Criação de valor na cana: aprendizados da Colômbia
16/11/2017
Cana-de-Açúcar
POR: Revista Canavieiros
Por: *Prof. Dr. Marcos Fava Neves
Introdução
Compartilho neste texto o resultado de uma viagem de uma semana feita à Colômbia no início de outubro, a convite da empresa Syngenta, que levou um grupo de empresários do setor e solicitou minha coordenação científica do programa, no papel de ajudar na organização, fomentar os debates, levantar questões intrigantes e resumir os aprendizados, tanto da cadeia como dos possíveis projetos estratégicos decorrentes. Como parte destas funções, elaborei este texto, no qual contei com apoio dos mais de 25 participantes, para fazer um resumo do que foi visto, dos aprendizados e das ações decorrentes que podem melhorar a competitividade contribuindo com todos os agentes da cadeia produtiva no Brasil. São duas partes, a primeira trata de informações interessantes da cadeia produtiva, e a segunda a nossa visão do que pode ser feito, em três grandes áreas: operação, alianças estratégicas e imagem setorial, visando a ganhos de produtividade e competitividade.
Informações interessantes sobre a cadeia da cana na Colômbia
A produção da cana na Colômbia é concentrada no vale do Cauca, próximo a Cali, formado pela separação da cordilheira Andina em duas, com um ambiente favorável à produção de cana e bastante irrigação.
São cerca de 240 mil hectares aproximadamente a uma altitude de 1000 a 1200 metros e pluviosidade de 1200 mm/ano. A cana representa 38% de toda a produção agrícola do país, tem 3,7% do PIB agrícola e 0,7% do PIB colombiano. É uma produção relativamente estável em 24 milhões de toneladas de cana gerando cerca de 2,3 milhões de toneladas de açúcar e 430 milhões de litros de etanol. A produtividade em 2015 e 2016 foi de 116,5 toneladas por hectare e cerca de 13 toneladas de açúcar/ha.
O consumo de açúcar da Colômbia é de cerca de 1,8 milhões de toneladas, gerando excedente anual exportável ao redor de 500 mil toneladas (cerca de US$ 240 milhões por ano). A Colômbia se beneficia por exportar importante volume a um mercado de cotas da União Europeia que paga US$ 700 por tonelada e aos Estados Unidos. Um dos grupos exporta 50% para a Europa e 25% para os EUA, sendo um pouco diferente dos mercados menos nobres atingidos pelos exportadores brasileiros.
O elo agrícola é formado por cerca de 2.750 produtores de cana, que detém 75% da área de cana, sendo os outros 25% controlados pelas usinas. Somando-se a área dos produtores que são gerenciadas pelas usinas, tem-se praticamente metade do total. São áreas caras, com um hectare valendo ao redor de US$ 40 mil e o arrendamento custando um valor entre US$ 1000 a 1200/ha por ano. 70% das áreas tem menos de 70 hectares.
O elo industrial tem 14 usinas, sendo que 6 também são destilarias e 12 têm infraestrutura de cogeração. Indústrias são mais verticalizadas até o mercado final de açúcar empacotado, algumas integradas no mercado de refrigerantes e outros negócios, aparentemente estão estáveis o mercado e o grau de cooperação entre empresas.
Outro aspecto é que como sempre tem cana sendo colhida, as usinas operam praticamente o ano todo (320 dias de operação). Maior parte dos ganhos nos últimos 10 anos veio dos processos industriais. O setor de cana emprega cerca de 8.500 cortadores contratados, que têm um salário médio ao redor de US$ 700 a 800/mês. São funcionários permanentes, uma vez que na Colômbia a sazonalidade é menos evidente, e tem-se colheita praticamente o ano todo. Cerca de 50% é colheita manual com queimada e 50% mecanizada. Do corte, carregamento e transporte, cerca de 80% é feito pela indústria e os outros 20% por empresas de colheita. A cana dos produtores é entregue nas suas propriedades agrícolas.
Três variedades de cana respondem por mais de 70% do canavial e o espaçamento de plantio está entre 1,50 a 1,65 m. Praticamente sem variedades precoces ou tardias. Percebe-se forte apelo social (inclusão) nas empresas do setor, em boa parte das apresentações este aspecto aparece com frequência. Também grande preocupação observada com a chegada da transgenia na cana e os impactos que isto pode trazer nos consumidores de açúcar.
