Como ter um canavial produtivo

04/04/2019 Agronegócio POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra

Está com problemas em aumentar a produtividade do seu canavial? Não consegue fugir das variedades da década de 70 e 80? Então leia com lupa a entrevista a seguir, uma aula de como ter uma operação canavieira produtiva.

O cooperado e produtor referência em cana-de-açúcar de Campo Florido-MG, Daine Frangiosi, mostrou nos mínimos detalhes como faz para atingir o limiar da produção.

Agora, se você espera facilidade, é melhor parar por aqui porque uma coisa está bem clara: a cana dará mais açúcar para quem mais atenção dar à ela.


Revista Canavieiros: Conte um pouco sobre sua carreira como agricultor, por favor.
Daine Frangiosi: Na agricultura comecei junto com minha família, em Jaborandi, com o amendoim e plantando mamona na entrelinha. Há cerca de 40 anos meu pai decidiu vir para Campo Florido - MG e aqui começamos em cereais,virando para cana quando a Usina Coruripe instalou uma unidade na cidade.
Nosso primeiro plantio de cana foi em 2002 para a entrega na safra 2003/2004. A partir daí, a lavoura da cultura foi crescendo, pegando a área de cereais e hoje nós plantamos cana em praticamente 100% da área. Trabalhamos com a soja somente em rotação de cultura, pois não plantamos cana em cima de cana e nem de verão.

Revista Canavieiros: Foi complicado criar uma área agricultável logo que chegaram a Campo Florido-MG?
Frangiosi: Abrimos o cerrado e a primeira cultura que entrou foi arroz. Depois que conseguimos uma estruturação de solo, entramos com a soja e milho safrinha até a chegada da cana.
 
Revista Canavieiros: A Usina Coruripe é conhecida por ter um relacionamento diferenciado com  seus fornecedores, até porque eles alimentam 100%da unidade de Campo Florido. Essa postura da empresa foi importante para o senhor ter entrado e permanecido na cana até hoje?
Frangiosi: Aqui a associação (Cana Campo) nasceu junto com o projeto. A usina iniciou seus trabalhos com 100% de cana de fornecedores, depois acabou criando uma parte agrícola própria.Porém, nas últimas quatro safras voltou à totalidade de matéria-prima de fornecedores.
Esse relacionamento nos trouxe alguns diferenciais em relação ao que é praticado no Estado de São Paulo, por exemplo. Hoje temos um Consecana próprio, ou seja, nós participamos do mix de venda da usina, então, se o açúcar está com um preço internacional melhor e a usina consegue fazer a venda, ou até mesmo o etanol sendo vendido bem, é feito um repasse para os fornecedores. Esse Consecana é exclusivo da Coruripe Campo Florido e deve girar entre 7% ou 8% acima do acumulado de São Paulo.
 
Revista Canavieiros: Existe uma premiação por eficiência? Como funciona?
Frangiosi: Existe um incentivo.Nós temos premiações em relação ao cumprimento de cota diária de entrega de cana na indústria que funciona por assertividade na estimativa da safra.Dessa forma, informamos no início da safra quanto vamos entregar no total. Se chegarmos perto da quantidade informada, temos um adicional no pagamento. Isso para a usina é importante porque ela passa a ter uma informação mais concreta de quanto irá moer, podendo planejar melhor o seu mix de produção, estoque, vendas e tomar outras decisões estratégicas.
Também tem a premiação por colocar matéria-prima de melhor qualidade na indústria, relacionado a impurezas vegetal e mineral. Ao cumprir as metas, dá para conseguir,mais ou menos, 2,5% a mais do valor bruto a receber.

Revista Canavieiros: O índice de conquista dessas premiações dos produtores é alto?
Frangiosi: Temos um grupo bem unido de fornecedores organizados na associação. O interessante é que disputamos entre nós quem conquistará a maior premiação no final da safra.
Como o presidente da Coruripe sempre fala, “deixamos o dinheiro em cima da mesa, é de vocês, é só cumprir os requisitos e pegar”. Diante desse incentivo, os produtores prestam atenção ao máximo em sua operação, qualquer tonelada conta e o modelo funciona muito bem.

