Por: Marino Guerra
Uma das operações mais custosas da canavicultura é sem dúvida o CTT (Corte, Transbordo e Transporte). Com o surgimento da mecanização da colheita, boa parte dos fornecedores de cana deixaram essa etapa do processo produtivo para as usinas ou então prestadores de serviços terceiros, isso em decorrência principalmente do alto valor de investimento em maquinário e, também, por se tratar de uma realidade nova, a total falta de processos envolvendo a operação.
Enquanto o setor enfrentava o “olho da crise”, onde como um refugiado sírio todas as preocupações eram focadas simplesmente na sobrevivência diária, a estratégia logística de tirar a cana da terra e transportá-la até a unidade industrial era feita com o que se tinha. Não adiantava usar um sistema que desse a melhor rota, pois a mesma em breve estaria deteriorada pela falta de recursos na manutenção de estradas. Fatores como curva ótima de ATR e plantel varietal tiveram que ser colocados de lado, pois nem condições de fazer a reforma do canavial na época certa muitas empresas e produtores tinham.
No entanto, a tempestade está passando e a terra arrasada (baixa produtividade) pode ser vista como desanimador para muitos, mas para os empreendedores e desenvolvimentistas é uma excelente oportunidade de conquistar grandes saltos de eficiência.
Nesse cenário, o Esalq-Log (grupo voltado a difundir conhecimento sobre a área logística da atividade agrícola nacional da Faculdade de Agronomia da USP) promoveu o primeiro treinamento em planejamento e otimização da logística da cana,que contou com a presença de profissionais de CTT de usinas, prestadores de serviços, fornecedores de cana e esse repórter, representando a Revista Canavieiros e de maneira exclusiva, o qual foi ensinado na teoria e prática que através de aplicações simples é possível transcrever uma frente de colheita em números e fazer deles importante ferramenta para a tomada de decisão.
O primeiro problema, zona de conforto
Para entender como atingir níveis de excelência dentro do CTT é preciso deixar por um tempo os canaviais e voltar ao cenário industrial pós-segunda guerra mundial, no qual os americanos, viviam um momento extremamente favorável, o que deixou seus gestores em uma zona de conforto em se tratando na busca de processos mais eficientes.
Por outro lado,no Japão, país que há pouco além de ter saído derrotado do grande conflito, havia sofrido o ataque de duas bombas atômicas, nascia uma nova filosofia industrial, a qual mais tarde influenciaria o mundo inteiro, conhecida como “Sistema Toyota de Produção”, que nada mais era do que um conjunto de boas práticas e procedimentos baseado em três pilares: trabalho em grupo, capacitação tecnológica e competitividade industrial.
Inerente a revolução na gestão de uma fábrica, lógico que estavam presentes as questões relacionadas à logística (que segundo definição do professor da Esalq, José Caixeta Filho, é: “fazer com que as coisas cheguem no lugar certo, na hora certa, em condições adequadas e que se gaste o menos possível com isso”), tendo elas como objetivo principal a busca pela redução do custo do inventário (estoque de produtos, pouco utilizado na operação tema desse texto) e do capital imobilizado (aquilo que foi investido na compra de colhedoras, tratores, transbordos, caminhões e carretas).
Diante disso o modelo nipônico exigia uma rigorosa disciplina na racionalização e adequada gestão dos processos logísticos em quatro áreas distintas, sendo duas muito interessantes para a cultura canavieira: redução de desperdício (deslocamento desnecessário pela falta de comunicação, causado geralmente pela falta de integração entre os elos da cadeia e também por falha no trabalho de equipe, mais para frente ficará nítido o quanto custa uma frente de colheita se deslocar à toa) e redução do ciclo de produção (quando esse está desalinhado com fatores externos como ritmo de entrega de matéria-prima ou então problemas de armazenagem, imaginem uma usina que manda acelerar a moagem sem ter cana para isso, ou então começa a moer freneticamente sem ter onde guardar o açúcar ou etanol produzido). Sendo as outras duas, não menos importantes, mas mais naturais dentro de negócio em questão, que são: lógica do mínimo estoque (não se estoca cana)e a melhoria da qualidade (quem não busca isso está fora).
Como um aluno que aprende uma arte marcial, onde é necessário entender sua história e seus princípios para depois desenvolver a técnica conforme suas condições físicas, o agronegócio precisa se conhecer antes de partir para a luta. No caso de produção de matéria-prima para a produção sucroenergética, esse perfil se baseia na perecibilidade dos produtos (cana que demora para ser moída ou que fica no campo até florescer perde açúcar), sazonalidade da produção (com o portfólio varietal hoje disponível da mesma maneira que é possível colher com qualidade ao longo de toda safra, os riscos de perdas em decorrência de um plano de colheita equivocado também são altos), ampla distribuição geográfica (o mapa agrícola de fornecimento é sempre cercado de muitas peculiaridades), baixo valor por unidade de volume (isso é fator chave para aumentar o custo fixo de uma operação) e alto risco (biológico, impurezas e climáticos).
Com todos esses aspectos já em mente, a professora da Esalq, Catarina Barbosa Careta, propõe a utilização do modelo de Bowersox, respeitado mundialmente no campo da logística, para avaliar o estágio de desenvolvimento da organização na roça. Onde se pensarmos em uma operação de fornecimento de cana,a excelência no CTT seria constatada diante da flexibilidade de sua entrega, ou seja, a capacidade de ir além da linearidade (entregar ao longo de toda a safra)mas também ser capaz de suprir necessidades contingenciais da usina.
No entanto isso só acontece com uma organização expressiva na logística, sendo essa dividida em três dimensões: formalização, ligada a aspectos relacionados a planejamento e coordenação; monitoramento de desempenho, que cerca tudo ligado ao seu controle; e a adoção de tecnologia da informação, o que cada vez mais vai garantir a agilidade no processamento e interpretação de dados fundamentais para a tomada de decisão.
