Crédito restrito desafia agronegócio brasileiro

10/08/2015 Agronegócio POR: Folha de S.Paulo, 6/8/15
Diretor da maior empresa de defensivos agrícolas do mundo diz que alta do dólar pode elevar preços no Brasil. O acesso dos produtores brasileiros ao crédito para financiar a próxima safra preocupa a Syngenta, líder mundial em defensivos agrícolas.
O diretor de operações da multinacional suíça, Jon Parr, diz que o setor sente os efeitos da restrição ao crédito no Brasil –variável que pode influenciar o interesse dos agricultores no uso de tecnologia. Para minimizar os efeitos desse "ambiente desafiador", a empresa oferece os seus instrumentos de financiamento aos produtores.
Parr diz que o câmbio também preocupa, mas afirma que a empresa pode aumentar preços para compensar a desvalorização do real.
Em entrevista à Folha, o executivo ainda comentou a oferta de compra apresentada pela norte-americana Monsanto à Syngenta, em junho, no valor de US$ 45 bilhões. Segundo ele, a proposta do concorrente subvaloriza a empresa. Leia, a seguir, a entrevista.
Folha - O mundo passa por um ciclo de baixa no preço das commodities. Como a Syngenta enfrenta este momento?
Jon Parr - O baixo preço das commodities afeta a renda dos produtores e pode alterar o modo como eles plane- jam os seus negócios e como pretendem cuidar das lavouras. Mas eles não têm outra escolha a não ser plantar. O show continua.
Uma das mensagens que passamos aos agricultores é que, mesmo mais baixos, os preços ainda são suficientes para ter um bom rendimento. E eu acho que os produtores em geral entendem isso bem. Eles não estarão propensos a assumir riscos com suas lavouras. Senão, arriscam perder tudo. Acho que os preços não são a principal preocupação.
O que preocupa mais?
Eu acho que a crise financeira tem impacto maior do que os preços das commodities –e esse é o caso particular de mercados emergentes. Há duas regiões-chave em que estamos enfrentando desafios grandes. Uma delas é a Rússia e a Ucrânia, e a outra é a América Latina.
O desafio na América Latina são a desvalorização do câmbio e o aperto no crédito. A disponibilidade de crédito é um grande desafio para os produtores, porque é algo de que não conseguem escapar.
A situação é mais preocupante no Brasil?
Temos visto restrição de crédito na América Latina como um todo. A situação na Argentina é muito difícil neste momento. Mas, falando especificamente do Brasil, a situação no crédito é complicada. Os bancos estão nervosos, provavelmente por causa da situação politica, que está difícil, e porque provavelmente eles sabem que os ganhos dos produtores estão caindo por causa da queda no preço das commodities. É aí que o preço das commodities tem um efeito indireto na disponibilidade do crédito. Isso se torna um desafio tanto para os produtores como para distribuidores e varejistas com os quais trabalhamos.
Como enfrentar isso?
Se o produtor e o distribuidor não encontram funding para as suas operações, a vida fica difícil. Ao longo dos anos, a Syngenta desenvolveu soluções para ajudar os nossos clientes diretos e produtores. Isso funciona muito bem para nós, e a tendência é que toda a indústria se movimente nessa direção.
O sr. mencionou as crises financeiras na Rússia e na América Latina. A China também preocupa? Não há uma crise financeira lá, mas há dúvidas sobre o que está acontecendo no mercado de ações.
Eu não sou um especialista em China. O que eu posso comentar é que China e Ásia são importadores muito relevantes de commodities e são determinantes para os preços desses produtos. Mas eu tenho lido que os investidores estão voltando para as commodities, porque a comunidade financeira acredita que os preços tenham atingido o seu nível mais baixo.
Os investidores, e isso inclui os chineses, estão vendo isso como oportunidade. Do ponto de vista do preço das commodities, a notícia é boa.
Não posso comentar sobre o mercado de ações na China, que claramente está causando incertezas e preocupações, mas não há uma ligação imediata disso com a possibilidade de eles reduzirem a importação de alimentos.
Como o sr. avalia o segundo semestre? Será possível ter um crescimento de vendas no Brasil, mesmo com esse ambiente desafiador?
