Dez anos de veículos flex-fuel no Brasil

17/07/2013 Geral POR: Igor Gimenes Cesca
Dez anos atrás, em 2003, no Brasil, por meio de iniciativa das montadoras, surgiram os veículos flex-fuel, popularmente conhecidos como “bicombustíveis”. Com o sucesso de vendas desses veículos, era de se esperar que os motoristas, em geral, pudessem escolher entre o combustível com o melhor preço. Logo, vislumbrou-se a possibilidade de que os veículos flex-fuel atuariam como um regulador do mercado dos preços dos combustíveis veiculares, conforme previa, na época, o então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.
Dado o surgimento desses novos veículos e a crescente volatilidade do preço do barril de petróleo, aumentou-se a busca por combustíveis alternativos. Dessa forma, ocorreu um aumento da produção e dos investimentos no etanol, o qual, embalado pelo baixo custo de produção quando comparado com outros países – o custo de produção de etanol de cana brasileiro era aproximadamente US$ 0,25/l, enquanto o etanol do milho nos EUA era de US$ 0,40/l e o etanol de beterraba europeu era de US$ 0,65/l – e pela nova tecnologia automotiva disponível, voltou a ganhar força no cenário nacional. Assim, contando com investimentos do BNDES, ocorreu uma nova expansão dos canaviais. Logo, o país se consolidou como maior produtor mundial de cana-de-açúcar.
Dada a inovação, esperava-se que a formação dos preços dos combustíveis fosse menos dependente de seus custos de produção e distribuição e pudesse refletir também a pressão da demanda do consumidor. Entretanto, o aumento em larga escala da frota bicombustível acabou não tendo sido o fator de determinação dos preços dos combustíveis veiculares que se era esperado, pois, os aumentos e quedas nos preços dos combustíveis foram ocasionados por fatores externos.
Análise dos preços de combustíveis
Antes de 2006, a participação dos veículos flex-fuel no total da frota circulante era então de apenas 8%, logo inexpressiva para atuar como regulador de preços. Entretanto, a partir deste ano, é possível analisar as flutuações do preço dos combustíveis a fim de verificar a contribuição do volume da frota de veículos flex-fuel.
É possível ver a evolução de tais valores, calculados a partir das médias mensais dos preços da gasolina e do etanol divulgados pela ANP.
No ano de 2006 os veículos flex-fuel já correspondiam por 50% da frota nacional, enquanto que, neste ano, a gasolina foi de R$2,312 para R$2,541 e o etanol foi de R$1,377 para R$1,676 (em valores nominais na época), isto é, aumentaram 9,91% e 21,73%, respectivamente. Sendo que, o preço do barril de petróleo aumentou em 11,20% e a saca de açúcar foi valorizada em 44,64%, aumentando o interesse do setor sucroalcooleiro em produzir açúcar, ao invés de etanol.
Já no ano de 2007, para alívio dos motoristas, os preços do etanol e da gasolina reduziram. As causas desse efeito foram a desvalorização do açúcar e o aumento de investimentos, fazendo com que a produção de etanol se tornasse mais lucrativa, reduzindo também o preço do etanol anidro, o qual participa na composição da gasolina.
A partir de 2008, passou-se a sentir os efeitos do controle anti-inflacionário – por meio da redução da CIDE, que começou em 2006 – aplicado na gasolina, o qual segurou os aumentos do preço da gasolina nas refinarias. Por isso, nos postos, a variação da gasolina foi praticamente inexistente. Logo, o preço real da gasolina começou a cair (conforme é possível ver no gráfico). Além disso, com a crise de 2008, os investimentos no setor sucroalcooleiro diminuíram, piorando a saúde financeira das usinas, uma vez que estas já estavam altamente alavancadas por estratégias de expansão pré–2008. Mais ainda, para agravar a situação, o anúncio do Pré–sal indicou a mudança de planejamento energético, priorizando a exploração de petróleo. 
No ano seguinte, em 2009, os efeitos da crise e da falta de investimentos se agravaram, tanto que o preço do etanol ficou em torno de 14% mais caro. Assim, naquele ano, os preços médios encontrado nas bombas pelos motoristas foram de R$1,52 para o etanol e R$2,50 para a gasolina.
No ano de 2010, em razão de mais uma valorização do açúcar (de 2003 a 2010, o preço da saca de açúcar foi de R$23,93 para R$60,44) e da diminuição de investimentos (parou-se de expandir os canaviais, comprometendo ainda mais a produção), o etanol deixou de ser um negócio vantajoso para os usineiros. Consequentemente, a oferta começou a cair e os preços a aumentarem. Dessa forma, a oferta de etanol foi insuficiente, implicando no aumento do preço dos dois combustíveis. Novamente, assim como ocorreu na década de 80, o etanol perdeu seu espaço no mercado nacional. 
