Cada enxadada, diversas minhocas

27/03/2020 Cana-de-Açúcar POR: Marino Guerra
Cada enxadada, diversas minhocas

Quando o cultivo do solo é mais importante que o próprio canavial

Muitas vezes aparecem figuras cuja utilidade é propagar vozes até então desconhecidas e surpreendentes. Suas práticas, logo de início, não são significativas para quem faz o uso habitual da atividade, mas sua forte razão fica inoculada e persiste até desabrochar e, então, como uma flor, surge o reconhecimento e a admiração de todos. Essa insistência é o resultado da personalidade daqueles que têm grande respeito próprio e, principalmente, conseguem gerar um amor indutivo por aquilo que não apenas têm ou fizeram, mas fazem constantemente.

Assim pode ser descrito o método de tocar o canavial de Paulo Roberto Pollini, que, ao lado do irmão, José Renato Pollini (responsável pelas finanças), e da filha, Beatriz Pollini (que atua na área de biológicos), desenvolve uma operação com números seguros de crescimento, cujo principal foco está na busca da qualidade do solo.

O enredo da história do trabalho tem como ponto inicial a realização do sonho de um patriarca que com o capital acumulado durante anos a fio, vindo do trabalho de uma loja de móveis em Santa Cruz das Palmeiras, conseguiu comprar uma propriedade rural em Casa Branca, que produzia laranja (cultura que na época atravessava tempos áureos).

Carregando o cromossomo “R” (de Roça) em seu DNA, Pollini assumiu a propriedade ainda nos tempos de citricultura e testemunhou a redução do pomar para a entrada dos grãos, configurando como um dos principais fatores a questão de preço que, em decorrência da concentração das indústrias, chegou ao absurdo do frete valer mais que o preço da caixa.

Beatriz Pollini, Paulo Roberto Pollini e José Bortolo Zavaglia - trio trabalha junto na implementação das melhorias

 As mudanças na lavoura não pararam por aí. Há cerca de 16 anos a família decidiu investir na formação de um canavial e para isso estabeleceu uma parceria, que perdura até hoje, com a Usina Ferrari.

Como manejo, a estratégia inicial não poderia ser outra e em decorrência da falta de conhecimento da cultura, eles seguiam a receita de bolo de cultivo adotado pela usina, fazendo o básico para entregar o mínimo suficiente.

Mas essa música não permaneceria apenas com os acordes básicos, sendo da natureza de Pollini buscar novos arranjos, como ele mesmo explica: “A laranja sempre exigiu de nós que estivéssemos dentro do pomar vistoriando e buscando novas técnicas na resolução dos problemas e na busca por ganho de produtividade”.

Mediante essa nova realidade, ele passou duas safras para entender a dinâmica da cultura e compreender que havia um verdadeiro oceano de possibilidades para conseguir entregar mais cana com peso maior e ainda enriquecer o seu ambiente.

Foi quando decidiu procurar novos manejos e, como medida de redução de custos, adotou como regra, que vigora até hoje, a realização de testes preliminares antes da entrada de uma nova técnica na rotina do canavial comercial, definindo essa postura como “Empírica”.

Fezes da minhoca que depois se transformarão no famoso húmus; cana que mesmo convivendo com algumas competidoras e enfrentando uma primavera seca manteve o padrão de tamanho dos colmos e vigor da touceira - tudo isso num talhão que está indo para o oitavo corte

Agricultor empírico

Para quem não sabe, o empirismo é uma teoria que afirma que o conhecimento sobre tudo no mundo vem apenas de experiências sensoriais, enfatizando o papel das evidências na formação de ideias. Uma pessoa empírica compreende que todas as hipóteses e teorias devem ser testadas, nunca assumindo uma conclusão intuitiva.

Perante essa postura, Pollini conta que não limita sua busca de conhecimento em continuar apenas com os experimentos bem-sucedidos, mas questiona o que não deu certo e não descansa até entender os motivos que levaram aquele resultado negativo.

Lógico que ele tem a perfeita noção de que não é o senhor do destino e em atividades agrícolas está exposto a “N” variáveis (políticas, econômicas, climáticas, entre outras), determinantes para mensurar o nível de bom humor  ao final da colheita.

Dentre elas, o produtor se recorda daquela que, talvez, seja a principal mudança desde que plantou o primeiro tolete. Em 2014, a usina que até então colhia a cana entre outubro e novembro, mudou o seu plano, antecipando a chegada das máquinas para os meses de maio, junho e julho.