A negociação de preços é feita diretamente entre as usinas e produtores, não existe uma figura como o Consecana, sendo proibido por lei este tipo de coordenação. Existe maior competição por cana, uma vez que a área é limitada. Aparentemente o custo de aquisição da matéria-prima é mais desfavorável às usinas colombianas. Cerca de 95% da cana está em contratos, normalmente de um ciclo (5/6 anos). É muito baixa a presença de cana spot.
A cadeia produtiva conta com forte apoio institucional e apresenta um grau de coordenação superior ao encontrado no Brasil. Existe a Asocaña, que é mantida pelo elo industrial e produtor como voz única do setor. Seus objetivos são os de defesa da cadeia produtiva e agora atuando mais fortemente em comunicação setorial, com o programa “cana impulsionando a Colômbia. O Cenicaña é um exemplo muito interessante de organização de pesquisa, pois 98% dos seus recursos são privados, vindos de 0,65% do valor total da produção de açúcar e etanol (pagos proporcionalmente por usinas e produtores), inclusive com geração de excedentes que fazem parte de um fundo para maus momentos do setor. Este recurso é dedutível do imposto de renda.
Seu foco é na pesquisa com retorno gerando inovação e impacto. Para isto trabalham integradamente com foco em três grandes áreas: variedade, agronomia e fábricas. Pesquisam agora uma área nova onde pode haver expansão de cana (cerca de 4 milhões de hectares, no leste do país, antes parcialmente controladas pela guerrilha). Porém, há de se observar que tal como no Brasil, a produtividade está estagnada nos últimos 15 anos. O Cenicaña tem arrojada meta de produtividade por hectare a ser atingida em 2030 de 20 toneladas de açúcar por hectare.
Existe um imposto de importação de açúcar que é variável de acordo com os preços internacionais, que ajuda a proteger a indústria local. Aparentemente, o desenvolvimento do mercado de etanol na Colômbia não deve crescer em grande velocidade pela percepção que, neste momento, devido à incapacidade de se produzir mais, este mercado será capturado por importações de etanol vindas principalmente dos EUA e também do Brasil. Existe uma barreira não tributária baseada em emissões, visando proteger também o mercado local e em linha com novas diretrizes ambientais. Existe também legislação permitindo o acréscimo de 10% de anidro na gasolina nas cidades acima de 500 mil habitantes. Estes foram os principais aprendizados do funcionamento da cadeia. A partir destes, listamos os seguintes pontos para se transformarem em projetos de estudos por parte de nossas usinas e nossa cadeia produtiva.
2 - Projetos Estratégicos Visando Produtividade e Competitividade
2.1 – Operação
► Implementar mais o dinamismo e as metas nas equipes de gestão. Foco na gestão das principais variáveis para obter resultados com visão de curto, médio e longo prazo. Não deixar metas de curto prazo comprometerem o futuro. Cuidar da padronização de processos agrícolas e disciplina nas operações. Harmonia nas estruturas das usinas, ficando mais integradas e evitando que bons indicadores de uma área sejam em prejuízo de indicadores de outras áreas;
► Busca de comprometimento e de valorização das equipes e melhoria das condições de trabalho e motivação com foco na qualidade de vida;
► Ações na área agrícola para buscar as produtividades encontradas nas áreas colombianas (cerca de 40% maiores que as do Brasil) em conjunto com maior longevidade do canavial. Devemos concentrar esforços no aumento da produtividade, traçar um plano estruturado com definição de metas e cronograma para atingir patamares elevados de produtividade (18 a 20 TAH) colocando o Brasil numa posição extremamente competitiva. Evidentemente que um plano destes tem que contemplar os vários aspectos da produção (agrícola, industrial, suporte nutricional, ambiental e social), redução de desperdícios;
► Projeto para tratar o canavial por metro quadrado e não mais por hectare;
► Operação em safra mais ampla e em ambientes mais úmidos, o que pode ser feito para reduzir os impactos negativos e ampliar o trabalho em condições de chuva visando dar melhor uso dos ativos (custos fixos). Entender e explorar melhor a manutenção e disponibilidade industrial e verificar adaptações possíveis. Novas técnicas de manejo e pesquisas nesse sentido têm que ser desenvolvidas além de uma melhor compreensão dos impactos do alongamento de safra no canavial;
► Plano de uso integral de resíduos (vinhaça concentrada, torta, cinza, palha). Estudar projetos de compostagem e outros de economia circular;
► Pensar na irrigação como processo de produção altamente eficiente. Uso eficiente da água com projetos de alto nível, com análises de viabilidade visando entre outros, reduzir o risco climático;
► Projetos de diversificação de produtos dos grupos industriais e buscar sinergia com outras etapas da cadeia produtiva (fábrica de bebidas, ração, entre outros).