Para piorar a situação, em virtude de condições climáticas adversas, a safra 2010/2011 de cana-de-açúcar foi muito abaixo do esperado. Sendo assim, nesse período, com o fim dos investimentos, os preços dos combustíveis dispararam. Além disso, as vendas dos veículos flex-fuel não pararam de subir. 
Consequentemente, os produtores de cana-de-açúcar queixaram-se que as medidas de proteção à gasolina atrapalharam muito os negócios. Se com a crise, os investimentos caíram de US$ 10 bilhões, em 2008, para US$3 bilhões, em 2010, com o ajuste feito pelo governo no reajuste da CIDE, o setor sucroalcooleiro piorou muito mais. Dessa maneira, grupos tradicionais, como o Cosan, por exemplo, passou a investir em outras áreas como gás natural e logística. 
A fim de sanar esse problema, o governo mudou o caráter legal, em abril de 2011, do álcool da cana-de-açúcar, que deixou de ser classificado como “produto agrícola”, sendo classificado como “combustível”, o que permite a ação da ANP em seu controle. A principal ênfase deste controle relaciona-se com a questão de estoques regulatórios, cuja função é, em momentos de entressafra da cana, reduzir das oscilações do preço do etanol. Outra medida tomada pelo governo foi alterar a “banda” de mistura de etanol na gasolina, que agora varia de 18% a 25%, tornando-a assim mais flexível e menos suscetível a choques de preços em um dos combustíveis misturados, ao menos no curto prazo.
Em 2012, a presidente da Petrobrás, Maria das Graças Foster, afirmou que o preço da gasolina estava com uma defasagem de 15%. Parte disso foi recomposta ainda em 2012, com o reajuste de 7,8% dado às refinarias. Este reajuste não chegou ao consumidor. Ainda neste ano, os veículos flex-fuel foram responsáveis por 92% da venda de veículos leves.
Neste ano, entretanto, em janeiro, sem a CIDE – a qual foi zerada no ano anterior – a última elevação chegou aos postos. Em relação ao etanol, a situação ficou mais favorável, o aumento da oferta – com a última safra – garantiu melhores preços nas bombas, indicando uma leve recuperação.
Por isso tudo, percebe-se que os efeitos dos carros flex-fuel foram mínimos na regulação dos preços, ao contrário do que se esperava quando ocorreu seu lançamento no mercado. A explicação disto está em fatores externos à indústria automotiva, ligados às estruturas da cadeia produtiva do petróleo e do etanol, principalmente ao uso da gasolina como um instrumento anti-inflacionário pelo governo federal. 
Além disso, destaca-se que o preço dos combustíveis varia em função de múltiplos fatores tais como a incidência direta e indireta da carga tributária nas esferas municipal, estadual e federal, a estrutura de custos e receitas de cada estabelecimento vendedor de combustível (postos), que são influenciadas por fatores tais como frete, encargos trabalhistas, volume movimentado, margem de lucro, custos de produção, custo dos insumos, etc. Outro fator que afetou o etanol foi a crise no setor, com consequente falta de investimentos (baixa remuneração do etanol e alta alavancagem dos principais players do setor) e queda de produção do etanol (como resultado da queda da produtividade), a despeito do aumento da frota bicombustível.
Apesar de o preço final variar conforme a oferta e demanda por combustíveis do consumidor nos postos, percebe-se que isso pouco influenciou na regulação de preços. Ocorre que a margem para flutuações de demanda seria realmente pequena, independente dos veículos flex-fuel. Portanto, a despeito do aumento consistente da oferta da gasolina e do etanol, fatores exógenos à problematização feita, influenciaram com maior força a variação (para cima) dos preços de tais combustíveis, de modo a acabar com o disfarce de que os veículos flex-fuel atuariam como reguladores de mercado. 
Enfim, nestes dez anos de veículos flex-fuel no Brasil, uma vez que a alta de preços é um problema de oferta, os veículos bicombustíveis pouco puderam fazer de fato para melhorar regulação de preços dos combustíveis. O principal benefício está no fato de permitir que os consumidores tenham maior flexibilidade na escolha de qual irão utilizar em seu veículo, protegendo-se de prejuízos em eventuais altas do etanol ou da gasolina.
