A Fazenda Santa Heloisa, em Taquaritinga (SP), que há 110 anos pertence à família de Walter Valério Neto, já abrigou lavouras de café na década de 1930, foi integralmente convertida para a citricultura na década de 1970 e há dez anos começou a ceder espaço para a cana-de-açúcar, que atualmente ocupa 60% dos 242 hectares destinados à agricultura.
"Este ano estou abrindo mais 48 hectares para a cana",diz Neto, que no mês de janeiro arrancou e queimou centenas de pés de laranja para preparar a terra para o plantio dos novos canaviais. A motivação para a mudança é simples. "A laranja está no vermelho, já a cana dá lucro", resume o agricultor.
Em geral, essa é a linha de pensamento que vem fazendo centenas de citricultores abrir as porteiras de suas fazendas para a cana. Na região central do Estado de São Paulo, onde o município de Taquaritinga e outras 59 cidades respondem por 35% da safra paulista de laranja, o assédio aos citricultores é quase irresistível.
"Há três usinas de açúcar e álcool na região, e a necessidade de expandir os canaviais, somada às dificuldades dos citricultores - que estão tendo de eliminar parte dos pomares, por conta do greening (a pior doença dos citros do mundo) -, tem feito muita gente trocar a laranja pela cana", diz Marco Antonio dos Santos, presidente do Sindicato Rural de Taquaritinga e da Câmara Setorial da Laranja.
"Além disso, as áreas cultivadas com laranja recebem calcário, adubo e esterco com grande frequência, e a cana que é plantada nessas propriedades se desenvolve muito bem", diz Santos. O agricultor que planta cana para a usina é remunerado de acordo com a produtividade de suas lavouras. Por esse motivo, a expectativa de um bom desenvolvimento das plantações é determinante na decisão de substituir pomares por canaviais.
"No caso da laranja, atualmente as boas produtividades penalizam os agricultores", diz Neto, que no ano passado deixou de colher 50 mil caixas (de 40,8 quilos) de laranja precoce porque as indústrias de suco deixaram de comprar parte da produção no início da safra.
A safra brasileira de citros rendeu 364 milhões de caixas, mas, com o consumo mundial de suco em queda e os estoques internos em alta, a indústria não conseguiu comprar toda a produção disponível, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (Citrus BR). O setor industrial conseguiu prorrogar no meio de 2012 uma linha de financiamento para a estocagem do produto, e com isso a indústria adquiriu 40 milhões de caixas a mais do que previa no início da safra, reduzindo o prejuízo do setor para 40 milhões de caixas que deixarão de ser colhidas até abril deste ano.
Diogo Davoglio queria plantar 150 mil novas mudas de laranja, mas não conseguiu financiamento."Foi a primeira vez na história do setor que as indústrias deixaram de comprar parte da safra", diz o produtor Diogo Davoglio, de Taquaritinga. A família dele tem longa tradição no cultivo de laranja. Apesar disso, hoje ele vê a cana como única opção viável comercialmente.
"Inserimos a cana em nossa propriedade na década de 1970 para diversificar, mas hoje ela é nossa principal opção", diz Davoglio, que divide a área da família, de 4.000 hectares, entre cana (60%), laranja (30%), milho e amendoim (10%).
Além das dificuldades relativas às doenças como o greening e da incerteza sobre como será o comportamento da indústria de suco este ano, a falta de financiamentos para o setor tem contribuído para a redução da área plantada no Estado de São Paulo - maior produtor mundial -, que, segundo levantamento do Instituto de Economia Agrícola (IEA), chegou a 556.380 hectares na safra 2011/2012, dos quais 495.310 estavam em produção, em comparação com os 800.000 hectares registrados na década de 1990. Estimativas do mercado indicam que na safra 2012/2013 outros 100.000 hectares de laranja serão substituídos por outras culturas, dentre as quais se destaca a cana.
"Eu pretendia plantar mais 150 mil árvores de laranja este ano em uma área onde precisava reformar o canavial, mas não consegui financiamento", conta Davoglio, que no ano passado foi um dos poucos citricultores que não deixaram parte da produção apodrecer no pé. "Entramos na Justiça para forçar a indústria de suco a receber nossa produção", conta.
Usinas do centro-sul do país investem no campo para reduzir a capacidade ociosaJá o produtor Carlos Alberto Grigolli, que deixou de colher 12 mil caixas de laranja precoce no ano passado, não pretende passar pela mesma situação este ano.
"Vou ampliar em 40% a área destinada à cana neste ano", diz o produtor, que começou a reduzir a área de laranja oito anos atrás. "Este ano vou cultivar 68 hectares com cana e 15 com laranja", conta Grigolli, que ainda não sabe a que preço vai vender sua safra de laranja este ano. "Já no caso da cana, a segurança é maior, visto que sei como os preços serão formados", diz.