Fato que a princípio foi encarado com grande apreensão porque todo o plantel varietal era configurado para o final de safra, causando quebra de produtividade. Porém, ao comparar com o que aconteceu no decorrer daquele ano, quando sua região foi vítima de uma terrível seca, e também as vantagens em se entregar a cana precoce, a mudança não foi apenas boa, mas ótima a longo prazo.

Como a sorte só produz consequências realmente positivas aos competentes, de modo que pouca coisa ou nada surtiria efeito com a virada na data de colheita se um modo novo de trabalhar a cana não tivesse sido implementado, o empírico agricultor desenvolveu um sistema de trabalho diferenciado, cujo maior foco é na manutenção do solo - algo raro de se encontrar nos canaviais, pois a cada enxadada não surge apenas uma, mas diversas minhocas.

Ele conta que dificilmente teria adotado as técnicas hoje em prática caso não tivesse trabalhado junto com o RTV da Copercana (Filial de Santa Cruz das Palmeiras), José Bortolo Zavaglia; e a filha bióloga, que atua na questão da sustentabilidade ambiental.

Dentre as diversas formas de repensar o manejo do solo desenvolvido pelo trio, um de maior destaque é a redução e, em alguns casos, a busca pela eliminação, do uso dos adubos convencionais químicos.

Nele, as canas plantas não sabem o significado das siglas NPK e MAP, os nutrientes disponibilizados para elas vêm de uma combinação variável (por talhão e também conforme as condições climáticas) formada por material orgânico (aqui entram compostagem, húmus gerados das minhocas e utilização de agentes biológicos), termofosfato calcinado e silicato de potássio.

Quando questionado sobre como pretende fazer a planta crescer sem a aplicação de nitrogênio puro, por exemplo, ele deu a seguinte resposta: “Alguém precisou adubar a floresta para ela nascer? Quem adubou a natureza? Eu trabalho no sentido de devolver para a cana o conhecimento perdido em retirar nitrogênio do ar e fixá-lo no solo, o que temos em abundância”.

Pensando no custo mais alto desses produtos, Pollini justifica que a diferença compensa devido a dois fatores: o primeiro é que as fontes naturais não trazem ao solo somente a quantidade pura do nutriente especificado (vem junto outros compostos importantes que estão na origem) e a segunda característica está na capacidade de lixiviação, já que os produtos comoditizados permanecem por um tempo menor devido à sua alta capacidade de escoamento, exigindo assim, quantidades maiores do material e pouca eficiência ao longo de todo o ano.

Nessa estratégia, ainda 100% da rotação de cultura é feita com crotalária, sendo que dentre as três plantas mais utilizadas para a ocasião - amendoim e soja são as outras duas - ela é a que deixa mais matéria orgânica, inclusive nitrogênio no solo.

Crotalária spectabillis - variedade do adubo verde que cresce menos. Será com ela que o produtor realizará o teste de plantio direto de cana, com a cultura em pé, sem dessecagem

Sobre o aspecto de abrir mão de um plantio que o remunere, Pollini desenvolveu o seguinte raciocínio: “Sou produtor de cana, meu maquinário e conhecimento são dessa lavoura e, para ajudar, na nossa região há um agravante, pois são poucos sojicultores, o que inviabiliza uma eventual parceria. Contudo, eu e meu irmão já fizemos cálculos para comparar o valor de investimento e risco (climático e de preço) com o benefício da adubação verde para o solo. Os resultados foram semelhantes”.

Sua convicção quanto à adoção da crotalária é tão grande que ele planeja executar testes de plantio direto da cana em área com adubação verde. Para isso, serão utilizadas áreas com a variedade “spectabillis”, pois seu porte menor não fará sombra para a brotação da cana.

O preparo de solo é feito de maneira convencional e a soqueira é eliminada através de dessecação, grade e subsolagem. Quando há pressão de invasoras, é dado um tempo para as mesmas nascerem e então entrar com herbicida, visando à redução do banco de sementes.

Um detalhe nesse momento está ligado à voçoroca (tipo de erosão), fenômeno corriqueiro na área rural de Casa Branca em decorrência do seu perfil de solo, o que obriga, segundo o produtor, a trabalhar o preparo do terreno com cuidado redobrado.

As mudas são obtidas através de um sistema de cantosi e instaladas próximas da área de reforma, além de serem advindas de fornecedores com certificados de sanidade. O plantio é semimecanizado de cana inteira colocada solitariamente no sulco.