IGOR GIMENES CESCA, é mestre em Ciências e Engenharia do Petróleo pela Universidade Estadual de Campinas
Dez anos atrás, em 2003, no Brasil, por meio de iniciativa das montadoras, surgiram os veículos flex-fuel, popularmente conhecidos como “bicombustíveis”. Com o sucesso de vendas desses veículos, era de se esperar que os motoristas, em geral, pudessem escolher entre o combustível com o melhor preço. Logo, vislumbrou-se a possibilidade de que os veículos flex-fuel atuariam como um regulador do mercado dos preços dos combustíveis veiculares, conforme previa, na época, o então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.
Dado o surgimento desses novos veículos e a crescente volatilidade do preço do barril de petróleo, aumentou-se a busca por combustíveis alternativos. Dessa forma, ocorreu um aumento da produção e dos investimentos no etanol, o qual, embalado pelo baixo custo de produção quando comparado com outros países – o custo de produção de etanol de cana brasileiro era aproximadamente US$ 0,25/l, enquanto o etanol do milho nos EUA era de US$ 0,40/l e o etanol de beterraba europeu era de US$ 0,65/l – e pela nova tecnologia automotiva disponível, voltou a ganhar força no cenário nacional. Assim, contando com investimentos do BNDES, ocorreu uma nova expansão dos canaviais. Logo, o país se consolidou como maior produtor mundial de cana-de-açúcar.
Dada a inovação, esperava-se que a formação dos preços dos combustíveis fosse menos dependente de seus custos de produção e distribuição e pudesse refletir também a pressão da demanda do consumidor. Entretanto, o aumento em larga escala da frota bicombustível acabou não tendo sido o fator de determinação dos preços dos combustíveis veiculares que se era esperado, pois, os aumentos e quedas nos preços dos combustíveis foram ocasionados por fatores externos.
Análise dos preços de combustíveis
Antes de 2006, a participação dos veículos flex-fuel no total da frota circulante era então de apenas 8%, logo inexpressiva para atuar como regulador de preços. Entretanto, a partir deste ano, é possível analisar as flutuações do preço dos combustíveis a fim de verificar a contribuição do volume da frota de veículos flex-fuel.
É possível ver a evolução de tais valores, calculados a partir das médias mensais dos preços da gasolina e do etanol divulgados pela ANP.
No ano de 2006 os veículos flex-fuel já correspondiam por 50% da frota nacional, enquanto que, neste ano, a gasolina foi de R$2,312 para R$2,541 e o etanol foi de R$1,377 para R$1,676 (em valores nominais na época), isto é, aumentaram 9,91% e 21,73%, respectivamente. Sendo que, o preço do barril de petróleo aumentou em 11,20% e a saca de açúcar foi valorizada em 44,64%, aumentando o interesse do setor sucroalcooleiro em produzir açúcar, ao invés de etanol.
Já no ano de 2007, para alívio dos motoristas, os preços do etanol e da gasolina reduziram. As causas desse efeito foram a desvalorização do açúcar e o aumento de investimentos, fazendo com que a produção de etanol se tornasse mais lucrativa, reduzindo também o preço do etanol anidro, o qual participa na composição da gasolina.
A partir de 2008, passou-se a sentir os efeitos do controle anti-inflacionário – por meio da redução da CIDE, que começou em 2006 – aplicado na gasolina, o qual segurou os aumentos do preço da gasolina nas refinarias. Por isso, nos postos, a variação da gasolina foi praticamente inexistente. Logo, o preço real da gasolina começou a cair (conforme é possível ver no gráfico). Além disso, com a crise de 2008, os investimentos no setor sucroalcooleiro diminuíram, piorando a saúde financeira das usinas, uma vez que estas já estavam altamente alavancadas por estratégias de expansão pré–2008. Mais ainda, para agravar a situação, o anúncio do Pré–sal indicou a mudança de planejamento energético, priorizando a exploração de petróleo. 
No ano seguinte, em 2009, os efeitos da crise e da falta de investimentos se agravaram, tanto que o preço do etanol ficou em torno de 14% mais caro. Assim, naquele ano, os preços médios encontrado nas bombas pelos motoristas foram de R$1,52 para o etanol e R$2,50 para a gasolina.
No ano de 2010, em razão de mais uma valorização do açúcar (de 2003 a 2010, o preço da saca de açúcar foi de R$23,93 para R$60,44) e da diminuição de investimentos (parou-se de expandir os canaviais, comprometendo ainda mais a produção), o etanol deixou de ser um negócio vantajoso para os usineiros. Consequentemente, a oferta começou a cair e os preços a aumentarem. Dessa forma, a oferta de etanol foi insuficiente, implicando no aumento do preço dos dois combustíveis. Novamente, assim como ocorreu na década de 80, o etanol perdeu seu espaço no mercado nacional. 
