É preciso saudar a renovada disposição da presidente Dilma Rousseff de assumir o protagonismo que cabe ao Poder Executivo sem o qual, num regime de presidencialismo imperial como o nosso, a tendência da governabilidade é dissolver-se no ar. Ela tem dado demonstrações de que introjetou a situação fiscal extremamente delicada em que se encontra a economia brasileira. Os seus movimentos, entretanto, não indicam um objetivo estratégico bem definido, conscientemente apoiado em movimentos táticos adequados. Por exemplo, o envio ao Congresso de um projeto orçamentário para 2016 com um déficit primário de R$ 30,5 bilhões, ao lado de revelar um primarismo político assustador, nega a disposição de um olhar de longo prazo para enfrentar o gravíssimo problema do déficit "estrutural" em que estamos metidos. A reação de estupefação da sociedade foi tal, que obrigou a presidente a declarar que "não fugiria à responsabilidade de propor a solução do problema", o que salvou o fim do dia, mas não sem antes ter provocado um aumento da volatilidade em todos os mercados.
O problema é que há dúvidas sobre o "realismo" dos parâmetros usados no orçamento para 2016 (tanto na receita como na despesa) e há uma probabilidade de que o ano termine com um déficit primário muito maior do que o anunciado, tanto no governo federal quanto nos regionais, os quais, aliás, também estão sofrendo com a recessão e estão à procura de aumento das alíquotas de seus próprios impostos ou, em último caso, de multas de trânsito... E pior: há clara indicação de que os gastos federais vão crescer, em termos reais, em 2016 com relação a 2015!
Não será surpresa para ninguém se essa combinação entregar, em dezembro de 2016, uma relação dívida bruta/PIB superior a 70% do PIB, com todas as suas trágicas implicações. É legítimo especular: o projeto original do governo (estabilizar a relação dívida bruta/PIB) é ainda prioridade, ou estamos voltamos a namorar com a ideia de que o que nos falta é demanda efetiva?
É hora de deixar de "empurrar com a barriga" e terminar o "disse que me disse" dentro do Executivo e entre ele e o Legislativo. Quem deve preparar o Orçamento e tem condições de vetar os eventuais aumentos de despesas permanentes sem a criação da receita bem definida e permanente, produzidas pelo Legislativo, é o Executivo. E a justificativa é a sua evidente inconstitucionalidade. A presidente já declarou que apresentará uma solução razoável para o problema. A "solução razoável" sustentável no longo prazo fugirá, certamente, dos dois extremos: 1) o cômodo aumento da receita ¬ que aumentaria ainda mais a recessão, transformando-a numa estagnação permanente ¬ e prepararia um novo desequilíbrio; 2) um insensato corte das despesas que, pela falta de credibilidade do governo, aprofundaria a recessão e seria rejeitado preliminarmente nas urnas de 2016 e, definitivamente, em 2018, porque se revelaria uma não-solução, ou 3) por uma combinação adequada de um aumento condicionado de receita por prazo limitado para dar tempo a uma redução inteligente das despesas, ao mesmo tempo em que melhorará a eficiência na prestação dos serviços públicos. Hoje parece difícil acreditar, mas foi esse o programa que Dilma anunciou no primeiro dia, do seu primeiro mandato: "fazer mais com menos" e que abandonou depois de 2011.
A presidente tem razão quando diz que "não gosta da CPMF, porque ela tem inconvenientes" (veja-se o artigo da competente especialista Maria Helena Zockun, "A Regressividade da CPMF", in Informações Fipe, dezembro de 2007). É, entretanto, difícil de entender porque ainda não se aumentou a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) que tem fantásticas externalidades positivas (redutor de emissão de CO2 eq; gerador de energia renovável; redutor de importação de gasolina e ainda capaz de ampliar os investimentos e o emprego). Ela foi, lamentavelmente, anulada pela política míope de controlar os preços da gasolina e ajudou a destruir a Petrobras e todo o setor sucroenergético. O aumento tem sido discutido pela dinâmica ministra da Agricultura, Katia Abreu. Trata-se de um inteligente imposto ambiental sobre a gasolina, que tem a vantagem de corrigir na direção correta o consumo de combustível fóssil, uma das causas do aquecimento global.
