Censo com bom senso

06/07/2020 Cana-de-Açúcar POR: Diana Nascimento

Entrevista com: Rubens Leite do Canto Braga Júnior (proprietário da RBJ Consult e consultor do IAC)

Bacharel em Estatística pela Universidade Federal de São Carlos-Ufscar, mestre em Estatística e Experimentação Agronômica pela Esalq/USP e MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas-FGV, Rubens Braga Júnior começou a trabalhar no Centro de Tecnologia Copersucar (atual CTC) em 1987, fazendo as análises estatísticas dos ensaios do programa de melhoramento, realizando o censo varietal e gerindo o banco de dados experimentais.

Nesse período, ocupou cargos de liderança e capacitou-se em Planejamento Estratégico voltado para a gestão de programas de melhoramento varietal.

Sua experiência na área o levou a iniciar a carreira de consultor e, desde 2016, ao fechar uma parceria com o Programa Cana IAC (ligado à Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo), desenvolve o seu trabalho junto às usinas e produtores.

Seu estudo é importante para o setor canavieiro, pois classifica os diversos índices de qualidade para variedades como, por exemplo, concentração, atualização e maturação varietal, que definem estrategicamente o posicionamento nas principais regiões produtoras de cana-de-açúcar do país.

Na entrevista a seguir, ele pontua sobre as mudanças observadas, técnicas de plantio, entraves para a escolha de variedades e outras questões. Acompanhe:

Revista Canavieiros: Desde que começou a trabalhar no setor canavieiro, na década de 80, o que mudou?

Rubens Braga Junior: As mudanças no setor foram enormes nesse período. Para destacar, o aspecto que considero mais importante é a evolução da mecanização, ocorrida a partir da virada para o século 21 quando, em 15 anos, a colheita mecanizada ocupou praticamente a totalidade das áreas canavieiras da região Centro-Sul do Brasil, que representam 90% do cultivo da cana no país. Essa rápida transformação, com o acréscimo de outros fatores, provocou uma queda na produtividade que perdurou por toda a última década. Atualmente, tecnologias avançadas como o manejo do 3º Eixo, preconizado pelo Programa Cana IAC, estão fazendo uma revolução nos canaviais, aumentando a produtividade de forma significativa nas empresas que adotaram esse sistema.

Revista Canavieiros: Em relação ao plantio de cana, quais as mudanças e práticas observadas?

Braga Júnior: Com a redução e o encarecimento da mão de obra e, ainda, com a criação de novas máquinas plantadoras, o plantio da cana-de-açúcar também sofreu uma grande modificação nesses 33 anos em que trabalho no setor. A primeira grande mudança aconteceu no mais recente período de expansão da canavicultura, que se deu de 2003 a 2009, com a chegada do plantio mecânico, que é responsável por grande parte do plantio atual.

Na última década, gostaria de ressaltar um fenômeno que está provocando uma nova mudança nesse processo. Com o surgimento das mudas pré-brotadas (MPB), tecnologia desenvolvida pelo Programa Cana IAC, houve uma volta do uso da meiosi, método desenvolvido na década de 80 e que induziu ao aumento recente do uso de mão de obra para gerar maior rendimento. Essa transformação está provocando uma volta do plantio manual.

Uma pesquisa que acaba de ser realizada pelo IAC, em mais de 700 mil hectares de áreas de renovação, indica que 35% dessas áreas serão plantadas manualmente em 2020. Esses dados demonstram que as empresas produtoras de máquinas agrícolas precisam melhorar rapidamente seus equipamentos, sob pena de continuar perdendo mercado para o plantio manual.

Revista Canavieiros: Como o senhor vê o plantio de cana daqui a alguns anos?

Braga Júnior: O sistema MPB tem crescido de forma significativa nas empresas produtoras de cana-de-açúcar. Segundo a nossa pesquisa, já deve ser responsável por aproximadamente 10% das áreas de renovação, sendo que 87% das empresas pesquisadas disseram que irão utilizar essa tecnologia em 2020. O MPB reduz o risco de transmissão e propagação de doenças e pragas, promovendo aumento de produtividade das futuras colheitas. Além disso, essa é uma tecnologia relativamente simples, constatada pela grande participação de produção interna das empresas no processo de produção (62% das MPBs plantadas em 2020 virão de produção própria).