A expansão da cana sobre a laranja reflete o aumento dos investimentos do segmento sucroenergético no campo, fruto da necessidade de renovação dos canaviais brasileiros, que, envelhecidos, registraram baixa produtividade em 2010 e 2011. De acordo com cálculos de Julio Maria Borges, da JOB Consultoria, na safra 2012/2013, juntas, as áreas de renovação e expansão atingiram 20% da área total cultivada na região centro-sul.
"A renovação somou 12% e a expansão 8%. Estas taxas são baixas se comparadas aos anos mais eufóricos do setor, mas já estão possibilitando às usinas ocuparem suas capacidades ociosas", diz Borges.
Segundo cálculos da Agroconsult, a idade média dos canaviais brasileiros se situou em 3,55 anos na safra 2012/2013. "A idade ideal é 3,2 anos e talvez consigamos atingi-la em 2014/2015", avalia Fábio Meneghin, analista da Agroconsult. Se no campo os investimentos estão acontecendo, na indústria ainda não. Isso porque há capacidade ociosa entre 130 milhões e 150 milhões de toneladas no Brasil. "É bem possível que essa capacidade seja suprida na safra 2014/2015", diz Meneghin.
No que depender da sinalização do governo federal, a perspectiva é que as usinas operem a plena capacidade na safra 2013/2014, que começa em abril. Isso porque, além de anunciar a possibilidade de aumento da mistura de etanol anidro à gasolina, dos atuais 20% para 25% a partir de abril, o que deve gerar uma pressão sobre a oferta de etanol, o governo terá de mexer nos preços da gasolina para ajudar a equilibrar as contas da Petrobras, situação que também vai gerar pressão altista sobre os preços do etanol.
"A queda no consumo interno de etanol hidratado registrada em 2012 vai se reverter este ano", afirma Borges. Além disso, as exportações para os Estados Unidos vão crescer 1 bilhão de litros no período, podendo totalizar 4,4 bilhões de litros este ano.
No caso do açúcar, os preços podem não ser tão bons quanto os de 2013, mas também não devem cair. "Entre 2008 e 2011, a cotação do açúcar registrou alta de 120%, alcançando o patamar de 27,1 centavos de dólar por libra-peso. Já em 2012, os preços caíram para 21 centavos, mas, ainda assim, permaneceram remuneradores, e a tendência é que se situem em 19 centavos este ano, o que deve ajudar a manter o equilíbrio do mix de produção do setor", avalia o consultor Fábio Silveira, da RC Consultores. De acordo com dados da UNICA, a proporção de cana destinada à produção de etanol foi de 50,38% na safra 2012/2013.
Luciana Franco
A Fazenda Santa Heloisa, em Taquaritinga (SP), que há 110 anos pertence à família de Walter Valério Neto, já abrigou lavouras de café na década de 1930, foi integralmente convertida para a citricultura na década de 1970 e há dez anos começou a ceder espaço para a cana-de-açúcar, que atualmente ocupa 60% dos 242 hectares destinados à agricultura.
"Este ano estou abrindo mais 48 hectares para a cana",diz Neto, que no mês de janeiro arrancou e queimou centenas de pés de laranja para preparar a terra para o plantio dos novos canaviais. A motivação para a mudança é simples. "A laranja está no vermelho, já a cana dá lucro", resume o agricultor.
Em geral, essa é a linha de pensamento que vem fazendo centenas de citricultores abrir as porteiras de suas fazendas para a cana. Na região central do Estado de São Paulo, onde o município de Taquaritinga e outras 59 cidades respondem por 35% da safra paulista de laranja, o assédio aos citricultores é quase irresistível.
"Há três usinas de açúcar e álcool na região, e a necessidade de expandir os canaviais, somada às dificuldades dos citricultores - que estão tendo de eliminar parte dos pomares, por conta do greening (a pior doença dos citros do mundo) -, tem feito muita gente trocar a laranja pela cana", diz Marco Antonio dos Santos, presidente do Sindicato Rural de Taquaritinga e da Câmara Setorial da Laranja.
"Além disso, as áreas cultivadas com laranja recebem calcário, adubo e esterco com grande frequência, e a cana que é plantada nessas propriedades se desenvolve muito bem", diz Santos. O agricultor que planta cana para a usina é remunerado de acordo com a produtividade de suas lavouras. Por esse motivo, a expectativa de um bom desenvolvimento das plantações é determinante na decisão de substituir pomares por canaviais.
"No caso da laranja, atualmente as boas produtividades penalizam os agricultores", diz Neto, que no ano passado deixou de colher 50 mil caixas (de 40,8 quilos) de laranja precoce porque as indústrias de suco deixaram de comprar parte da produção no início da safra.
A safra brasileira de citros rendeu 364 milhões de caixas, mas, com o consumo mundial de suco em queda e os estoques internos em alta, a indústria não conseguiu comprar toda a produção disponível, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (Citrus BR). O setor industrial conseguiu prorrogar no meio de 2012 uma linha de financiamento para a estocagem do produto, e com isso a indústria adquiriu 40 milhões de caixas a mais do que previa no início da safra, reduzindo o prejuízo do setor para 40 milhões de caixas que deixarão de ser colhidas até abril deste ano.
