A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) tem uma nova presidente. A pesquisadora mineira, Silvia Maria Fonseca Silveira Massruhá, é a primeira mulher a presidir o cargo na instituição em 50 anos de história e assumiu a função no dia 1º de maio.
Neta de agricultor e filha de educadores, Silvia mudou-se para Campinas, onde cursou Análise de Sistemas, estagiou no CTI (Centro de Tecnologia da Informação) e ingressou na Embrapa em 1989, onde participou de importantes transformações da área de informática na agropecuária, desde a fábrica de softwares, passando pela década da internet até a presente era digital. Exerceu o cargo de chefe-geral da Embrapa Agricultura Digital, no período de julho de 2015 até janeiro de 2022.
Silvia concedeu entrevista à reportagem da Revista Canavieiros, onde falou sobre pesquisa, investimentos, recursos, bioeconomia e biotecnologia, valorização e visibilidade do potencial da mulher, concursos, agricultura sustentável, dentre outros. Confira!
Revista Canavieiros: Para você, que está há mais de três décadas na Embrapa e liderou alguns grupos e projetos, o que essa nova etapa representa?
Silvia Maria Fonseca Silveira Massruhá: Essa nova etapa para a Embrapa é muito significativa, pois completamos 50 anos de vida e temos um governo novo que acaba de anunciar recursos da ordem de R$1 bilhão para a estatal e o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, em uma demonstração clara de valorização da ciência e da pesquisa. Portanto, podemos dizer que essa etapa representa a retomada dos investimentos na Embrapa e o nosso compromisso com todos os agricultores do Brasil, de todos os portes, incluindo o combate à pobreza e às desigualdades. O papel da Embrapa é criar condições para que as soluções se materializem em benefício desse segmento, fundamental ao desenvolvimento de um país justo e igualitário. O desafio da Embrapa é ser moderna para atender às demandas de maneira ágil e de mãos dadas com os nossos cinco milhões de parceiros, produtores rurais, garantindo o seu protagonismo na agricultura mundial. Estamos atentos às demandas globais por sustentabilidade, por uma transição nutricional, por uma transição energética e por inclusão socioprodutiva e digital. Nosso foco é usar o melhor da ciência para gerar soluções que atendam a estas demandas e contribuam para o desenvolvimento sustentável do nosso país.
Revista Canavieiros: Quais os desafios da sua gestão e quais os principais pontos que precisam ser trabalhados com prioridade?
Silvia: Nossa agenda para os próximos anos tem como foco contribuir com segmentos prioritários para que a tecnologia e a inovação de fato alcancem os nossos produtores rurais. E é nessa direção que a Embrapa vai atuar, a partir do compromisso com uma agricultura que precisa ser cada vez mais sustentável, baseada na pluralidade e no diálogo com o setor produtivo e a sociedade, especialmente no que se refere ao combate à fome e à redução de desigualdades. A pesquisa pode contribuir para a mudança desse cenário, na busca por alimentos mais saudáveis, produzidos em bases sustentáveis nas dimensões ambiental, econômica e social, subsidiando iniciativas, ações, projetos e novas ideias que norteiem a transição nutricional e energética, promovendo simultaneamente produtividade e sustentabilidade. Daqui para frente vamos investir também na inclusão produtiva rural, garantindo que a tecnologia e a inovação fortaleçam pequenos e médios produtores. A bioeconomia voltada às peculiaridades dos seis biomas brasileiros, o fortalecimento da pesquisa de vanguarda na ciência tropical, a biotecnologia, edição gênica, nanotecnologia e agricultura de precisão e digital certamente estarão entre as prioridades, para que a agricultura nacional possa se desenvolver ainda mais de forma igualitária e justa. Importante também ressaltar que a Embrapa continua desenvolvendo soluções para as principais cadeias produtivas do país, tão importantes para a nossa economia, balança comercial e desenvolvimento sustentável. A Embrapa atua considerando as cinco milhões de propriedades rurais do Brasil, contemplando pequenos, médios e grandes produtores, e com agenda de mercado, social e ambiental.
Revista Canavieiros: A descentralização está também entre os pontos que irá trabalhar?
Silvia: Com certeza. Queremos dar mais autonomia para os nossos centros de pesquisa, pois compreendemos que é na ponta que a ciência e a pesquisa agropecuária acontecem. Precisamos construir uma governança sólida que possa conferir autonomia inteligente e efetiva para dar fluidez aos processos da empresa e torná-la mais ágil. Nas unidades que são construídas e consolidadas as parcerias com os produtores rurais, a extensão rural e também com as empresas, em uma modalidade de parceria público-privada. Portanto, compreendemos que a descentralização é necessária, claro que, sem perder de vista que somos uma única empresa, organizada em 43 centros pelos estados brasileiros.