Atualmente, uma grande parte do plantio das MPBs é realizada manualmente, o que indica o grande desafio que empresas de plantadoras de cana têm, na meta de produzirem equipamentos que promovam plantios de alta qualidade com uma quantidade mínima de “colmos semente”.

Revista Canavieiros: A meiosi tem sido bastante empregada. Acredita que outro sistema possa substituí-la no futuro?

Braga Júnior: Segundo a pesquisa que realizamos no início deste ano, 28% das áreas de plantio comercial em 2020 serão oriundas da meiosi. Isso representa um crescimento de 42% em relação ao ano anterior, mostrando que essa tecnologia, associada ao MPB, está em franca expansão. A meiosi possibilita o plantio de uma cultura intercalar de ciclo mais curto, reduzindo os custos de renovação dos canaviais e aumentando a produtividade ao longo dos cortes.

Outra nova tecnologia que promete revolucionar o sistema de plantio são as sementes artificiais Plene Emerald da Syngenta, que já começam a dar os primeiros sinais de uso entre as empresas produtoras. Se esse sistema se mostrar eficiente, teremos mais uma grande opção para o processo de renovação dos canaviais, melhorando a logística e reduzindo custos da operação.

Revista Canavieiros: E sobre a cantosi?

Braga Júnior: O sistema de plantio em cantosi também está tendo uma participação interessante entre as empresas com dificuldade em relação à falta de mão de obra para o plantio da cana, uma vez que aproxima os viveiros das áreas de plantio comercial, permitindo a mecanização do processo e reduzindo custos de transporte. Segundo pesquisa realizada em 145 empresas de todo o Brasil, 7% das áreas de renovação serão oriundas desse sistema.

Revista Canavieiros: Com o início de seus estudos sobre a renovação dos canaviais brasileiros e as variedades utilizadas, o que pode ser destacado e tido como principal ponto de atenção?

Braga Júnior: A renovação dos canaviais é uma das atividades mais custosas do processo produtivo da cana-de-açúcar. Segundo o Portal de Educação a Distância do Pecege, o plantio representa 21% do custo agrícola de uma lavoura de cana-de-açúcar. Desse modo, em períodos de falta de recursos, a renovação tende a diminuir. Na média histórica das últimas 30 safras na região Centro-Sul, 17% das áreas foram ocupadas pelo plantio (considerando as canas de ano e meio, inverno e ano). Analisando as últimas cinco safras, as áreas de renovação ficaram abaixo dessa proporção, mostrando que os produtores estão tendo dificuldade em renovar seus canaviais.

Revista Canavieiros: O setor pode ser considerado "rico" em variedades, com um leque de opções para todos os ambientes de produção? Fale um pouco mais sobre isso, por favor.

Braga Júnior: Os três programas de melhoramento nacionais: CTC (Centro de Tecnologia Canavieira), Instituto Agronômico (IAC) de Campinas e Ridesa (Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético) liberaram para o plantio comercial, nos últimos dez anos, mais de 50 variedades para os mais diversos manejos e ambientes de produção. Esse amplo “cardápio” de cultivares tem a capacidade de atender a todos os produtores do nosso país. Essas variedades tendem a ser mais modernas, com rápido nascimento, fechamento de entrelinha, alto perfilhamento e porte ereto, pois são adaptadas à mecanização que ocorre nos processos de plantio e colheita para a maioria dos produtores brasileiros. Novas tecnologias como, por exemplo, a transgenia, têm o potencial de melhorar, ainda mais, a resposta gerada por essas novas variedades.

Revista Canavieiros: Em sua opinião, o uso de algumas variedades é um fator importante para a baixa produtividade? Por quê?

Braga Júnior: Infelizmente nosso setor tem demorado muito na substituição das suas variedades. A realização do Censo Varietal IAC nos permite avaliar esse processo, que pode ser medido pelo IAV (Índice de Atualização Varietal). Esse índice mostra que ainda estamos usando variedades muito antigas, pois nas últimas três safras ele obteve valores próximos a 9, ou seja, na média, entre o cruzamento das variedades e o plantio comercial estamos demorando 29 anos, quando o ideal seria estar abaixo de 25 anos. Um estudo do CTC mostrou que a cada década de melhoramento varietal cresce em torno de 20% a produtividade das novas variedades, em toneladas de cana por hectare. Desse modo, uma parte das baixas produtividades ocorridas nos últimos dez anos pode ser creditada ao uso de variedades antigas.

