Censo varietal como ferramenta para o melhoramento genético da cana-de-açúcar
20/06/2019
Agronegócio
POR: Revista Canavieiros
Buscar variedades mais produtivas e ricas em açúcar: esse é o objetivo dos programas de melhoramento genético da cana-de-açúcar. A primeira impressão é a de que se trata de uma tarefa simples. Entretanto, o grande desafio dos programas é entender as demandas atuais e futuras do setor produtivo e, com essas informações, direcionar o processo de seleção de novas variedades.
Uma ferramenta que pode ser útil nesse sentido é o censo varietal, que consiste em quantificar a participação das variedades nas áreas de cultivo. Os programas de melhoramento, baseados no censo varietal, conseguem traçar tendências de aumento ou redução de participação das variedades. Mais do que isso, quando analisado em escala regional, o censo auxilia na recomendação de variedades em condições edafoclimáticas específicas.
O PMGCA/UFSCar (Programa de Melhoramento Genético de Cana-de-açúcar da Universidade Federal de São Carlos), que junto com outras nove Universidades Federais integra a Ridesa (Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético), realizou um censo varietal em 2018, que contou com informações de 3,7 milhões de hectares, em 125 unidades produtoras dos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. As dez variedades mais cultivadas são apresentadas na tabela 1.
Tabela 1 – Dez variedades de cana-de-açúcar mais cultivadas em São Paulo e Mato Grosso do Sul em 2018 (dados de 125 unidades, 3,7 milhões de hectares)
Os dados da tabela 1 mostram a predominância de duas variedades: RB867515, com 20,4% de participação, e RB966928, com 15,3%. Além delas, apenas três variedades apresentaram percentual superior a 5%: CTC4, RB92579 e RB855156. Juntas, as cinco variedades mais cultivadas ocuparam 55,7% da área estudada.
Apesar de fornecer informações importantes, a análise isolada da tabela 1 não é suficiente para entender quais as características mais buscadas pelos produtores nas variedades de cana-de-açúcar. Isso só é possível com uma análise comparativa entre censos realizados em diferentes anos. No presente artigo, serão comparados os censos de 2008 e de 2018, ambos conduzidos em São Paulo e Mato Grosso do Sul pelo PMGCA/UFSCar. As dez variedades mais cultivadas em 2008 e a situação das mesmas em 2018 são apresentadas na tabela 2.
Tabela 2 – Dez variedades de cana-de-açúcar mais cultivadas nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul em 2008 (dados de 118 unidades, 3,1 milhões de hectares)
A tabela 2 mostra que, das dez variedades mais cultivadas em 2008, seis permaneceram nessa condição em 2018: RB867515, SP81-3250, RB855453, SP83-2847, RB855536 e RB855156. Destas, quatro apresentaram queda de participação: SP81-3250, RB855453, SP83-2847 e RB855536. Esses resultados já eram esperados, pois em dez anos outras variedades naturalmente ganhariam espaço.
Dentre as variedades que permaneceram entre as dez mais cultivadas em 2018, a maior redução de área foi observada na SP81-3250, motivada pela sua suscetibilidade à ferrugem alaranjada. Por isso, espera-se que essa variedade deixe o ranking das mais cultivadas já no próximo ano. As demais variedades, mesmo apresentando redução de área, continuarão em cultivo, pois possuem características desejadas pelo setor produtivo, tais como: RB855453 - porte ereto, que aumenta o rendimento da colheita mecanizada, e riqueza em açúcar; SP83-2847 - boa performance em ambientes restritivos; RB855536 - excelente brotação sob colheita mecanizada crua e riqueza em açúcar.
Mais duas variedades permaneceram entre as dez mais cultivadas em 2018: RB867515 e RB855156. O percentual da RB867515 pouco se alterou, porém, ao longo desses dez anos, chegou a quase 30% da área e, de alguns anos para cá, vem apresentando queda de participação. Apesar disso, sua excelente performance em ambientes restritivos, aliada à sua riqueza em açúcar, fará com que a RB867515 continue entre as mais cultivadas nos próximos anos. Já a RB855156 foi a única que teve um aumento de participação dentre as que permaneceram entre as dez mais cultivadas. Seus pontos fortes são a longevidade e, principalmente, a precocidade. Unidades produtoras com bons níveis de ATR no início de safra têm, na sua maioria, a RB855156 com percentual significativo no plantel varietal.
Quatro variedades dentre as dez mais cultivadas em 2008 não permaneceram nessa condição em 2018: RB72454, RB835486, SP80-3280 e SP80-1816. A RB72454 e a RB835486 apresentaram redução significativa de participação por serem suscetíveis à ferrugem alaranjada e à ferrugem marrom, respectivamente. Já as variedades SP80-3280 e SP80-1816, apesar de não estarem mais entre as dez mais cultivadas, continuam sendo utilizadas em percentuais inferiores aos observados em 2008.
Uma conclusão que pode ser feita é que o principal fator que leva à substituição de uma variedade é a suscetibilidade às doenças, o que é comprovado pelo fato das variedades RB72454, RB835486 e SP81-3250 terem sido as que mais perderam espaço entre 2008 e 2018. Além disso, variedades que permaneceram entre as mais cultivadas possuem uma característica em comum: todas apresentam bons níveis de resistência às principais doenças da cultura.
E quais variedades ganharam espaço nesse período? Uma delas foi a RB966928, segunda mais cultivada em 2018, que se destaca por sua adaptação à mecanização e precocidade. Outra foi a CTC4, terceira mais cultivada, que também se destaca em termos de mecanização. A RB92579, quarta colocada, ganhou espaço devido à sua alta produtividade. Já a CTC15, oitava colocada, destacou-se graças ao seu bom desempenho em ambientes restritivos, mas por ser suscetível à ferrugem alaranjada, sua participação já vem diminuindo.
Portanto, pode-se concluir que, além de produtividade e riqueza, os programas de melhoramento devem buscar variedades resistentes às principais doenças. Precocidade e bom desempenho em ambientes restritivos também devem estar entre os alvos dos melhoristas. Por fim, diante da evolução da mecanização nos canaviais, características associadas à adaptação ao plantio e à colheita mecanizados, como porte, perfilhamento, brotação de soqueira, entre outras, são fundamentais e devem receber atenção especial durante o processo de seleção de novas variedades.
* Roberto Giacomini Chapola é engenheiro agrônomo pesquisador do PMGCA/UFSCar - Ridesa