Revista Canavieiros: O senhor enxerga viabilidade nesse modelo na região que engloba Sertãozinho, Pontal, Pitangueiras, enfim, onde há uma briga muito grande entre as usinas por cana?
Frangiosi: Eu acho que a tendência são as usinas buscarem uma fórmula que incentive o seu fornecedor a melhorar a qualidade da matéria-prima entregue na esteira.
Para isso é preciso que ele adote práticas como a renovação do canavial quando esse apresentar baixa produtividade etrabalhar com um mix mais moderno de variedades. Hoje a média nacional de produtividade é de 10 toneladas de açúcar por hectare e o nosso maior concorrente, que é a beterraba, produz 18 toneladas - uma prova cabal de que é preciso crescer.

Revista Canavieiros: O seu campo de variedades gerou interesse do mundo canavieiro por ser bastante abrangente, não somente na quantidade de variedades, mas também como vitrine para outras tecnologias. Qual foi a concepção desse projeto?
Frangiosi: Esse campo nasceu de um bate-papo aqui na associação, quando sentimos a necessidade de gerar informações de cultivares para nosso ambiente. Implantamos-o em 2017 para começar a enxergar os primeiros resultados no ano seguinte.
A ideia era analisar os materiais e fazer um dia de campo pequeno, informativo e interno. Com isso teríamos um ponto de referência importante para nos apoiar em nosso conceito de sempre trocar e renovar o censo varietal.
No primeiro evento, em 2018, estávamos esperando 30 pessoas. Nem divulgamos muito e no dia apareceram 150! Então percebemos que o potencial de interesse externo era muito significativo. Diante disso, decidimos ampliar o leque de tecnologia em 2019. Fechamos parcerias com empresas e conseguirmos mostrar muito mais coisas e materiais mais modernos.
No dia de campo de 2019, o público extrapolou os integrantes da associação, indo além do Triângulo Mineiro. Vieram aproximadamente 600 produtores do Brasil todo: Nordeste, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e muitos paulistas também, sem falar as usinas parceiras da região.
 
Revista Canavieiros: E qual benefício esse campo traz para o senhor?
Frangiosi: Eu tenho como planejamento em minha operação trocar, em três anos, todo o plantel de variedades antigas. Entendo que os materiais novos são altamente produtivos, dessa forma a montagem do campo de amostragem é algo imprescindível. Um exemplo disso é que busco alternativas para plantar no lugar da RB867515, que é a mais plantada e, nesse caso,estudo a CTC-4, que é uma das variedades hoje mais utilizadas no plantio. Enxergo que toda a cultivar que desponta no censo, as doenças e pragas migram para elas. Isso aconteceu na SP81-3250, uma das melhores variedades que tivemos no Brasil e a principal do Triângulo Mineiro, mas, infelizmente, muitas doenças e pragas foram para ela.
O intuito é estudar bastante as variedades antes de levá-las para a operação comercial. Mas não quero guardar esse conhecimento somente no meu canavial ou compartilhar somente com meus colegas de associação,quero passar esse conceito para todo mundo vir junto nos três dígitos de produtividade.

Revista Canavieiros: Como é o seu relacionamento com os centros de pesquisa desenvolvedores das cultivares?
Frangiosi: Depois do primeiro dia de campo eles viram que o projeto era sério e bem feito, o que despertou o interesse. Aí os centros de pesquisa começaram a se aproximar mais, dar mais importância, principalmente os públicos (Ridesa e IAC). Começamos a ceder áreas para colocarem os materiais deles aqui e assim analisarmos a curva de maturação, TCH e outras informações de desempenho. Desse modo,consigo ter contato quase que direto com os lançamentos de materiais, inclusive já estou acertando o que virá para cá no ano seguinte: 30 materiais diferentes.
Isso foi importante porque estreitamos uma relação que anteriormente era somente comercial, ou seja, planta isso, planta aquilo. Hoje não, tenho interesse em colocar novos materiais produtivos e os centros de pesquisa têm interesse em disseminá-los.


Revista Canavieiros: Já é possível mensurar ganhos de produtividade expressivos com a atualização do plantel varietal?
Frangiosi: Se pegarmos as variedades da década de 80, elas têm uma defasagem de potencial produtivo, se comparadas com as variedades da década de 90, em torno de 10%. Fazendo o comparativo entre as cultivares novas e as da década de 90, a superioridade passa a ser de 20% a 25%. Agora, imagine quanto está deixando de ganhar quem ainda trabalha com material genético antigo.
No canavial da minha cidade, Jaborandi, ainda vejo produtores plantando materiais muito antigos como a RB72454 e a RB855536.