O argumento para utilizar o sistema pé/ponta é a questão da formação de bolsão de ar quando uma cana fica ao lado da outra na cova, o que pode ocasionar diversos problemas de podridão em decorrência da oxidação, além do nascimento de mais de seis perfilhos (média da propriedade por broto), gerando concorrência por nutrientes e sol.

O resultado desse trabalho é a retirada de muda com oito meses de vida, multiplicando-se em cerca de dez vezes para um canavial comercial.

A grande virtude de uma pessoa empírica é conseguir fugir das opiniões industrializadas que vêm dos radicais. Assim, o produtor também faz uso de ferramentas químicas em seu canavial como, por exemplo, no combate ao Sphenophorus, praga que devido à alta pressão na região, segundo o agrônomo Bortolo, não pode ser descuidada.

Como armas nessa guerra, seja no corte de soqueira ou no plantio, Pollini faz uso do fipronil. Na cigarrinha, ele também trabalha de forma intensa. Já para broca, sua proteção está novamente na adubação e, em especial, através do uso do silicato de potássio, o que reforça de tal maneira a parede do colmo que a broca não consegue fazer o buraco e entrar.

Uma última regra adotada na fazenda para a escolha das ferramentas de controle de pragas é a questão da preservação dos inimigos naturais. Sendo assim, a escolha por produtos não seletivos é proibida.

No caso das plantas daninhas a estratégia é uma aplicação em superfície na pré-emergência e, posteriormente, catações químicas. Por intermédio do seu trabalho de preservação da microbiota do solo, Pollini não incorpora o defensivo, especialmente nos talhões de maior idade, pois como a terra é rica em nutrientes, julga não ser necessário adotar a política de mato-zero. “Tenho locais que têm comida para a cana e para algumas daninhas, dá para elas conviverem” diz o produtor. No entanto, ele destaca que sempre está atento para não deixar as mais agressivas e as que causam problemas na colheita participarem desse banquete.

Mais um experimento

Um solo bem nutrido ao ponto de ter uma população vigorosa de minhoca é importante, mas de nada adiantaria esses anos de estudo e todo investimento se a colheita fosse feita de maneira agressiva. Com plena consciência disso, mais uma vez foi colocado em prática um experimento que acabou se incorporando na rotina operacional.

Trata-se de um processo de auditoria no qual o produtor vai junto com o operador da colhedora (dentro da cabine) usando um aplicativo (Field Area) que mede a distância percorrida durante o enchimento de um transbordo, repetindo o trabalho em três ou quatro pontos de cada talhão.

Ao dividir a capacidade (peso) do transbordo pela distância percorrida e depois transformando esse número em hectare, é possível identificar qual a produtividade daquele trabalho. O surgimento de um número discrepante pode ser um forte indício de que algo esteja errado, dando tempo hábil para uma revisão antes que o estrago seja maior.

Outra vantagem em estar dentro da cabine de colheita é entender o que o operador está passando e também fazer uma leitura exata do desempenho da máquina.

Para finalizar, a prática ainda traz uma visão única do interior do talhão, o que pode ser importante para identificar e marcar a exata localização de uma reboleira de folha larga, por exemplo, e assim realizar um trabalho de controle do banco de sementes ainda em pré-emergência.

No momento mais profundo da conversa surge a grande força que alimenta toda a execução desse trabalho tão meticuloso. “Eu sou um apaixonado por aquilo que faço, me dá prazer melhorar cada vez mais não só em minha cana, mas no ambiente em que vivo. O meu sítio é parte da minha vida e da minha família, aqui eu tiro o meu sustento, mas não só isso, aqui  passo a maior parte do meu tempo, consumo a água e o ar daqui, e ninguém quer consumir esses elementos essenciais para a vida sujos”.

Como a melhor forma de prosperar na vida é fazer aquilo que se ama, os resultados também já apareceram e nas últimas safras Polloni conseguiu expandir em 100% o tamanho de seu canavial.

Em tempo: na propriedade há outra atividade, a locação de um espaço de eventos e todos os dejetos, desde os recicláveis até o esgoto, têm sua destinação própria. Isso prova que é possível ter rentabilidade com sustentabilidade.

RB966928, plantada em maio; RB985476, plantada em abril e RB965902 - variedades que vão para o primeiro corte/muda e não receberam um grama de nitrogênio sintético