Esperamos uma continuidade do que vimos nos últimos 18 meses: um ambiente muito duro, particularmente para os produtores. Mas pode haver um alívio, se você considerar que os preços das commodities podem começar a reagir. Esperamos ter um bom desempenho, graças principalmente ao novo fungicida que lançamos no ano passado, o Elatus.
Nós tivemos um bom início no primeiro semestre, mas a grande maioria do que vendemos se concentra no segundo semestre, que é o padrão do mercado brasileiro. Talvez a indústria registre menores vendas de inseticidas neste ano. Nós esperamos compensar isso com fungicidas.
O câmbio pode influenciar o resultado? Estamos assistindo a uma desvalorização do real.
A parte boa da agricultura é que muitos produtos são exportados e são cotados em dólares, o que cria um hedge [proteção] natural. O sistema é todo dolarizado. A nossa ambição é praticar os preços no Brasil o mais próximo possível dos preços em dólares. Fomos bem-sucedidos nisso no passado e podemos ser bem-sucedidos no futuro. Isso seria coerente com o que fizemos na Ucrânia e na Rússia, onde houve uma desvalorização muito mais dramática do que temos visto no Brasil. Foi uma desvalorização de 78% em 12 meses nesses dois países, e temos compensado toda essa perda com a moeda com o aumento de preços.
O senhor acha que há espaço para alta de preços no Brasil?
Acho que há espaço, considerando que o sistema é dolarizado. O real desafio é administrar essas flutuações de curto prazo. É por isso que nós colocamos foco em nossas soluções financeiras, tornando crédito disponível e seguro para os nossos clientes. Isso torna as coisas mais fáceis? Absolutamente não. Gostaria que o real permanecesse estável? Sim. Mas temos que trabalhar com o que temos.
Hoje o Brasil é o segundo maior mercado para a Syngenta. O sr. acha que o país pode se tornar o número 1 nos próximos anos?
O Brasil é um grande mercado, tremendamente importante, e o segundo, depois dos Estados Unidos, em termos de tamanho e de valor para a Syngenta. Nos últimos dez anos, o crescimento do mercado foi grande no Brasil. Se ele continuar crescendo no mesmo nível, é claro que passará em tamanho os EUA.
Agora, eu não acho que o crescimento vai se manter naquele nível. Houve uma desaceleração para perto da estabilidade, em torno de 1% a 2%, se você olhar para os últimos 12 meses. Não acredito que o crescimento vai continuar tão baixo assim, acho que ele volta quando o preço das commodities subir. Mas eu não acho que ele vai necessariamente voltar ao nível dos últimos dez anos.
E os Estados Unidos?
Eu acho que o crescimento lá ficará levemente inferior ao que veremos no Brasil, e no futuro você poderia esperar o Brasil alcançar os EUA. Quando eu não sei. O que eu posso enfatizar é que o Brasil é um mercado enorme e importante para nós e que a agricultura é muito importante para o Brasil.
A Syngenta recusou a proposta de compra da Monsanto. É uma questão de preço, que ainda poderia ser negociado, ou a empresa concluiu que a fusão não faz sentido?
Não há negociações envolvendo a proposta da Monsanto porque não há nada nela que valha a pena ser negociado. O nosso conselho revisou a proposta e concluiu, de forma unânime, que ela não interessa. Pela nossa perspectiva, o assunto está encerrado, não temos interesse.
Por quê?
Primeiro, a Monsanto subestimou e simplificou as questões envolvendo a regulação antitruste. Nós acreditamos que isso seja uma ameaça séria à operação. Além disso, somos uma empresa que oferece soluções integradas [proteção de cultivos e sementes] e, para nós, não ficou claro o valor que a Monsanto iria colocar no nosso negócio de sementes.
Esses aspectos carregam um risco enorme de execução, o que é uma ameaça de valor aos acionistas da Syngenta. E, finalmente, quando olhamos o preço que eles atribuíram à nossa companhia, pensamos que é totalmente inadequado. Ele não reflete as perspectivas em curso para a Syngenta.
A fusão criaria um monopólio em alguns mercados?
Cada mercado vai olhar para isso de maneira diferente, e aqui vem outra complexidade dessa proposta. Um acordo como esse não precisa apenas de aprovação dos EUA e da União Europeia, mas Índia, China, Brasil terão algo a dizer sobre isso. Cada um vai olhar isso de forma diferente, de acordo com as suas próprias circunstâncias.