Revista Canavieiros: Mas essa postura conservadora que alguns produtores têm não está relacionada a experiências negativas que tiveram com cultivares mais novas?
Frangiosi: No nosso dia de campo focamos bastante no posicionamento correto das variedades para justamente não acontecer mais este problema, pois o produtor vê em algum lugar um material que se destaca, se anima com aquilo e acha que elas vão em qualquer tipo de ambiente. Desse modo, ele pega uma variedade que tem alto potencial produtivo e leva para um ambiente que não é o dela. Claro que vai patinar e a culpa será da tecnologia. O produtor não percebe que não está posicionando a variedade da maneira correta, e então volta a cultivar o material antigo.
 
Revista Canavieiros: Qual é o seu processo para a escolha da variedade que será plantada em um canavial comercial?
Frangiosi: Para se ter um material genético de qualidade, é difícil fugir da receita: MPB, cantosi em viveiro primário e estudo da variedade no ambiente. Disso, tem-se um viveiro secundário para avaliação, sendo possível ter a base de informação necessária para decidir onde expandir.
Eu altero um pouco essa sequência: além de fazer os viveiros primário e secundário, um ano antes, em uma área de potencial de reforma, levo quatro variedades que foram bem para aquele ambiente. Se eu for reformar 300 hectares em uma microrregião que tem o ambiente D, seleciono umas três ou quatro variedades e faço uma cantosi um ano antes. A que se comportar melhor vai para a área comercial.
Com isso consigo observar as variedades, ao mesmo tempo em que elas estão no viveiro primário, levar o material para outro tipo de ambiente e ver o comportamento real delas.
Essa é uma forma para não errar a variedade no plantio e evitar, ao máximo, de pegar uma por engano.Vamos supor que em um ambiente D, por exemplo, haja uma variedade destinada para ele que é plantada direto em uma área comercial, o que não é raro de acontecer,mas a variedade não se desenvolve tão bem, pois algum fator específico daquela microrregião impede o resultado obtido em outra área com o mesmo ambiente.

Revista Canavieiros: Como enxerga essa “disputa” entre o plantio mecanizado, cantosi e meiosiexistente hoje?
Frangiosi: Acredito que o plantio precisa ser focado na economia de muda.Hoje, no mecanizado, apesar da evolução das novas plantadoras de cana, e com base em conversas  com profissionais de todo o Brasil, vejo que o consumo fica na casa das 13 ou 14 toneladas de mudas por hectare. Tem fornecedor aqui de Campo Florido que conseguiu gastar 5,4 toneladas de cana por hectare fazendo a meiosi, jogando uma cana só no sulco.
No meu plantio da safra passada, que foi manual com cantosi, consegui gastar 7,2 toneladas na área total.Sei que na meiosi dá para conseguirmos reduzir ainda mais um pouco esse número.

Revista Canavieiros: Então o senhor planeja fazer a meiosi?
Frangiosi: Como sigo rigorosamente a matriz do terceiro eixo, as canas que têm potencial de reforma estão praticamente no final de safra. Nesse conceito, as canas mais novas são tiradas no começoe as mais velhas ficam para o final.
Então, minhas áreas de reforma serão colhidas nos meses de outubro e novembro, não dando tempo de plantar as linhas-mães da meiosi.Para adotar essa técnica eu teria que dar dois anos de descanso, pular um ano sem cana e plantar somente no ano seguinte, mas por questões de contrato com a usina, eu não consigo esse intervalo.
Por enquanto, a cantosi, aliada ao estudo das variedades com maior potencial, está me servindo muito bem. E, em relação àmeiosi,há vantagem na questão de tempo de decisão, pois levopara a cantosi as quatro variedades de maior potencial para desdobrar uma, experiência que não conseguiria adotar na linha-mãe, já que sua desdobra é feita diretamente para os sulcos ao lado.
Na meiosi, a expansão de material novo é mais rápida e, com certeza, o custo de plantio é mais baixo.
Revista Canavieiros: Gostaria que o senhor explicasse de uma forma prática o que é o terceiro eixo, por favor.
Frangiosi: O conceito do terceiro eixo é você tirar primeiro todo o material novo (cana-planta) e trazê-la para a janela precoce. Ou seja, o fato do perfil da cana ser precoce, média ou tardianão é mais primordial, mas ainda é importante por questões de manejo, não sendo algo mandatório. A matriz não considera mais o grau de maturação e sim a idade do canavial.
Faço todos os meus talhões de primeiro corte no começo da safra e vale lembrar que terei os três tipos de material genético: precoce, médio e tardio. Depois que acabar a cana planta, vou para a cana de segundo ano, venho para a de terceiro e por aí vai. Após o estabelecimento, em toda a safra, adoto como padrão sempre cortar a cana com 13 meses.
O mais bacana dessa matriz é preparar a cana fisiologicamente, deixá-la mais inteligente, ensiná-la a passar por situações mais adversas, principalmente em relação ao clima, pois na janela da cana, de abril até setembro, praticamente não chove. Dessa forma, aos poucos vamos preparando-a para cair nessa janela de falta de chuva, o que mitigará a influência do estresse hídrico na produtividade pelo simples fato da raiz da touceira crescer a cada ano.
Outro ponto é gerar uma estabilidade no canavial.A queda na produtividade é menor no corte seguinte, o que dará uma linha de TCH mais uniforme ao longo dos ciclos.
É um conceito difícil de implementar em grupos grandes, mas vejo que se não der para fazer tudo, pode-se executar em alguns blocos. Hoje considero a implementação da matriz de terceiro eixo um dos principais pontos para o meu sucesso de produtividade.
 
