Contas do setor vai demorar um tempo para sair do vermelho

12/12/2018 Agronegócio POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra


No início de outubro, o Pecege promoveu mais uma edição do já tradicional e aguardado evento “Expedição Custos Cana”, cujo objetivo é mostrar a percepção média de como andam as contas do setor.

Infelizmente o tão sonhado azul, que não precisa ser espetacular como o de Portinari, ainda não vai aparecer na safra atual, conforme diagnosticou o pesquisador da associação, Haroldo Torres, que enxerga a presença de unidades industriais com o caixa bastante desnutrido em decorrência da redução na produção de cana-de-açúcar, que deverá se alongar por pelo menos mais duas safras, sendo a depressão do preço do açúcar no mercado mundial um dos principais fatores.

Preços ruins pressionam por cima enquanto que o crescimento vertiginoso dos custos agrícolas corrói o que sobra de margem por baixo. Para se ter ideia, só em tratos culturais da cana-soca o aumento na conta foi cerca de 20%, sendo os insumos o ácido mais potente. Somente os inseticidas devem fechar no dobro do preço em relação à safra passada.

Porém, os resultados podem ficar ainda mais vermelhos porque a safra ainda não terminou, como analisa Torres. “Imagina a hora que fechar a conta com os outros itens, em um ano de seca que pede mais insumos, dólar alto, aumento do frete e falta de matéria-prima para defensivos e fertilizantes, com certeza ela ficará um pouco mais amarga”.

Contudo esse cenário não é identificado em todas as empresas. O pesquisador aponta para a existência de um imenso abismo produtivo entre os atores em  115% (13,92 toneladas de ATR por hectare na usina mais eficiente contra 6,54 na com mais problemas). E baixa produtividade reflete diretamente no caixa de uma unidade, pois a falta de cana deixa a indústria ociosa, agindo como um fermento na planilha de custos fixos.

Outro ponto que mostra diferença de resultados entre as unidades é a capacidade de geração de energia elétrica, a qual na média das empresas que participaram da pesquisa, em um recorte envolvendo apenas as dos estados de São Paulo e Paraná, foi responsável por salvar o setor de um prejuízo bastante expressivo: cerca de R$ 10 por tonelada de cana moída. Daí se chega a conclusão de quem vende eletricidade teve um resultado muito mais expressivo sob aqueles que ainda não têm suas caldeiras ligadas na rede, mesmo considerando, na conta, a economia realizada pelas unidades gerarem a própria energia.

Diante desse cenário dá para se notar que os estruturados estão entrando em um círculo virtuoso, enquanto que os desestruturados continuam sendo castigados com custos variados agrícolas lá em cima, custo fixo também crescente devido a quebra da safra, aliado a falta de investimento em novas fontes de receita (como geração de energia na rede), agrícola e capacidade de estocagem.

Custos para o fornecedor de cana
O também pesquisador do Pecege, João Rosa, falou sobre os valores de custos para a operação de um fornecedor de cana e fez a previsão de R$ 0,60 kg de ATR como valor final do Consecana-SP para a safra atual e mostrou que somente com o sistema de pagamento, em uma estimativa onde a safra ainda não foi fechada, o produtor ganharia R$ 0,58 por kg de ATR. Ao incluir a remuneração de capital (ou pagamento de renda quando a terra não é própria), no final da safra, o produtor teria um prejuízo de R$ 0,14 por Kg de ATR entregue.

Através da simulação de realidades distintas Rosa prova que dificilmente um fornecedor de cana que tenha 100% da terra cultivada arrendada consiga obter resultado positivo em sua operação. Considerando o custo operacional médio do canavial (tratos da soca, colheita e administrativo) de R$ 78 por tonelada, acrescentando R$ 20 de arrendamento, chega-se a um valor próximo de R$ 100. Esses são os três dígitos que ninguém quer.

Com esse cenário o produtor só conseguiria ver algum caso chegasse no final da safra com a produtividade batendo 95 toneladas por hectare com 135 quilos de açúcar por tonelada.

Para escapar da morte, o pesquisador mostrou que o mercado está se adequando ao tomar diversas atitudes diferentes, uma das mais usuais é a adoção do ATR fixo, quando a quantidade de açúcar por tonelada de cana é definida em contrato com um piso e também se observa a adoção de premiações, sendo as mais comuns através de desconto no CTT (corte, transbordo e transporte). Vale lembrar que grande parte dessas negociações está sendo realizada de forma individual entre fornecedor e usina.