Revista Canavieiros: A Embrapa conta com esses 43 centros espalhados pelo país. Desse total, cerca de 10% contam com mulheres em cargos de chefia. O que é preciso para que esse quadro avance?
Silvia: A Embrapa, sendo uma empresa de pesquisa agropecuária, referência científica internacional, pode se destacar também na área da valorização e de visibilidade do potencial da mulher e contribuir com mais esse exemplo de instituição de pesquisa bem-sucedida. Vamos nos empenhar muito para que isso aconteça, ampliando as possibilidades de dar visibilidade e reconhecimento à capacidade e ao conhecimento acumulado por tantas mulheres na empresa. Hoje, no atual quadro da Embrapa, de aproximadamente 7.813 empregados, 32,33% são mulheres. Na diretoria executiva, há muitos anos, 25% são mulheres e no último ano passou para 40%. Nas 43 unidades da Embrapa, a representatividade das mulheres em cargo de chefia aumentou de 10% para 25% nos últimos anos, mas reconhecemos ainda ser muito pouco. Gostaria de destacar também que criamos recentemente o Observatório das Mulheres Rurais do Brasil, que faz parte do Sistema de Inteligência Estratégica da Embrapa - Agropensa. Por meio da apresentação visual e interativa de dados, de análises, diagnósticos e prognósticos, o observatório pretende fornecer subsídios para o desenvolvimento de estratégias, projetos e programas e para criação ou aprimoramento de políticas públicas em benefício das mulheres que atuam em atividades agropecuárias, florestais e aquícolas. É uma ferramenta de inteligência para o acompanhamento e antecipação de questões relevantes do campo, considerando recortes regionais e temáticos. É também uma ferramenta que responde às metas dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da Agenda 2030, especialmente ao ODS 5, referente à meta 5.b, "Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres".
Revista Canavieiros: Há mais de 10 anos a Embrapa não realiza concursos para a entrada de novos profissionais. Como pretende trabalhar nesta questão?
Silvia: A Embrapa trabalha com previsão de realização de concurso público para o primeiro semestre de 2024. A Empresa possui, desde a realização do PDI (Plano de Desligamento Incentivado) em 2019, vagas autorizadas pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, porém, restam a oficialização por parte do Ministério do Planejamento e Orçamento e o alinhamento das etapas para realização do certame. O concurso é uma ação prioritária da nova gestão, será fundamental para reoxigenar a empresa e incluir mais competências no quadro de pesquisadores, visando ao futuro da Embrapa e a continuidade dos trabalhos em áreas na fronteira do conhecimento. A empresa constituiu um grupo de trabalho para analisar a situação pós-PDI e a necessidade das unidades de pesquisa, relacionadas a vagas e cargos.
Revista Canavieiros: A questão da captação de recursos está na sua pauta?
Silvia: Com certeza. Além de fortalecermos o orçamento público da Embrapa por meio da Lei Orçamentária Anual, continuamos firmes no nosso propósito de aumentar a captação de recursos por meio das parcerias público-privadas. Essa, inclusive, é uma das metas do nosso Plano Diretor, o VII PDE. A Embrapa saltou de 6% de projetos com parceria com o setor produtivo, incluindo a iniciativa privada, em 2018, para 24,8% em 2023. São atualmente 274 projetos, sendo 62% de parceiros de pequeno porte, como cooperativas e associações. São os chamados projetos de inovação aberta baseados em parcerias público-privadas, compartilhamento de custos e riscos por meio de co-financiamento e compartilhamento de eventuais direitos de propriedade intelectual. Neste tipo de projeto há cooperação técnica formalizada desde o início com parceiro do setor produtivo comprometido com a adoção dos ativos de inovação a serem gerados. Ou seja, o projeto começa e termina no setor produtivo. Para a Embrapa, a parceria com o setor privado, na modalidade inovação aberta, constitui-se um dos instrumentos de maior aproximação entre a Embrapa e parceiros do setor produtivo de todos os portes.
Revista Canavieiros: A nova geração de consumidores está mais exigente e querendo mais informações sobre a procedência dos alimentos que consome. Como pretende trabalhar para ajudar os produtores a mostrar que a sua agricultura é sustentável?