Revista Canavieiros: Conte mais sobre o processo de implementação, por gentileza.
Frangiosi: Eu comecei a me interessar por esse trabalho logo após uma palestra do Marcos Landell aqui na associação, e aos poucos iniciei a implementação, isso foi em 2010.
A partir de 2013 eu já estava adotando quase em área total. Só não é 100% porque tenho lugares com alto grau de risco de incêndio criminoso, o que me força a antecipar a colheita para mitigá-lo, porque se vier o fogo o prejuízo é muito grande.

Revista Canavieiros: Qual o tamanho do canavial para implantar um projeto de terceiro eixo?
Frangiosi: Não há custos extras, a única coisa necessária é mudar a ordem de colheita. Ao invés de seguir a maturação da cana, deve-se seguir a ordem da idade do canavial.
O problema é quem não tem uma frente de colheita, o que dificulta um pouco, sendo necessária uma adequação em um condomínio ou combinar com a usina ou terceiro que faz a colheita.

Revista Canavieiros: Imagino que por serem canas criadas para se desenvolverem rapidamente na “fartura” de água e, quando essa faltar,isoporizar também em uma velocidade alta, as precoces devem necessitar de mais cuidados em uma matriz de terceiro eixo, certo?
Frangiosi: Não é muito vantajoso adotar uma alta taxa de materiais precoces no plantel, pois como a lógica não é pela maturação, a média de TCH ao longo dos ciclos será menor em relação às médias e tardias, então eu seguro um pouco no precoce.
Porém, é preciso ressaltar a importância de canas com as três características de maturação, pois como vamos dando tombos nelas, a raiz adapta-se ao ambiente e até mesmo as precoces conseguem criar resistência para encarar a falta de água.
Quanto à isoporização, é preciso utilizar as ferramentas, que é o inibidor de florescimento.No meu caso, na cana que tiro de junho para frente, uso inibidor em todas, independente se ela floresce ou não. Com isso, consigo mitigar esse problema.
 
Revista Canavieiros: O senhor consegue organizar uma matriz de terceiro eixo para a cana ter dez ciclos, por exemplo?
Frangiosi: Dá sim, mas preciso ficar atento em respeitar uma taxa de renovação, porque mesmo com produtividade aceitável será preciso renovar. Como a matriz é baseada no tempo, se postergar, crio um buraco que sairá mais caro.

Revista Canavieiros: Outro ponto que chamou a atenção do campo de testes é a questão da vitrine tecnológica no manejo de defensivos. O que tem sido usado para combater as plantas daninhas?
Frangiosi: A dica que eu passo para o pessoal é que todo o investimento em herbicida precisa ser concentrado na formação. Se o fizermos corretamente, evitaremos problemas nos cortes futuros.
Aqui temos problemas com braquiária devido ao ambiente. Para combatê-la faço um PPI (Pré-Plantio Incorporado) antes da soja com o objetivo de atingir os bancos de sementes.Planto grão, desseco, planto a cana, faço outro herbicida caprichado, quebro o lombo e entro com mais uma aplicação posterior para a cana fechar no limpo.
 