Para piorar a situação, em virtude de condições climáticas adversas, a safra 2010/2011 de cana-de-açúcar foi muito abaixo do esperado. Sendo assim, nesse período, com o fim dos investimentos, os preços dos combustíveis dispararam. Além disso, as vendas dos veículos flex-fuel não pararam de subir. 
Consequentemente, os produtores de cana-de-açúcar queixaram-se que as medidas de proteção à gasolina atrapalharam muito os negócios. Se com a crise, os investimentos caíram de US$ 10 bilhões, em 2008, para US$3 bilhões, em 2010, com o ajuste feito pelo governo no reajuste da CIDE, o setor sucroalcooleiro piorou muito mais. Dessa maneira, grupos tradicionais, como o Cosan, por exemplo, passou a investir em outras áreas como gás natural e logística. 
A fim de sanar esse problema, o governo mudou o caráter legal, em abril de 2011, do álcool da cana-de-açúcar, que deixou de ser classificado como “produto agrícola”, sendo classificado como “combustível”, o que permite a ação da ANP em seu controle. A principal ênfase deste controle relaciona-se com a questão de estoques regulatórios, cuja função é, em momentos de entressafra da cana, reduzir das oscilações do preço do etanol. Outra medida tomada pelo governo foi alterar a “banda” de mistura de etanol na gasolina, que agora varia de 18% a 25%, tornando-a assim mais flexível e menos suscetível a choques de preços em um dos combustíveis misturados, ao menos no curto prazo.
Em 2012, a presidente da Petrobrás, Maria das Graças Foster, afirmou que o preço da gasolina estava com uma defasagem de 15%. Parte disso foi recomposta ainda em 2012, com o reajuste de 7,8% dado às refinarias. Este reajuste não chegou ao consumidor. Ainda neste ano, os veículos flex-fuel foram responsáveis por 92% da venda de veículos leves.
Neste ano, entretanto, em janeiro, sem a CIDE – a qual foi zerada no ano anterior – a última elevação chegou aos postos. Em relação ao etanol, a situação ficou mais favorável, o aumento da oferta – com a última safra – garantiu melhores preços nas bombas, indicando uma leve recuperação.
Por isso tudo, percebe-se que os efeitos dos carros flex-fuel foram mínimos na regulação dos preços, ao contrário do que se esperava quando ocorreu seu lançamento no mercado. A explicação disto está em fatores externos à indústria automotiva, ligados às estruturas da cadeia produtiva do petróleo e do etanol, principalmente ao uso da gasolina como um instrumento anti-inflacionário pelo governo federal. 
Além disso, destaca-se que o preço dos combustíveis varia em função de múltiplos fatores tais como a incidência direta e indireta da carga tributária nas esferas municipal, estadual e federal, a estrutura de custos e receitas de cada estabelecimento vendedor de combustível (postos), que são influenciadas por fatores tais como frete, encargos trabalhistas, volume movimentado, margem de lucro, custos de produção, custo dos insumos, etc. Outro fator que afetou o etanol foi a crise no setor, com consequente falta de investimentos (baixa remuneração do etanol e alta alavancagem dos principais players do setor) e queda de produção do etanol (como resultado da queda da produtividade), a despeito do aumento da frota bicombustível.
Apesar de o preço final variar conforme a oferta e demanda por combustíveis do consumidor nos postos, percebe-se que isso pouco influenciou na regulação de preços. Ocorre que a margem para flutuações de demanda seria realmente pequena, independente dos veículos flex-fuel. Portanto, a despeito do aumento consistente da oferta da gasolina e do etanol, fatores exógenos à problematização feita, influenciaram com maior força a variação (para cima) dos preços de tais combustíveis, de modo a acabar com o disfarce de que os veículos flex-fuel atuariam como reguladores de mercado. 
Enfim, nestes dez anos de veículos flex-fuel no Brasil, uma vez que a alta de preços é um problema de oferta, os veículos bicombustíveis pouco puderam fazer de fato para melhorar regulação de preços dos combustíveis. O principal benefício está no fato de permitir que os consumidores tenham maior flexibilidade na escolha de qual irão utilizar em seu veículo, protegendo-se de prejuízos em eventuais altas do etanol ou da gasolina.
Igor Gimenes Cesca, é mestre em Ciências e Engenharia do Petróleo pela Universidade Estadual de Campinas