Descarbonização, uma oportunidade de novos negócios

09/12/2021 Noticias POR: FERNANDA CLARIANO


Alessandro Gardemann presidente da ABiogás

 

O presidente da ABiogás (Associação Brasileira do Biogás), Alessandro Gardemann, nesta entrevista concedida à reportagem da Revista Canavieiros, ressaltou o posicionamento da associação a favor do mercado de carbono regulado. Produzido a partir da decomposição de resíduos orgânicos, o biogás tem um papel-chave na meta brasileira de redução de emissão de gases do efeito estufa, assunto em destaque na COP 26. Gardemann ainda destacou que a meta da associação é chegar a 30 milhões de m³/dia de biogás até 2030. Confira!

Revista Canavieiros: O senhor participou recentemente da COP26, evento que reuniu mais de 190 países para discutir ações para frear o aquecimento global. Como foi essa experiência e o que pode se esperar a partir do evento?

Alessandro Gardemann: Eu fiquei muito bem impressionado. Nunca vi tanta clareza, tanta objetividade de que precisamos agir com urgência. O Brasil ter assinado o Compromisso Global do Metano representa um divisor de águas. Esta meta é grande parte da solução para ficarmos abaixo dos 2°C de aumento na temperatura global até 2050. A partir do evento, acho que vamos ver uma nova cultura entre as empresas que vão enxergar os investimentos em descarbonização não como um aumento de custo, mas sim como uma oportunidade de abrir novos negócios.

Revista Canavieiros: O que a ABiogás tem feito no sentido de promover o potencial do biogás na descarbonização da agropecuária?

Gardemann: Nosso papel, como associação que reúne mais de 80 empresas do setor, é contribuir na articulação junto às esferas governamentais para criar um ambiente que favoreça a expansão do biogás no Brasil, valorizando todos os benefícios dessa fonte energética. Colaboramos com o texto do projeto de lei que cria o PIBB - Programa de Incentivo à Produção e ao Aproveitamento de Biogás, de Biometano e de Coprodutos Associados. A ABiogás está empenhada em ampliar o debate a respeito do tema e mostrar que a indústria de biogás evoluiu muito nos últimos anos, o que é confirmado pelo grande número de projetos de sucesso. Recentemente lançamos um material chamado de “Guia do Produtor”, que está disponível no site e que explica o passo a passo para os produtores iniciarem um projeto de biogás, incluindo todas as linhas de financiamento disponíveis. O Brasil tem um potencial gigantesco de produção de biogás na agropecuária e a ABiogás tem como missão aumentar o conhecimento do tema, bem como aumentar o fomento para que a agropecuária brasileira entenda o biogás como uma nova fonte de receita.

Revista Canavieiros: Qual o potencial e as oportunidades do biogás do Brasil? O que esse volume significa?

Gardemann: O Brasil tem hoje um potencial de 120 milhões de m³/dia de biogás, o que representa dobrar a produção de gás, mas com um gás renovável e espalhado por todas as regiões do Brasil, sem precisar da construção de infraestrutura para interiorizar o gás. O biogás já está no interior e pode ser usado para desenvolver indústrias e substituir combustíveis fósseis. O volume potencial de biogás pode suprir o equivalente a 35% da demanda de energia elétrica ou 70% do consumo de diesel no Brasil.

Revista Canavieiros: Como anunciado na COP26, o biogás tem um papel-chave na meta brasileira de redução de emissão de gases do efeito estufa que passou de 43% para 50% até 2030. Qual é o posicionamento da ABiogás em relação ao mercado de carbono regulado?

Gardemann: O mercado regulado de carbono é totalmente estratégico para o Brasil e pode gerar oportunidades incríveis para o agro, agregando valor aos resíduos e tornando os nossos produtos muito mais interessantes internacionalmente. Entendemos que um mercado regulado, que envolva diversos setores da economia, é o desejado para conseguirmos otimizar as oportunidades de redução de emissões em setores com maior facilidade e, com isso, reduzir o impacto para os setores com maior dificuldade em fazer alterações no seu processo.

Revista Canavieiros: A experiência do RenovaBio deve ser utilizada para que os créditos criados neste novo mercado sejam equivalentes, assim como a metodologia de avaliação empregada que considera os impactos ambientais, a quantificação das emissões durante todo o rocesso produtivo?

Gardemann: Com certeza. O RenovaBio é um exemplo de programa inovador, que já incorpora as metodologias internacionais mais avançadas, e que pode e deve ser replicado para abranger outros setores além do de transportes.
Já temos esse mercado no Brasil, então faz todo o sentido que este novo mercado de carbono incorpore as práticas do RenovaBio. Um ponto crucial que deve ser considerado, seja no PL 528/2021, seja em outros mecanismos de criação do mercado de carbono regulado no Brasil, é o uso da metodologia de avaliação de ciclo de vida, que já é utilizada no RenovaBio, e que é a única forma de contabilizar as emissões de todo o processo produtivo. Ou seja, não adianta olhar apenas as emissões finais, sem olhar as emissões associadas a todos os insumos. Por exemplo, um veículo elétrico não tem emissões, mas ele só terá um baixo impacto em termos de pegada de carbono se a fonte de eletricidade usada para abastecê-lo for de baixo impacto.

Revista Canavieiros: A partir do biogás é possível desenvolver toda a cadeia de biorrefinaria?

Gardemann: Vemos o biogás como uma biorrefinaria porque a partir da molécula do metano é possível obter todos os produtos derivados de petróleo, indo muito além da geração de calor, energia elétrica ou combustível, que são os principais usos do biogás hoje. A partir do biogás é possível chegar ao hidrogênio, metanol, amônia, gás de síntese, CO2, entre outros, além dos biofertilizantes.

Revista Canavieiros: O Ministério da Agricultura junto com o Plano ABC+ ampliou o limite de financiamento para plantas de biogás, pensando em trazer tecnologia, eficiência. Por favor, gostaria que o senhor comentasse.

Gardemann: As linhas de financiamento como a do ABC+ são importantíssimas para fomentar os investimentos e a ampliação anunciada este ano mostra o quando o Ministério acredita no desenvolvimento do biogás. O setor evoluiu muito em termos de tecnologia, com equipamentos com a mesma eficiência do gás natural, e da própria indústria, com diversos fornecedores nacionais.

Revista Canavieiros: Há uma preocupação no sentido de que surjam metas inatingíveis?

Gardemann: Na ABiogás estamos confiantes em atingir a meta de 30 milhões de m³/dia de biogás até 2030, que corresponde a 25% do potencial que mapeamos. Estamos nos baseando em dados e projeções sólidas, com informações baseados nos projetos das mais de 80 empresas que fazem parte da associação. O governo tem uma projeção de adicionar 22 GW de termoelétricas no sistema, e calculamos que o biogás pode contribuir com 3GW de capacidade instalada.