Revista Canavieiros: O senhor aplica algum herbicida na soja com efeito residual?
Frangiosi: Como o Boral (Sulfentrazone) e o Gamit (Clomazone) são seletivos para o grão, utilizo os dois no PPI. A sequência é uma aplicação de Glifosato, Boral e Gamit na dessecação da cana, espero um tempo e passo a grade para incorporar.
Aguardo um período entre uma semana a quinze dias e planto a soja. Depois do plantio, a área estará controlada e com isso o banco de sementes já está baixo.Colho o grão, faço uma dessecação para matar algum mato que sobrou de rebrota e entro com a cana fazendo o plantio direto.
No fechamento dos sulcos, faço mais uma aplicação que se repetirá no quebra-lombo e assim a cana fecha no limpo.Com isso, consigo controlar bem as áreas de alta pressão de plantas daninhas e não tenho problemas para os ciclos futuros.
 
Revista Canavieiros: Vale a pena trocar o plantio direto da soja pelo PPI e com isso perder a palha?
Frangiosi: Eu não faço PPI em 100% da área, só utilizo nas áreas de alta pressão, que têm daninhas de difícil controle.Se tiver uma área mais tranquila, bem controlada,dá para fazer o plantio direto e seguir com o herbicida na fase de pré-emergência para frente.
Quem definirá isso é a matologia da área.

Revista Canavieiros: E nas soqueiras, qual o manejo?
Frangiosi: A regra aqui é: cortou a soqueira, já passa herbicida para ter o menor contato possível com área foliar, principalmente no caso das variedades mais novas, que são altamente produtivas e cada vez menos tolerantes.
Também é preciso trabalhar com mistura de moléculas mais seletivas, sempre olhando os avanços. Hoje temos misturas de herbicidas que não são ruins, mas dão uma pegada muito grande na cana, o que refletirá em produtividade menor.
Cheguei a ver campos de vitrines tecnológicas para observar a associação de algumas misturas e teve parcelas que tiveram perda de 22 toneladas de produtividade, pelo tanto que o defensivo travou a cana.
 
Revista Canavieiros: Em relação às pragas e doenças, o que vocês têm de problemas e o que estão fazendo?
Frangiosi: Sobre pragas temos problemas consolidados com broca e cigarrinha. Estamos monitorando o Sphenophorus,através do uso de iscas, em áreas próximas da nossa região que têm histórico já identificado como em Frutal, por exemplo.
Na minha operação, os últimos levantamentos mostraram que eu não tinha essas pragas agressivas.
Agora, de doenças, o que já está presente em todo o Brasil é a podridão vermelha, causada pelo fungo Colletotrichumfalcatum. Se há algum estresse, ele entra facilmente e consegue matar uma cana-planta, então temos que ter muito cuidado. Têm também as doenças de folha, que tiram o potencial produtivo.
Dou muita importância para um manejo de folha bem feito, pois ela precisa estar ativa para converter energia, crescer e produzir açúcar para acumular no interior do colmo.A minha estratégia é preventiva, ou seja, não deixar essas doenças aparecerem.
 
Revista Canavieiros: E para a cigarrinha?Qual o seu manejo?
Frangiosi: Hoje o meu padrão, como a pressão aqui da região é muito alta, é associar dois  princípios ativos. Os que têm no mercado são o imidacloprid, thiamethoxam e etiprole. O uso deles sozinhos, pelo menos aqui na região, não tem residual muito longo, sendo necessárias reaplicações.
A tecnologia do Marshal (carbosulfano), junto com o imidacloprid ou o próprio thiamethoxam no manejo, fez com que o nematicida químico atuasse forte como o inseticida, zerando a cigarrinha, enquanto o segundo princípio ativo assumiu a função residual.
Já no corte de soqueira, entro somente com uma aplicação, ao passo que, na minha região, quem não segue esse manejo está fazendo de três a quatro aplicações.
 
Revista Canavieiros: O senhor usa algum defensivo para pragas na soja?
Frangiosi: Eu tenho um projeto de trabalhar o nematicida junto com a soja e deixá-lo pronto para a cana. Isso nasceu em parceria com a FMC e consiste em já tratar a semente com o Presence (produto biológico voltado para os cereais), baixando a pressão de infestação na cultura de rotação e deixando o canavial instalado num ambiente mais controlado.
Dessa forma consegue-se trocar o uso do nematicida químico para o biológico, pois seu nível de segurança é bem maior.
Esse experimento já está em andamento. Estamos na fase de monitoramento para o próximo plantio e uma melhor avaliação, através da coleta de mais dados, e, se der certo, será mais um projeto novo da marca parceira.
 
