda temos, no estado de São Paulo, uma briga tremenda em relação ao CRA, se há ou não um julgamento imediato em relação àADIN, a necessidade de iniciar o programa de regularização ambiental e como será aplicadoe reconhecido, além de uma série de questões como a discussão da identidade ideológica”, enumerou a advogada da Orplana.

O diretor da SRB (Sociedade Rural Brasileira), João Adrien, comentou sobre o decreto da CRA federal. “Essa discussão é relevante depois do julgamento do STF e é um momento para nos unirmos e entendermos quais os passos a serem tomados tendo em vista essa definição”, disse durante o seminário.

Adrien explica quea CRA,em âmbito federal, daria maior padronização ao mercado, pois o risco de fazer várias CRAs sem ter uma diretriz federal poderia pulverizar o mercado.

No âmbito federal, foi desenvolvido um módulo onde dentro do SiCAR(Sistema de Cadastro Ambiental Rural) é possível permitir os ativos que poderiam ser comercializados entre os produtores, trazendo fundinbilidade. “Outro elemento que discutimos em âmbito federal é que a CRA poderia ser utilizada e adquirida não só por produtores rurais, mas de adquirentes, não só de compensação ambiental. Nesse âmbito conseguimos criar um instrumento de pagamento de ativo ambiental emitido pelo estado e registrado por uma instituição financeira, o que pode trazer uma nova forma de valorar esse ativo ambiental”, elenca Adrien.

Toda essa demanda por restringir a compensação vem de um anseio de gerar maior restauração ou de maior compatibilidade ecológica nas áreas compensadas. Mas vale lembrar que existe um grande ativo ambiental em regiões de fronteira agrícola e ao restringir a compensação, também se reduzirá a possibilidade de federação e de valorar áreas em região de fronteira.

“Temos grandes regiões na área de Matopiba, onde existe um excedente e o produtor talvez esteja disposto a isso se receber um recurso pela compensação”, exemplifica Adrien.

Mas a questão da identidade ideológica pode mudar essa visão. Para Adrien, assumir a identidade ecológica como uma realidade é correr risco porque não há embasamento nas legislações estaduais e vários produtores que já fizeram a compensação utilizandoo Bioma ficarão sem arcabouço jurídico previsível.

A dica, segundo Adrien, para lidar com as consequências dessa mudança nas regras do jogo é ter parcimônia em utilizar a identidade ecológica como critério para organizar a compensação, entender melhor os riscos disso e ter previsibilidade para que o Código Florestal não dependa das questões regionais, mas sim de demandas previsíveis e que existam no Mapa do Bioma para que a interpretação do Código Florestal seja possível.

“Estamos frustrados com essa mudança na regra do jogo porque tínhamos um grande trabalho sendo feito e que seria lançado nesse mês de março. Mais uma vez, após seis anos de espera, há uma nova perspectiva de discussão para avançar na questão da compensação. Por outro lado, estamos muito satisfeitos porque o julgamento no STF criou um arcabouço de segurança jurídica para avançarmos nas outras questões”, ponderou Adrien.

CRA Paulista
A coordenadora do Programa Nascentes, da Secretaria do Meio Ambiente, Helena Carrascosa, apresentou algumas considerações sobre a questão da CRA em São Paulo, sob o ponto de vista da secretaria.

“Não faz sentido pensar em compensação de Reserva Legal se esquecermos a sua finalidade. Com a mudança no Código Florestal, na Lei nº 12.651, as funções da Reserva Legal ficaram mais claras ao definir a função econômica, de viabilizaçãoda exploração sustentável de recursos naturais, e também a função ecológica de auxiliar na conservação da biodiversidade e nos processos ecológicos”, esclareceu.

Para Helena, implementar o Código Florestal com relação a Reserva Legal apresenta duas armadilhas potenciais. Uma delas é entender que a Reserva Legal tem, obrigatoriamente, que vir de dentro do imóvel e isso para as propriedades que não têm vegetação e precisam promover a regularização. “Ninguém vai pensar em suprimir a vegetação dentro do imóvel para constituir uma reserva em outro local, o que é fora do propósito”, aponta. A outra armadilha é poder compensar independente da função da Reserva Legal ser atendida.

“A Reserva Legal não existe para penalizar o proprietário rural, ela tem funções que são importantes para o proprietário e para a sociedade. Especialmente na conservação da biodiversidade, é possível observar que a Reserva Legal tem funções globais, regionais e locais”, ressalta.

Para Helena, a CRA, da forma como está colocada na Lei, foi um instrumento um tanto quanto esquizofrênico: ao mesmo tempo em que é um instrumento de mercadotem amarras que não permitem que funcione de verdade como algo de mercado. “É estranho e precisa ser resolvido”, analisa.

A coordenadora acredita que a decisão do Supremo foi a pá de cal na CRA que estava prevista na lei. “Se temos que falar agora em equivalência ecológica ou identidade ecológica, não teremos a possibilidade de ter um título com a fugibilidade que a CRA apresentava. Tem que ter critérios para isso”, argumenta Helena.

Ela explica como poderia ser a CRA a ser implantada no estado de São Paulo. Do ponto de vista da gestão pública, é desejável a possibilidade de planejamento da compensação da Reserva Legal para maximizar os benefícios. “É preciso um sistema onde quem tem déficit de Reserva Legal e tem excedente possam fazer transações sem a necessidade de intermediários ou atravessadores. Também queremos que o sistema de compensação de Reserva Legal represente uma solução de custo baixo para o proprietário rural.
Queremos que ele tenha o menor custo possível dentro desse critério. A Reserva Legal não serve para penalizar ninguém, temos que buscar mais benefício com menos dinheiro”, alega.