Silvia: A produção de alimentos de qualidade, saudáveis e produzidos em bases sustentáveis tem sido reforçada como marca registrada brasileira, a partir da tecnologia e da pesquisa agropecuária. Para isso, é preciso muito investimento em ciência e tecnologia e também na formação de multiplicadores que façam, de forma competente, a transferência de tecnologia para o produtor rural. Eu destaco o conjunto de boas práticas na agricultura, por exemplo, a substituição de fertilizantes químicos por bioinsumos, por exemplo, o uso da FBN (Fixação Biológica do Nitrogênio), que só na cultura da soja gera uma economia anual de 15 bilhões de dólares e redução de seis milhões de toneladas de nitrogênio. Também foi lançado o Biomaphos, que é um bioinsumo inovador que melhora a absorção de fósforo acumulado no solo pelas plantas, com aumento da produtividade das culturas; o sistema ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta), que é uma estratégia de produção sustentável, que as três atividades na mesma área em cultivo consorciado e contribui para que o solo permaneça produtivo por mais de 90% do ano, com a garantia de um agroecossistema mais equilibrado, com geração de emprego, renda e qualidade ambiental. O fortalecimento de ações de bioeconomia também tem sido uma das prioridades da Embrapa para impulsionar o desenvolvimento sustentável nos seis biomas brasileiros, em especial na região amazônica. A ciência também está focada em contribuir para que o Brasil ocupe novos espaços na transição energética, que é outro grande desafio da pesquisa agropecuária brasileira e mundial. Outro ponto importante é o desenvolvimento de métricas consistentes que comprovem, por exemplo, o quanto nós estamos conseguindo reduzir a emissão de GEE (Gases de Efeito Estufa) e avançar no quesito sustentabilidade. Vamos continuar investindo em pesquisas com a Carne de Baixo Carbono, o Leite de Baixo Carbono, Soja de Baixo Carbono e em tecnologias de rastreamento baseado em blockchain, tecnologia de ponta capaz de atestar a transparência e a integridade das informações do produto. Recentemente fizemos uma parceria com uma empresa privada que utilizou desta tecnologia desenvolvida pela Embrapa para colocar no mercado o açúcar demerara e o açúcar mascavo totalmente rastreado. Por meio de um QR Code estampado na embalagem, qualquer pessoa pode verificar as informações sobre a origem e o processo de fabricação do açúcar.
Revista Canavieiros: Inteligência artificial, Blockchain e internet das coisas. De que forma essas tecnologias têm contribuído com a agricultura no nosso país?
Silvia: A tecnologia Blockchain permite o registro, em diferentes equipamentos conectados à internet, de todas as transações realizadas on-line, envolvendo trocas de valores, bens, serviços ou dados confidenciais. O processo produtivo em todas as suas etapas deixa rastros e, quanto melhor o processo de rastreabilidade dos produtos, mais qualidade terão os registros de informações. As operações se tornam mais seguras, fortalecem a competitividade e aumentam a credibilidade. A ferramenta pode ser uma fonte de diferenciação competitiva, por exemplo, para os setores frigorífico e leiteiro, considerando as pressões econômicas, ambientais e sociais sobre a cadeia da carne. Na indústria de alimentos, por exemplo, a rastreabilidade e a confiabilidade das informações são importantes para os envolvidos certificarem o processo produtivo, documentando a conformidade com regulamentações e padrões de qualidade. Já a inteligência artificial e a internet das coisas (IoT) aplicadas à agricultura podem melhorar os processos produtivos e apoiar a tomada de decisão pelo agricultor, reduzindo custos e trazendo mais rendimento. Máquinas que se comunicam sem interferência humana, trocando dados pela rede, já são realidade no campo. E no futuro os equipamentos agrícolas terão cada vez mais sensores conectados à internet. Um dos desafios da pesquisa agropecuária brasileira, inclusive para tornar tais ferramentais mais conhecidas e acessíveis pela maioria dos produtores de leite, é estabelecer parcerias com o setor privado, o que ajudará, por exemplo, a superar as dificuldades de infraestrutura e conectividade e adaptar as ferramentas para a realidade do continente. Um exemplo interessante que eu destacaria são as parcerias que a Embrapa vem desenvolvendo com startups do agro para adaptação dessas soluções, que já estão disponíveis no mercado, para a pecuária leiteira e de corte. Para finalizar nossa resposta sobre este tema, também destaco o trabalho recente da Embrapa Agricultura Digital, em parceria com Huawei e o CPQD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em TelecomUnicações), para o desenvolvimento de aplicações tecnológicas para uso-piloto, que buscam melhorar a gestão e a produção em sistemas de integração. As empresas parceiras são responsáveis pela instalação da infraestrutura de conectividade, sensores de IoT e plataforma computacional, além de apoiar o desenvolvimento das soluções. Como entrega, teremos, por exemplo, sensores de IoT, colares inteligentes e balança de passagem sendo usados de forma integrada para monitorar uma série de indicadores de produtividade, ambientais e de bem-estar animal em sistemas de ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta). Com isso serão geradas tecnologias baseadas em modelos de IA (Inteligência Artificial) desenvolvidos pela Embrapa, usando como insumos os dados coletados pelos sensores e pela rede IoT, para apoio à tomada de decisão dos produtores.