Só com essa breve espiada já dá para perceber o tamanho do desafio que envolve a logística canavieira, conforto mesmo só para o operador da colhedora que fica no ar-condicionado.
Um setor holístico
O significado básico do termo holística é procurar entender os fenômenos em sua totalidade, no caso de uma cadeia produtiva, como a sucroenergética esse seria o melhor dos mundos, onde todos os elos estariam de tal maneira integrados que dariam aos produtos finais significativas vantagens competitivas.
Quem está há bastante tempo nesse ramo, me referindo agora ao pessoal da área agrícola, vai dar risada na definição acima por achar ela impossível de ser aplicada em um setor onde atores do mesmo cenário, às vezes vizinhos, possuem processos e até mesmo objetivos tão distintos.
Prova disso é pegar uma imagem de satélite de uma região canavieira onde serão identificados: grandes e extremamente tecnológicos fornecedores, cana administrada por departamentos agrícolas de duas ou três usinas (com capacidades e metas completamente distintas), pequenos e médios fornecedores que trabalham de forma intensa para manter a propriedade de pé e agricultores, ou porque já estão em idade avançada e não tiveram sucessores ou porque viraram profissionais de outras áreas e tem a cana como fonte de renda alternativa, trabalhando em operações extremamente enxutas baseada quase que em sua totalidade (as vezes realizam alguma coisa relacionada aos tratos culturais) em serviços terceiros.
Dentro da logística o ápice da holística é conhecido como “Supply Chain Management”, uma rede interligada entre negócios e empresas envolvidos (aqui entra toda a parte de insumos) no oferecimento de bens (cana-de-açúcar) aos consumidores finais (unidades industriais).
Vale lembrar que ter essa interligação em níveis de excelência é algo quase impossível para qualquer tipo de setor do agronegócio. No entanto todos tentam evoluir, inclusive o setor sucroenergético, e se pensarmos bem, tanto o Novo Consecana quanto o RenovaBio são projetos que para funcionar demandarão saltos expressivos dentro desse conceito.
Assim, dando um overview na cadeia a partir da área agrícola nós temos o fornecimento de cana para a usina, que a processa e (de maneira bem geral) produz açúcar, etanol e energia elétrica. O açúcar é empacotado e segue para os supermercados, ou então é vendido para a indústria alimentícia e de bebidas, porém boa parte dele segue para os portos e de lá para quase todos os continentes do mundo.
No caso do etanol ele pode ser misturado à gasolina, em seu estado anidro, ou ser distribuído para abastecer diretamente o tanque dos carros de maneira hidratada. Para a geração de energia elétrica é queimado o bagaço, que gera vapor, girando as turbinas e através de uma linha integrando a rede de distribuição.
Nesse cenário dá para contar diversos atores: fornecedor de cana, prestador de serviço CTT (ou uma parte dele), empacotador (mercado final interno) e trade (mercado externo) de açúcar, supermercado, indústria alimentícia, distribuidor de combustível, posto e negociadora de energia.
Como dá para perceber, em um esquema desenhado no papel de pão,é possível identificar uma quantidade expressiva de atores, dá para uma organização só ser tudo? A Raízen prova que é possível abraçar boa parte dos processos. No entanto a pergunta que cada um tem que responder é se é viável fazer tudo sozinho?
Acredito que para responder essa questão é preciso antes realizar a seguinte análise:é mais negócio fazer ou comprar?E para isso é preciso checar todos os detalhes, somente considerando aspectos da nova lei trabalhista, que ainda não está consolidada, mas que dará mais poder de escolha ao gestor, principalmente relacionada à contratação de terceiros e abertura de vagas sazonais, processos que antes somente era possível fazer em casa, o delivery pode se tornar interessante.
Esse estudo também não e válido somente para a unidade industrial, mas também é perfeitamente aplicado se observarmos a microcadeiaque é a produção canavieira. Observando uma operação de colheita sob esse aspecto, ao optar por uma colheita terceirizada, o fornecedor deve estar ciente de que está abrindo mão de desenvolver um conhecimento especializado e corre o risco de perder a oportunidade de cortar a sua cana em um ponto ótimo.
Em sua aula a professora Catarina propõe seguir um pequeno organograma na decisão entre fazer o almoço em casa ou buscar a comida fora. Nesse caso as perguntas que precisam ser respondidas são: A atividade tem importância estratégica? A empresa tem conhecimento especializado? O desempenho das operações da companhia é superior?
Caso as três respostas tenham sido “sim”, a fazenda tem condições de realizar o próprio serviço. Caso contrário é melhor procurar um terceiro.
Analisando o CTT podemos concluir que todos os fornecedores concordam com a importância estratégica da atividade, o problema começa quando se aborda o conhecimento especializado, no qual ainda não está disponível, principalmente entre os pequenos e médios, em razão do pouco tempo que a atividade no modo mecanizado está em prática em relação com o seu custo de implementação e necessidade de escala. A Orplana vai colocar em prática o programa “Muda Cana” justamente com o objetivo de capacitar esse público, que através do conhecimento na gestão aplicado a alternativas para ganho de área, a criação de condomínios e consórcios é o exemplo mais palpável hoje, será possível que a própria casa corte a sua cana.
Se pensarmos nos grandes (quem já produz pelo menos 6 dígitos), não há mais desculpas para que não assumam a sua própria operação, a qual com certeza já se paga tanto pelo seu volume, como pela qualidade do serviço.
Assim já é possível desenhar um caminho que dê condições ao produtor “sim” para as questões ligadas ao conhecimento e desempenho.
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