Diretor da maior empresa de defensivos agrícolas do mundo diz que alta do dólar pode elevar preços no Brasil. O acesso dos produtores brasileiros ao crédito para financiar a próxima safra preocupa a Syngenta, líder mundial em defensivos agrícolas.
O diretor de operações da multinacional suíça, Jon Parr, diz que o setor sente os efeitos da restrição ao crédito no Brasil –variável que pode influenciar o interesse dos agricultores no uso de tecnologia. Para minimizar os efeitos desse "ambiente desafiador", a empresa oferece os seus instrumentos de financiamento aos produtores.
Parr diz que o câmbio também preocupa, mas afirma que a empresa pode aumentar preços para compensar a desvalorização do real.
Em entrevista à Folha, o executivo ainda comentou a oferta de compra apresentada pela norte-americana Monsanto à Syngenta, em junho, no valor de US$ 45 bilhões. Segundo ele, a proposta do concorrente subvaloriza a empresa. Leia, a seguir, a entrevista.
Folha - O mundo passa por um ciclo de baixa no preço das commodities. Como a Syngenta enfrenta este momento?
Jon Parr - O baixo preço das commodities afeta a renda dos produtores e pode alterar o modo como eles plane- jam os seus negócios e como pretendem cuidar das lavouras. Mas eles não têm outra escolha a não ser plantar. O show continua.
Uma das mensagens que passamos aos agricultores é que, mesmo mais baixos, os preços ainda são suficientes para ter um bom rendimento. E eu acho que os produtores em geral entendem isso bem. Eles não estarão propensos a assumir riscos com suas lavouras. Senão, arriscam perder tudo. Acho que os preços não são a principal preocupação.
O que preocupa mais?
Eu acho que a crise financeira tem impacto maior do que os preços das commodities –e esse é o caso particular de mercados emergentes. Há duas regiões-chave em que estamos enfrentando desafios grandes. Uma delas é a Rússia e a Ucrânia, e a outra é a América Latina.
O desafio na América Latina são a desvalorização do câmbio e o aperto no crédito. A disponibilidade de crédito é um grande desafio para os produtores, porque é algo de que não conseguem escapar.
A situação é mais preocupante no Brasil?
Temos visto restrição de crédito na América Latina como um todo. A situação na Argentina é muito difícil neste momento. Mas, falando especificamente do Brasil, a situação no crédito é complicada. Os bancos estão nervosos, provavelmente por causa da situação politica, que está difícil, e porque provavelmente eles sabem que os ganhos dos produtores estão caindo por causa da queda no preço das commodities. É aí que o preço das commodities tem um efeito indireto na disponibilidade do crédito. Isso se torna um desafio tanto para os produtores como para distribuidores e varejistas com os quais trabalhamos.
Como enfrentar isso?
Se o produtor e o distribuidor não encontram funding para as suas operações, a vida fica difícil. Ao longo dos anos, a Syngenta desenvolveu soluções para ajudar os nossos clientes diretos e produtores. Isso funciona muito bem para nós, e a tendência é que toda a indústria se movimente nessa direção.
O sr. mencionou as crises financeiras na Rússia e na América Latina. A China também preocupa? Não há uma crise financeira lá, mas há dúvidas sobre o que está acontecendo no mercado de ações.
Eu não sou um especialista em China. O que eu posso comentar é que China e Ásia são importadores muito relevantes de commodities e são determinantes para os preços desses produtos. Mas eu tenho lido que os investidores estão voltando para as commodities, porque a comunidade financeira acredita que os preços tenham atingido o seu nível mais baixo.
Os investidores, e isso inclui os chineses, estão vendo isso como oportunidade. Do ponto de vista do preço das commodities, a notícia é boa.
Não posso comentar sobre o mercado de ações na China, que claramente está causando incertezas e preocupações, mas não há uma ligação imediata disso com a possibilidade de eles reduzirem a importação de alimentos.
Como o sr. avalia o segundo semestre? Será possível ter um crescimento de vendas no Brasil, mesmo com esse ambiente desafiador?