Diogo Davoglio queria plantar 150 mil novas mudas de laranja, mas não conseguiu financiamento."Foi a primeira vez na história do setor que as indústrias deixaram de comprar parte da safra", diz o produtor Diogo Davoglio, de Taquaritinga. A família dele tem longa tradição no cultivo de laranja. Apesar disso, hoje ele vê a cana como única opção viável comercialmente.
"Inserimos a cana em nossa propriedade na década de 1970 para diversificar, mas hoje ela é nossa principal opção", diz Davoglio, que divide a área da família, de 4.000 hectares, entre cana (60%), laranja (30%), milho e amendoim (10%).
Além das dificuldades relativas às doenças como o greening e da incerteza sobre como será o comportamento da indústria de suco este ano, a falta de financiamentos para o setor tem contribuído para a redução da área plantada no Estado de São Paulo - maior produtor mundial -, que, segundo levantamento do Instituto de Economia Agrícola (IEA), chegou a 556.380 hectares na safra 2011/2012, dos quais 495.310 estavam em produção, em comparação com os 800.000 hectares registrados na década de 1990. Estimativas do mercado indicam que na safra 2012/2013 outros 100.000 hectares de laranja serão substituídos por outras culturas, dentre as quais se destaca a cana.
"Eu pretendia plantar mais 150 mil árvores de laranja este ano em uma área onde precisava reformar o canavial, mas não consegui financiamento", conta Davoglio, que no ano passado foi um dos poucos citricultores que não deixaram parte da produção apodrecer no pé. "Entramos na Justiça para forçar a indústria de suco a receber nossa produção", conta.
Usinas do centro-sul do país investem no campo para reduzir a capacidade ociosaJá o produtor Carlos Alberto Grigolli, que deixou de colher 12 mil caixas de laranja precoce no ano passado, não pretende passar pela mesma situação este ano.
"Vou ampliar em 40% a área destinada à cana neste ano", diz o produtor, que começou a reduzir a área de laranja oito anos atrás. "Este ano vou cultivar 68 hectares com cana e 15 com laranja", conta Grigolli, que ainda não sabe a que preço vai vender sua safra de laranja este ano. "Já no caso da cana, a segurança é maior, visto que sei como os preços serão formados", diz.
A expansão da cana sobre a laranja reflete o aumento dos investimentos do segmento sucroenergético no campo, fruto da necessidade de renovação dos canaviais brasileiros, que, envelhecidos, registraram baixa produtividade em 2010 e 2011. De acordo com cálculos de Julio Maria Borges, da JOB Consultoria, na safra 2012/2013, juntas, as áreas de renovação e expansão atingiram 20% da área total cultivada na região centro-sul.
"A renovação somou 12% e a expansão 8%. Estas taxas são baixas se comparadas aos anos mais eufóricos do setor, mas já estão possibilitando às usinas ocuparem suas capacidades ociosas", diz Borges.
Segundo cálculos da Agroconsult, a idade média dos canaviais brasileiros se situou em 3,55 anos na safra 2012/2013. "A idade ideal é 3,2 anos e talvez consigamos atingi-la em 2014/2015", avalia Fábio Meneghin, analista da Agroconsult. Se no campo os investimentos estão acontecendo, na indústria ainda não. Isso porque há capacidade ociosa entre 130 milhões e 150 milhões de toneladas no Brasil. "É bem possível que essa capacidade seja suprida na safra 2014/2015", diz Meneghin.
No que depender da sinalização do governo federal, a perspectiva é que as usinas operem a plena capacidade na safra 2013/2014, que começa em abril. Isso porque, além de anunciar a possibilidade de aumento da mistura de etanol anidro à gasolina, dos atuais 20% para 25% a partir de abril, o que deve gerar uma pressão sobre a oferta de etanol, o governo terá de mexer nos preços da gasolina para ajudar a equilibrar as contas da Petrobras, situação que também vai gerar pressão altista sobre os preços do etanol.
"A queda no consumo interno de etanol hidratado registrada em 2012 vai se reverter este ano", afirma Borges. Além disso, as exportações para os Estados Unidos vão crescer 1 bilhão de litros no período, podendo totalizar 4,4 bilhões de litros este ano.
No caso do açúcar, os preços podem não ser tão bons quanto os de 2013, mas também não devem cair. "Entre 2008 e 2011, a cotação do açúcar registrou alta de 120%, alcançando o patamar de 27,1 centavos de dólar por libra-peso. Já em 2012, os preços caíram para 21 centavos, mas, ainda assim, permaneceram remuneradores, e a tendência é que se situem em 19 centavos este ano, o que deve ajudar a manter o equilíbrio do mix de produção do setor", avalia o consultor Fábio Silveira, da RC Consultores. De acordo com dados da UNICA, a proporção de cana destinada à produção de etanol foi de 50,38% na safra 2012/2013.
Luciana Franco