2.2 – Alianças Estratégicas
► Fomentar a unificação do sistema associativista, visando representar o setor e promover seu desenvolvimento (usar como estímulo os exemplos do Café da Colômbia e da Fedepalma);
► Alianças estratégicas para abertura de novos mercados;
► Projetos de fidelização, integração e melhoria da competitividade do produtor integrado de cana. Construção de indicadores e outros baseados três pilares como: a) proximidade, com desenvolvimento de relacionamento, reconhecimento, clube de compras, informação, gestão de crédito e assessoria financeira, prêmios fidelidade e evento de relacionamento; b) oportunidade, com um centro de atendimento às demandas do produtor; c) execução, sendo bom no que se faz, oferta de serviços que aumentam eficiência e a dependência e pesquisa de satisfação dos produtores, que influencia na participação de resultados da agrícola. Preocupação com o detalhe, com o “monte de pequenas coisas”;
► Criação de uma área de prestação de serviços (verticalizada ou contratada) visando prestar serviços aos produtores (venda de serviços) com eficiência e lucro (inspirado no exemplo do Rio Paila);
► Implantar mais suporte tecnológico e digital das usinas ao seu entorno, com a criação e uso de aplicativos de relacionamento e de inovação;
► Atuação das empresas sucroenergéticas na pesquisa: como podemos, como financiadores do sistema via pagamento de tributos, acelerar um processo (tomando como inspiração o caso do Cenicaña/Colômbia) de centralização da pesquisa em cana no Brasil, dizendo o que é desejado pelo setor privado e influenciando a mudança, para que os problemas de falta de recursos, duplicidade, falta de coordenação, foco e ligação com o setor privado. Criar um “FundeCana”, inspirado nos exemplos vistos e no Fundecitrus para centralizar os recursos da pesquisa e os pesquisadores em cana no Brasil e dar forte conotação privada;
► Projetos de integrações e alianças das usinas próximas visando compartilhar atividades que possam reduzir custos, desde troca de cana, combate a incêndios, compras e outros. Pensar especificamente na colheita da cana, uma estratégia mais agregadora que possa diluir custos fixos e dar maior eficácia às operações. Compartilhar malhas de torres propagadoras de sinal, entre outras boas ideias.
2.3 – Imagem Setorial
► Entre os produtores de açúcar de cana, o Brasil está submetido às mais rigorosas regras de produção em diversas áreas, como a trabalhista, ambiental, entre outras, que elevam os custos de produção. Este diferencial não é valorizado pelo mercado comprador e o setor deve se estruturar para entender melhor isto e realizar um posicionamento nesta linha;
► Mensurar e comunicar melhor, via estudo, o impacto econômico, social e ambiental das unidades industriais, de cada empresa em suas regiões e do setor sucroenergético como um todo nas comunidades, criando valor no etanol e aumentando seu consumo.
Conclusões
Existem aprendizados interessantes na cadeia produtiva da cana na Colômbia. Por ser mais estável e com área restrita, apresenta produtividade maior, porém maior competição por matéria-prima. Com apenas uma semana pode se perceber quantas ideias são geradas que podem ser pensadas para as nossas empresas, melhorando a competitividade. No geral, gostei muito de ver como elos distintos da cadeia produtiva apresentam uma coordenação bem mais integrada que no Brasil. Que isto possa servir de estímulo a buscarmos mais viagens de conhecimento e com isto ampliar nossas condições de competitividade.