Revista Canavieiros: Voltando ao manejo de folhas, gostaria que se aprofundasse mais na sua visão, por favor.
Frangiosi: Procuro proteger a qualidade de folha no momento que ela mais cresce, nos meses de novembro até março, considerando temperatura, umidade e luminosidade ideais. Nesse período,trabalho bastante o uso de fungicidas.
Hoje, para mim, o fungicida não é uma prática que se discute se será usada ou não, ele é fato na cana e tem que ser usado. O que precisamos discutir é o posicionamento, quando entrar, qual o intervalo necessário entre uma aplicação e outra. Não tem como pensar em uma cana de três dígitos sem adotar o fungicida para manter a sanidade da folha.
 
Revista Canavieiros: Na sua opinião, a aplicação do fungicida pode mudar conforme variedades ou ambiente ou já é uma fórmula pronta?
Frangiosi: Há variedades ótimas quando observada a sanidade de folhas. Porém, se o fungicida for feito ela irá responder também, e têm cultivares que é preciso ter mais cuidado como, por exemplo, a CTC-15 e a CTC-4 , que é suscetível a ferrugem marrom.
No entanto,é preciso trazer para a cana o conceito de cereais na aplicação de fungicida, que é ficar de olho e não deixar a doença se instalar, ou seja, trabalhar de maneira preventiva.
Estou fazendo o fungicida para o Colletotrichum que é totalmente diferente, pois dessa forma consigo controlar todas as doenças de folha. Se fizer o defensivo pensando no controle de doença de folhas, não será possível controlar a podridão vermelha.
 
Revista Canavieiros: E quando acende o alerta para fazer o fungicida?
Frangiosi: Para o Colletotrichum, acende quando começar a dar a mancha na nervura principal da folha, que é aquela vermelha. Nesse momento, começo a aplicar junto com micronutrientes para, além de baixar a pressão, também equilibrar a planta. Quando a chuva chegar, talvez  em meados de setembro, já começo a fazer a avaliação em campo e aparecendo os primeiros sintomas, fazemos a aplicação.
É uma doença muito agressiva e que se expande rápido quando a nervura começa a ficar muito rachada. Se eu achar mais de uma mancha por metro, o alerta já é ligado e começo as aplicações.
Após a primeira aplicação, voltamos a monitorar e, como é sabido que os fungicidas não dão mais que 30 dias de residual e acontecem os veranicos como o de dezembro último, por exemplo, vemos até que limite dá para segurar. Têm áreas em que eu consigo um intervalo de 50 dias.
Trabalhando com essas duas práticas, manejo de aplicação e levantamento, dá para proteger bem a planta com uma média de três aplicações, mas ressalto que, para conseguir uma pressão baixa em qualquer tipo de manejo, é preciso vivenciar e estar atento ao canavial.

Revista Canavieiros: No seu ponto de vista, é preciso adotar a cultura do produtor de cereais na canavicultura. Fale um pouco mais sobre isso, por favor.
Frangiosi: O conceito antigo de cana é o de uma cultura rústica, que na verdade não é.Não é somente plantar e procurar fazer tudo o mais rápido possível na fase de plantio ou corte de soqueira, fazer manejo de adubo, herbicida e virar as costas para voltar somente na colheita.
A cana é tão sensível como a soja, o feijão e o milho. Ela precisa de cuidados no ciclo inteiro, fica de doze a dezoito meses no campo. Então, o levantamento tem que ser constante para sempre buscar o seu equilíbrio.


Revista Canavieiros: Sobre o monitoramento, o senhor já adota alguma tecnologia?Como é o seu processo?
Frangiosi: Trabalho com o treinamento de pessoas, busco a qualificação para acompanhar e identificar doenças, daninhas e pragas no campo.Faço uso de armadilhas para controlar de forma mais eficiente a broca e imagens de drones para identificar falhas e manchas.
Esse trabalho é fundamental para otimizar as ferramentas que temos em mãos e aproveitar o maior potencial dos produtos.