Revista Canavieiros: As novas tecnologias podem ajudar a trazer para o produtor mais transparência no processo de produção?
Silvia: Com certeza, e por eu vir justamente no campo do conhecimento da agricultura digital, destaco a necessidade de elevarmos o Brasil a um nível de implementação dessas ferramentas acima do que já temos hoje. É importante, por exemplo, que tanto pequenos quanto grandes e médios produtores façam uso das ferramentas da agricultura digital e de precisão, pois a partir da implementação dessas soluções é possível alcançar mais economia, produtividade e qualidade na agricultura e pecuária, inclusive, usar de forma mais racional os agrotóxicos ou, até mesmo, substituí-los pelos bioinsumos, com aplicações na medida certa. A Embrapa pode ajudar a mostrar para os produtores como essas tecnologias podem ajudar a reduzir custos, trazer um selo de sustentabilidade ou até mesmo maior transparência no processo de produção, rastreabilidade e certificação para atender às demandas dos consumidores mais exigentes, tanto no mercado interno quanto externo. Neste contexto, a Embrapa, juntamente com Esalq, CPQD e outros parceiros, iniciou este ano o projeto Fapesp, denominado SemeAr que visa fomentar o uso de tecnologias digitais para o pequeno e médio produtor, onde serão criados 10 pilotos nas cinco regiões do Brasil, chamados de Distritos Agrotecnológicos. Nesse sentido nos colocamos como parceiros do governo federal para apoiarmos a implantação de políticas públicas que tragam a universalização da internet no campo. E, à medida que ofertamos mais soluções digitais para o campo, estimulamos a demanda pela universalização da internet no campo. O que fortalece o governo federal para justificar ao parlamento e à sociedade em geral a importância de ampliarmos a conectividade no meio rural. E nós, da Embrapa, estamos à disposição para contribuir com a formulação e qualificação dessa política pública de grande relevância para o Brasil.
Revista Canavieiros: Como será Embrapa dos próximos 50 anos?
Silvia: O futuro está inserido em uma série de cenários complexos, principalmente no que diz respeito à sustentabilidade, uma das prioridades da pauta global da ciência hoje. Nesse contexto, a Embrapa já é tida como uma referência pelos avanços com os quais já contribuiu e tem servido de modelo inclusive para outros países. Daqui para frente, nosso compromisso é com todos os agricultores do País, no combate à pobreza e às desigualdades. A Embrapa, plural e democrática, precisa ter consciência das transições nutricionais, energéticas e ambientais com as mudanças climáticas, daí a nossa meta ser a produção de alimentos saudáveis, em bases sustentáveis nas três dimensões: ambiental, econômica e social. Por isso, a nossa gestão estabeleceu como prioridade a seguinte agenda temática para os próximos anos: (1) Revolução Sustentável, onde o foco é o compromisso da pesquisa agropecuária com a sustentabilidade, inclusive com o desenvolvimento de métricas para medir o quanto conseguiremos avançar nesta proposta; (2) Transição Nutricional e Saúde Única, com agregação de valor aos produtos, processos e serviços agropecuários, alimentos saudáveis em bases sustentáveis para atender o novo consumidor, segurança e soberania alimentar para o combate à fome; (3) Energias Renováveis, por exemplo, o hidrogênio verde, reaproveitamento de resíduos, biogás e bioenergia, eficiência energética rural, onde a digitalização no campo ganha bastante relevância; (4) Inclusão produtiva e digitalização no campo, incluindo a ampliação da conectividade, a ATER digital, o desenvolvimento territorial com hubs multi-institucionais e multidisciplinares; (5) Vanguarda científica da ciência tecnológica e tropical, onde seremos referência em pesquisas de ponta como a edição gênica, fenotipagem, nanotecnologia, automação, big data, agricultura de precisão, inteligência artificial generativa, entre outros; (6) Fortalecimento da Embrapa, envolvendo mais orçamento, concurso para seleção de novos perfis e um novo (Programa de Aceleração do Crescimento).