O governo precisa tomar conhecimento do sofisticado e competente estudo preparado pela União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) sobre o assunto. Uma objeção possível à sugestão de elevar a Cide de R$ 0,10 para R$ 0,60 por litro de gasolina, que produziria um aumento da receita federal de aproximadamente R$ 15 bilhões (metade do que faltou para fechar o Orçamento) e de R$ 5 bilhões de ICMS, seria um aumento menor do que 0,9% na primeira casa decimal do IPCA. É, certamente, um inconveniente menor neste ano de generalizada correção dos preços que foram controlados diante do tremendo estímulo à solução dos problemas do setor, causados, exatamente, por aquele controle e que se esgotaria em 2015. Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA¬USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
É preciso saudar a renovada disposição da presidente Dilma Rousseff de assumir o protagonismo que cabe ao Poder Executivo sem o qual, num regime de presidencialismo imperial como o nosso, a tendência da governabilidade é dissolver-se no ar. Ela tem dado demonstrações de que introjetou a situação fiscal extremamente delicada em que se encontra a economia brasileira. Os seus movimentos, entretanto, não indicam um objetivo estratégico bem definido, conscientemente apoiado em movimentos táticos adequados. Por exemplo, o envio ao Congresso de um projeto orçamentário para 2016 com um déficit primário de R$ 30,5 bilhões, ao lado de revelar um primarismo político assustador, nega a disposição de um olhar de longo prazo para enfrentar o gravíssimo problema do déficit "estrutural" em que estamos metidos. A reação de estupefação da sociedade foi tal, que obrigou a presidente a declarar que "não fugiria à responsabilidade de propor a solução do problema", o que salvou o fim do dia, mas não sem antes ter provocado um aumento da volatilidade em todos os mercados.
O problema é que há dúvidas sobre o "realismo" dos parâmetros usados no orçamento para 2016 (tanto na receita como na despesa) e há uma probabilidade de que o ano termine com um déficit primário muito maior do que o anunciado, tanto no governo federal quanto nos regionais, os quais, aliás, também estão sofrendo com a recessão e estão à procura de aumento das alíquotas de seus próprios impostos ou, em último caso, de multas de trânsito... E pior: há clara indicação de que os gastos federais vão crescer, em termos reais, em 2016 com relação a 2015!
Não será surpresa para ninguém se essa combinação entregar, em dezembro de 2016, uma relação dívida bruta/PIB superior a 70% do PIB, com todas as suas trágicas implicações. É legítimo especular: o projeto original do governo (estabilizar a relação dívida bruta/PIB) é ainda prioridade, ou estamos voltamos a namorar com a ideia de que o que nos falta é demanda efetiva?
É hora de deixar de "empurrar com a barriga" e terminar o "disse que me disse" dentro do Executivo e entre ele e o Legislativo. Quem deve preparar o Orçamento e tem condições de vetar os eventuais aumentos de despesas permanentes sem a criação da receita bem definida e permanente, produzidas pelo Legislativo, é o Executivo. E a justificativa é a sua evidente inconstitucionalidade. A presidente já declarou que apresentará uma solução razoável para o problema. A "solução razoável" sustentável no longo prazo fugirá, certamente, dos dois extremos: 1) o cômodo aumento da receita ¬ que aumentaria ainda mais a recessão, transformando-a numa estagnação permanente ¬ e prepararia um novo desequilíbrio; 2) um insensato corte das despesas que, pela falta de credibilidade do governo, aprofundaria a recessão e seria rejeitado preliminarmente nas urnas de 2016 e, definitivamente, em 2018, porque se revelaria uma não-solução, ou 3) por uma combinação adequada de um aumento condicionado de receita por prazo limitado para dar tempo a uma redução inteligente das despesas, ao mesmo tempo em que melhorará a eficiência na prestação dos serviços públicos. Hoje parece difícil acreditar, mas foi esse o programa que Dilma anunciou no primeiro dia, do seu primeiro mandato: "fazer mais com menos" e que abandonou depois de 2011.
A presidente tem razão quando diz que "não gosta da CPMF, porque ela tem inconvenientes" (veja-se o artigo da competente especialista Maria Helena Zockun, "A Regressividade da CPMF", in Informações Fipe, dezembro de 2007). É, entretanto, difícil de entender porque ainda não se aumentou a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) que tem fantásticas externalidades positivas (redutor de emissão de CO2 eq; gerador de energia renovável; redutor de importação de gasolina e ainda capaz de ampliar os investimentos e o emprego). Ela foi, lamentavelmente, anulada pela política míope de controlar os preços da gasolina e ajudou a destruir a Petrobras e todo o setor sucroenergético. O aumento tem sido discutido pela dinâmica ministra da Agricultura, Katia Abreu. Trata-se de um inteligente imposto ambiental sobre a gasolina, que tem a vantagem de corrigir na direção correta o consumo de combustível fóssil, uma das causas do aquecimento global.
O governo precisa tomar conhecimento do sofisticado e competente estudo preparado pela União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) sobre o assunto. Uma objeção possível à sugestão de elevar a Cide de R$ 0,10 para R$ 0,60 por litro de gasolina, que produziria um aumento da receita federal de aproximadamente R$ 15 bilhões (metade do que faltou para fechar o Orçamento) e de R$ 5 bilhões de ICMS, seria um aumento menor do que 0,9% na primeira casa decimal do IPCA. É, certamente, um inconveniente menor neste ano de generalizada correção dos preços que foram controlados diante do tremendo estímulo à solução dos problemas do setor, causados, exatamente, por aquele controle e que se esgotaria em 2015. Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA¬USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.