Esperamos uma continuidade do que vimos nos últimos 18 meses: um ambiente muito duro, particularmente para os produtores. Mas pode haver um alívio, se você considerar que os preços das commodities podem começar a reagir. Esperamos ter um bom desempenho, graças principalmente ao novo fungicida que lançamos no ano passado, o Elatus.
Nós tivemos um bom início no primeiro semestre, mas a grande maioria do que vendemos se concentra no segundo semestre, que é o padrão do mercado brasileiro. Talvez a indústria registre menores vendas de inseticidas neste ano. Nós esperamos compensar isso com fungicidas.
O câmbio pode influenciar o resultado? Estamos assistindo a uma desvalorização do real.
A parte boa da agricultura é que muitos produtos são exportados e são cotados em dólares, o que cria um hedge [proteção] natural. O sistema é todo dolarizado. A nossa ambição é praticar os preços no Brasil o mais próximo possível dos preços em dólares. Fomos bem-sucedidos nisso no passado e podemos ser bem-sucedidos no futuro. Isso seria coerente com o que fizemos na Ucrânia e na Rússia, onde houve uma desvalorização muito mais dramática do que temos visto no Brasil. Foi uma desvalorização de 78% em 12 meses nesses dois países, e temos compensado toda essa perda com a moeda com o aumento de preços.
O senhor acha que há espaço para alta de preços no Brasil?
Acho que há espaço, considerando que o sistema é dolarizado. O real desafio é administrar essas flutuações de curto prazo. É por isso que nós colocamos foco em nossas soluções financeiras, tornando crédito disponível e seguro para os nossos clientes. Isso torna as coisas mais fáceis? Absolutamente não. Gostaria que o real permanecesse estável? Sim. Mas temos que trabalhar com o que temos.
Hoje o Brasil é o segundo maior mercado para a Syngenta. O sr. acha que o país pode se tornar o número 1 nos próximos anos?
O Brasil é um grande mercado, tremendamente importante, e o segundo, depois dos Estados Unidos, em termos de tamanho e de valor para a Syngenta. Nos últimos dez anos, o crescimento do mercado foi grande no Brasil. Se ele continuar crescendo no mesmo nível, é claro que passará em tamanho os EUA.
Agora, eu não acho que o crescimento vai se manter naquele nível. Houve uma desaceleração para perto da estabilidade, em torno de 1% a 2%, se você olhar para os últimos 12 meses. Não acredito que o crescimento vai continuar tão baixo assim, acho que ele volta quando o preço das commodities subir. Mas eu não acho que ele vai necessariamente voltar ao nível dos últimos dez anos.
E os Estados Unidos?
Eu acho que o crescimento lá ficará levemente inferior ao que veremos no Brasil, e no futuro você poderia esperar o Brasil alcançar os EUA. Quando eu não sei. O que eu posso enfatizar é que o Brasil é um mercado enorme e importante para nós e que a agricultura é muito importante para o Brasil.
A Syngenta recusou a proposta de compra da Monsanto. É uma questão de preço, que ainda poderia ser negociado, ou a empresa concluiu que a fusão não faz sentido?
Não há negociações envolvendo a proposta da Monsanto porque não há nada nela que valha a pena ser negociado. O nosso conselho revisou a proposta e concluiu, de forma unânime, que ela não interessa. Pela nossa perspectiva, o assunto está encerrado, não temos interesse.
Por quê?
Primeiro, a Monsanto subestimou e simplificou as questões envolvendo a regulação antitruste. Nós acreditamos que isso seja uma ameaça séria à operação. Além disso, somos uma empresa que oferece soluções integradas [proteção de cultivos e sementes] e, para nós, não ficou claro o valor que a Monsanto iria colocar no nosso negócio de sementes.
Esses aspectos carregam um risco enorme de execução, o que é uma ameaça de valor aos acionistas da Syngenta. E, finalmente, quando olhamos o preço que eles atribuíram à nossa companhia, pensamos que é totalmente inadequado. Ele não reflete as perspectivas em curso para a Syngenta.
A fusão criaria um monopólio em alguns mercados?
Cada mercado vai olhar para isso de maneira diferente, e aqui vem outra complexidade dessa proposta. Um acordo como esse não precisa apenas de aprovação dos EUA e da União Europeia, mas Índia, China, Brasil terão algo a dizer sobre isso. Cada um vai olhar isso de forma diferente, de acordo com as suas próprias circunstâncias.