Outro ponto levantado pela coordenadora é o sistema de operacionalização, pois coisas que dão trabalho e demoram muito em gestão e processos não são viáveis. Se temos 330 mil propriedades rurais em São Paulo, sendo 54 mil acima de 4 hectares e que precisam ser regularizadas, é preciso ter agilidade e facilidade.

Ao pensar em Reserva Legal, também se pensa em restauração. “Temos uma grande expectativa de que a implementação do Código e da Reserva Legal comporte um viés de restauração em áreas importantes para conservação do solo, da água e da biodiversidade”, sinaliza Helena.

Os modelos de florestas nativas multifuncionais combinando espécies para a produção de madeira e de serviços agrossistêmicos com viabilidade econômica é um assunto que está em pauta.

“Uma das áreas que está sendo estudada com a proposta de florestas multifuncionais, por exemplo, é a Bacia Paraíba do Sul, que sofreu desmatamento por conta do café, depois passou a produzir um pouco de cana e agora pastagem, cuja parte considerável é degradada e com pouca produtividade. Com isso, percebe-se que existem áreas com vocação florestal que estão em outro uso e que, se voltassem a ter florestas com a perspectiva de ser nativa produtiva, poderiam ter a oportunidade de ter uma agenda de desenvolvimento. A Reserva Legal pode ser uma janela de oportunidade para fomentar o cultivo de florestas nativas que cumpram os requisitos de reserva e que seja também fonte de renda para a exploração de madeira de produtos não madeireiros”, vislumbra Helena.

Outra oportunidade interessante para se pensar, segundo a coordenadora, são as áreas não mecanizáveis de cana-de-açúcar. “Segundo estimativas, temos 450 mil hectares de área não mecanizável com cana. Parte dessa área pode ser convertida para florestas nativas e multifuncionais para a produção de produtos e serviços ecossistêmicos e regularização de Reserva Legal. Isso seria muito melhor do ponto de vista ambiental e econômico se a opção, no estado de São Paulo, como sociedade, fosse o de buscar soluções para a compensação de Reserva Legal que conseguisse atingir os objetivos e as finalidades da lei com o menor custo possível”, sugere Helena.

Ao pensar em uma CRA para São Paulo,há ainda a ideia de se criar uma bolsa de excedentes de vegetação para compensação. Uma experiência parecida e que tem dado certo é o Programa Nascentes, que possui um banco de áreas disponíveis para restauração e uma prateleira de projetos onde quem precisa restaurar e quem têm áreas se encontram. Outra alternativa é pensar em um título transacionado e com mercado secundário, que pode ser usado para outras finalidades que não seja apenas para compensação de Reserva Legal.

“A ideia que temos discutido já há algum tempo no estado é a possibilidade de um título parecido com o Cepac (Certificados de Potencial Adicional de Construção, usado para operações urbanas)voltado para os investimentos e projetos florestais que façam sentido. Com isso poderíamos ter projetos para conservação ou restauração de áreas prioritárias. Poderíamos implantar focos florestais multifuncionais com emissão de títulos para financiamento, ampliar as áreas protegidas e criar novas unidades de conservação, onde necessário, ou melhorar a conservação das unidades existentes. Podemos pensar também em um mecanismo que assegure a permanência das ações de conservação”, enumera Helena.

Produtor deve ser presente
Helena Vasques salienta que os produtores rurais e a sociedade civil precisam ser participativos nas discussões.“Ao longo do tempo existiam interpretações irrigadas com preconceitos de Procuradoria ou de Ministério Público, onde não participávamos e não mostrávamos como efetivamente atuamos no campo”, explica.

Estar presente nas discussões é algo que deve ser considerado pelos produtores. “Aprendemos muito disso com o Código Florestal e, talvez, não teríamos obtido grandes avanços nessa discussão se não tivéssemos tão presentes no Congresso e depois na parte de implementação nos estados. Que fique essa grande lição. Temos que estar presentes nas discussões, mesmo que elas, em alguns momentos, nos deixem engasgados e contrariados”, sugere.

Em relação a CRA de São Paulo, a advogada da Orplana diz que tudo que venha a facilitar é bem-vindo. “Há o temor de que tenhamos mais um instrumento para ser burocratizado na questão da compensação. Mas vejo também que, como temos uma abertura na Secretaria da Agricultura, podemos contribuir de forma aevoluir para essa regularização e não fazer com que esse instrumento seja mais uma forma de paralisá-la”, avalia.

Helena também ressalta que nem tudo está para ser resolvido. “Tivemos um grande avanço com a decisão do STF, mas ao mesmo tempo sabemos que ainda existem interpretações de lados opostos na qual o objeto é o mesmo. Vamos tentar fazer com que as interpretações sejam, no mínimo, ouvidas para que a gente consiga entrar num consenso”, argumenta.

O advogado da Canaoeste, Juliano Bortoloti, também esteve presente no seminário. “A importância agora é o alinhamento das secretarias estaduais de Meio Ambiente e Agricultura que nortearão a aplicação, pelos produtores rurais, da nova legislação florestal brasileira.Sobre a CRA paulista, é o grande anseio do estado de São Paulo porque há uma defasagem de Reserva Legal. O produtor poderia comprar um título, no caso o CRA, e ficar livre do passivo ambiental em sua propriedade, mas é algo que demanda muita regulamentação e discussão, está em fase embrionária ainda”, analisa.

Bortoloti sinaliza ainda que a situação atual do Código Florestal ainda não está confortável para os produtores rurais. “O Supremo decidiu a constitucionalidade no dia 28 de fevereiro deste ano, é recente. A partir de agora os órgãos públicos estão se mexendo para definir os procedimentos e adequações em algumas coisas que causaram desconforto aos produtores, principalmente àqueles que respondem a ações judiciais e que são obrigados a cumpri-la imediatamente”, observa.