Revista Canavieiros: Vamos falar um pouco de adubação.Hoje quais são os maiores destaques dentro de sua operação?
Frangiosi: Na adubação, trabalho com o nível de fósforo um pouco superior que a média geral. Aplico 180 kg no sulco da base no momento do plantio. Também coloco um pouco de potássio na base porque o pessoal planta muito com MAP, nitrogênio e fósforo, mas, particularmente, pelos trabalhos que andei comparando, sempre colocando um pouco de potássio na base de plantio,verifiquei que isso deixa a planta mais equilibrada fisiologicamente.  No meio do ano, quando falta chuva, a cana mostra maior tolerância em relação ao que não foi colocado de potássio, mesmo em área de vinhaça.
 
Revista Canavieiros: Por que colocar um pouco a mais da média de fósforo no sulco do plantio?
Frangiosi: Devido às fontes que tínhamos, pouco solúveis, antigamente,nas recomendações, nem se falava em reaplicar o fósforo em soqueira. Mas ele é um fator determinante de perfilhamento e também um macronutriente muito importante no sistema de produção de açúcar na cana.
Coloco 180 kg no plantio e depois vou acompanhando, através da análise de solo na soqueira.Caso caia para menos de 20 mg, faço uma adubação diferenciada com mais fósforo para estocá-lo novamente. Se estiver com mais de 20 mg, coloco menos, mas sempre ponho um pouco para manter o nível.

Revista Canavieiros: E quanto aos micronutrientes?
Frangiosi: Essa é outra prática que não dá mais para discutir, temos que posicionar. Uma coisa que aprendi é que devemos parcelar os micronutrientes, não colocar uma quantidade absurda em somente uma aplicação,assim a cada entrada se aplica um pouco.
Também é preciso mudar a visão de usá-los somente para corrigir deficiências, pois se olharmos a fisiologia da planta, eles fazem parte de todo o sistema enzimático da cultura, ou seja, são ativadores de indução de capacidade de defesa, são percussores de transporte de açúcar, indutores para elevar a capacidade de fotossíntese e fazem parte das enzimas que colocam mais nitrogênio no solo. Tudo isso justifica a aplicação do mix de micronutrientes.
Faço a aplicação durante o ciclo inteiro porque a cana precisa de estímulo constantemente. Ela fica muito tempo no campo e cada vez que aplicamos, há estímulos para a produção de folhas novas.
 
Revista Canavieiros: Mas a dose é sempre a mesma? Ou varia conforme o ambiente ou época do ano?
Frangiosi: Para ver o que aplico, divido a cana por fenologia, ou seja, fase de brotação, perfilhamento, crescimento vegetativo e maturação. Com isso, trabalho com o mix de micronutrientes específicos para cada fase.
No perfilhamento, busco àqueles que contribuem para o estabelecimento da planta e para segurar o maior número de perfilhos na soqueira, pois dependendo da variedade, um perfilho segurado significa entre 6 a 14 toneladas no final. Tem gente que acha que um só não é nada, mas na hora que extrapola para um hectare a conta fica grande.
No crescimento vegetativo, uso-os para a cana crescer mais rápido, "estilingar". E por fim, uso a nutrição específica para uma pré-maturação, ou seja, trabalho a cana para receber o maturador para torná-la mais eficiente no acúmulo de açúcar.
Ainda nesse quesito, desenvolvi um trabalho em parceria com a Unesp de Botucatu, que em breve será publicado. Nele, mostraremos a viabilidade de fazer uma aplicação na última quinzena de maio e começo de junho, no início da seca, para fazer uma nutrição que deixe a cana mais tolerante ao estresse hídrico.
Com isso, equilibramos a planta para passar esse meio de safra, de falta de chuva, com folha verde. E ao voltar a chover, ela terá folha suficiente para continuar crescendo.
Ao perder a área foliar, quando começar a chover,a cana irá consumir primeiro o açúcar para produzir folha verde e depois voltar a crescer, perdendo ATR e também tempo de crescimento.

Revista Canavieiros:Como o senhor  enxerga a canavicultura daqui a dez anos?
Frangiosi: Como a nossa média ainda está muito baixa, vejo que a maior parte dos produtores está atrás de informações para voltar a crescer através do posicionamento das melhores variedades e uso de tecnologia.
A meta mesmo é buscar as 20 toneladas de açúcar por hectare, o que é possível. Eu mesmo, em alguns pontos casuais, cheguei a ter picos de 26 toneladas. Acho que o mercado deu uma acordada, começará a ter investimentos diferenciados através de produtores mais tecnificados para alcançar a meta de produtividade, pois esse é o único meio de diminuir o custo de produção e dar uma margem melhor ao fornecedor e também mais competitividade para a indústria.