Revista Canavieiros: Durante a realização dos Censos Varietais, o senhor encontrou algumas características ou particularidades importantes ou curiosas nas regiões, nos métodos de plantio ou até mesmo sobre as variedades? Se sim, quais?

Braga Júnior: Em relação aos métodos de plantio, apesar do plantio mecanizado ser amplamente utilizado (65% das áreas de plantio em 2020), na maioria dos estados produtores existe diferença de proporções no uso dessa tecnologia. Considerando os cinco maiores estados produtores, o Estado de Goiás se destaca com 82% das áreas de renovação com plantio mecanizado, seguido do Mato Grosso do Sul e Paraná, com 72% e 71%, respectivamente e, numa outra faixa, São Paulo e Minas Gerais, com 63% e 62% de plantio mecanizado, respectivamente, conforme resultados da nossa pesquisa.

Outro aspecto importante que deve ser considerado em relação às variedades se refere à concentração varietal. Produtores que têm a sua área altamente concentrada em poucas variedades aumentam o seu risco biológico em função do possível aparecimento de novas doenças. Felizmente, a concentração varietal, medida pelo ICVA (Índice de Concentração Varietal Ajustado) tem diminuído na região Centro-Sul do país nas últimas cinco safras. Regionalmente, os dados coletados no Censo Varietal IAC mostraram que o Estado de São Paulo se destaca como de menor nível de concentração varietal (ICVA = 0,50), muito próximo ao ideal, enquanto que o Estado do Paraná ainda apresenta uma concentração varietal em poucas variedades elevada (ICVA = 1,18), aumentando o seu risco.

Revista Canavieiros: Qual a principal dificuldade das usinas e dos produtores de cana para configurar e decidir o seu plantel varietal?

Braga Júnior: A existência de um grande número de variedades, passíveis de escolha, dificulta o trabalho dos profissionais responsáveis nas empresas. A tendência atual é a de utilizar as variedades mais antigas, devido ao maior conhecimento de suas características. Essa, com certeza, não é a melhor estratégia. Os números mostram que as usinas e produtores que ousaram substituir suas variedades antigas por variedades modernas, com informações baseadas em ampla experimentação realizada pelos programas de melhoramento, estão obtendo excelentes resultados, garantindo a sustentabilidade do seu negócio.

Revista Canavieiros: Que dicas o senhor daria para o produtor de cana em relação ao uso de variedades e métodos de plantio?

Braga Júnior: O produtor precisa estar “antenado” para as novas tecnologias que estão sendo geradas pelos pesquisadores dos programas de melhoramento e pelas empresas voltadas para o setor canavieiro, para que possa ser rápido na introdução dessas tecnologias nos seus canaviais. Já existem casos de produtores obtendo mais de 15 toneladas de açúcar por hectare, na média de cinco cortes, com a utilização das melhores práticas agrícolas e a adoção do manejo do 3º Eixo.

Revista Canavieiros: Como deve ser o censo varietal da safra 20/21?

Braga Júnior: Na safra 2019/20, o Censo Varietal IAC atingiu uma área de aproximadamente 6,5 milhões de hectares recenseados em todo o Brasil, o que o coloca, pelo quarto ano consecutivo, como o maior levantamento varietal do país. Iniciaremos o Censo Varietal – Safra 2020/21 para a região Centro-Sul no início de maio de 2020 e esperamos contar, novamente, com as mais de 260 empresas parcerias, que confiam no nosso trabalho e nos abastecem com informações que permitem realizar importantes análises estratégicas para o setor sucroenergético.

Em relação às variedades, os dados indicam para a Safra 20/21, uma retração das áreas das variedades RB867515, RB855453 e SP81-3250 e um crescimento das áreas das variedades RB966928, CTC4, CTC9001 e IACSP95-5094.

Revista Canavieiros: Esse momento de pandemia pode influenciar em algo na escolha das variedades?

Braga Júnior: A pandemia afetou o setor sucroenergético de maneira drástica. Vamos torcer para que o nosso governo reconheça as necessidades do setor em relação à Cide, PIS/Cofins e financiamento para a estocagem do etanol. Em função da imprevisibilidade, provavelmente teremos uma redução nas áreas de plantio, provocada pela redução de custos e, infelizmente, isso deve atrasar a modernização do “plantel varietal” entre os produtores.