Perante essa conjuntura, Torres disse acreditar no início de uma tendência de queda nos valores para o arrendamento da terra. "O que observamos nas últimas safras foi uma devolução de áreas arrendadas pelas usinas, principalmente as mais distantes, de menor produtividade, ou até mesmo cujo o custo para uso da terra é bastante forte. Nisso o setor estava comprometendo uma parte muito grande da sua produtividade, assim o que vamos observar a curto prazo ou é uma intensificação dessa devolução ou até mesmo uma renegociação para contratos menores, porque em números, o arrendamento tem comprometido aproximadamente ¼ da produtividade agrícola das usinas do Estado de São Paulo”.
Outras visões
Profissionais que enxergam e trabalham com o setor através de outros pontos de vista também enriqueceram o evento. O consultor da MB Agro, Alexandre Figliolino, mostrou que se forem concretizadas as intenções já assumidas dos países asiáticos em adotar o etanol nas suas respectivas frotas, gerariam uma demanda por volta de 25 bilhões de litros. O que pode influenciar os países daquela região que estão “estragando” o mercado de açúcar atualmente a destinar parte de sua cana à produção do biocombustível e com isso equilibrar o mercado mundial do adoçante.

Já o controller do Grupo Cocal, Andre Gustavo, mostrou a importância do diesel nos custos de produção agrícola, onde representa cerca de 1/4 de tudo que é gasto na roça. Considerando que a produção de cana é responsável por 60% de todos os apontamentos de uma usina (incluindo área industrial e administrativa), logo dá para concluir que 15% dessa conta vai para movimentar a frota.
O especialista em comércio exterior de produtos do setor sucroenergético da Bunge, Tomas Cardoso, mostrou que o valor da cana hoje na Índia está remunerando o produtor em pelo menos duas vezes mais que o brasileiro (US$ 40 a tonelada contra US$ 20). Isso está desencadeando um aumento considerável na área com a cultura.

No entanto, esse avanço é artificial, causado por um agressivo programa de subsídios, deixando as indústrias em um momento financeiro delicado já que os preços não remuneram nem para igualar os custos.
Cardoso acredita que para não gerar um colapso, nas próximas safras, a produção de açúcar deva cair cerca de 10 milhões de toneladas, chegando próxima aos números de consumo interno que hoje são  de 25 milhões de toneladas.
Em sua explanação, o gerente de negócios agrícolas da Solinftec, Luís Ricardo Bergamo apresentou o projeto “Fila Única” de transbordo, solução de automação de dados georreferenciados que possibilita, ao ser carregado, uma outra caixa já engatilhada para que a colhedora fique o menor tempo parada possível.
Em testes pilotos realizados no ano passado em oito usinas, o ganho mínimo de horas de colheita com a solução foi de, em média, 46,8 horas, atingindo pico de 72,3 horas e o mínimo de 29,5. Vale lembrar que essa diferença de valor pode ser causada por diversos fatores, dentre eles o TCH (Toneladas de Cana por Hectare) do canavial, pois quanto mais denso, menor será a velocidade de trabalho da frente de colheita.

O representante do Ministério de Minas e Energia, Marlon Arraes, afirmou que pessoas físicas poderão participar do mercado de Cbios como títulos de investimento. Com isso, o mercado desses papéis deve ser constante mesmo em momentos de preços altos do petróleo e alta demanda por etanol. Se nada mudar, os certificados deverão ser negociados na B3 (antiga Bovespa).
Para finalizar, o representante do Rabobank, cooperativa de crédito com origem na Holanda e que atua no Brasil focada no agronegócio, Manoel Queiroz, disse que enxerga o setor sucroenergético sofrendo uma consolidação silenciosa nos últimos anos, com os grupos mais saudáveis assumindo as áreas de cana daqueles em dificuldade. “Acreditamos que esse processo deva continuar ocorrendo, principalmente através do canavial, em detrimento da expansão nos próximos anos, porém não descartamos a hipótese de uma contração estrutural do setor”.


Ao final do evento, a conclusão é que a palavra estruturação é a de ordem, e quem não estiver, dificilmente conseguirá estar de pé até o RenovaBio dar os primeiros frutos e o preço do açúcar recuperar e voltar a ter uma temporada de alta.