Quando assumiu o seu primeiro mandato como presidente da Associação dos Fornecedores de Cana da Região de Campo Florido-MG (Canacampo), em 2013, o produtor Ademir Ferreira de Mello Júnior, embora fosse filho de um dos fundadores e, portanto, membro da segunda geração, não teve muito tempo de pensar em sucessão ao longo de suas duas gestões (encerradas em 2016), pois o foco era a manutenção do ritmo de crescimento e amadurecimento da entidade no epicentro da pior crise que o setor sucroenergético já viveu.
Passados dez anos, Juninho de Mello (como é mais conhecido no setor canavieiro), volta a ocupar a liderança da associação, porém agora, com a missão, além de trabalhar para evoluir ainda várias questões do ambiente de produção, sendo o plantio o principal deles, mas de colocar no mesmo patamar de eficiência de Campo Florido, ações que envolvem as questões ESG (ambiental, social e de governança) e ao mesmo tempo transferir todo o legado associativista, construído pela geração de seu pai aos seus colegas de geração, “filhos da Canacampo”.
Revista Canavieiros: Esta é a sua terceira passagem à frente da Canacampo, pensando em necessidades do produtor, se comparar com os dois mandados anteriores, quais desafios ainda permanecem e quais surgiram?
Juninho de Mello: Hoje o contexto se baseia muito mais em novos desafios, isso porque os associados da Canacampo, ao longo desses dez anos, evoluíram bastante sob o ponto de vista da produtividade.
Na agenda do presente, o ESG é nossa principal pauta que inclusive já iniciamos os trabalhos, como a evolução da nota de eficiência de acordo com as normas do Renovabio e também no processo de certificações, como o do Bonsucro.
Nós, produtores-fornecedores, se quisermos permanecer na atividade, precisaremos também sermos competitivos dentro das áreas de governança, ambiental e social. Não só
pensando no âmbito das leis, mas também na contribuição para a quebra de barreiras comerciais globais, vide a luta para o reconhecimento do etanol como uma alternativa viável no processo de eletrificação da mobilidade.
Revista Canavieiros: Então, é correta a afirmação que a associação trabalha no sentido de mostrar que é tão boa no ESG como já é reconhecida em termos de produção de cana-de-açúcar?
Juninho de Mello: É mais ou menos isso, pois nosso histórico de crescimento em produção sempre teve como alicerce a implantação de processos organizacionais.
Com essa dinâmica rodando por mais de vinte anos, muitas das boas práticas para conseguir as certificações, nós já fazemos, o que implicará agora num esforço de organização e adequação.
Desta forma, a resposta não é se será, mas muitas das boas práticas exigidas já são tratadas com o mesmo capricho que cuidamos das nossas lavouras.
Revista Canavieiros: Falando em produtividade e manejo, o que é praticado aqui na Canacampo que o resto do Centro-Sul ainda patina?
Juninho de Mello: Hoje vejo a canavicultura se desenvolvendo bem em diversas regiões, acredito que estamos vivendo o final de um longo processo de curva de aprendizado iniciado com a mudança do corte manual para o mecânico, e assim romperemos em breve a barreira que segura o avanço em produtividade.
Uma prática nossa que ainda enxergo como pouco adotada em outras regiões é quanto ao planejamento estratégico, há muitos manejos que adotamos, não pensando em resultados a curto prazo, mas para daqui dez anos, o que é importante para termos alguma proteção quanto a imprevisibilidade climática e de mercado, pois por exemplo, nosso canavial estará mais preparado para enfrentar uma seca ou então uma crise de preços de adubos como a do ano passado, se estiver instalado num solo saudável.
Revista Canavieiros: Sobre a safra atual, qual o cenário (a entrevista aconteceu no início de maio) na área de abrangência da Canacampo?
Juninho de Mello: Este ano o clima é atípico, pois a natureza está nos dando mais do que tirando, tivemos chuvas todos os meses de 2023, o que aliado, com as perspectivas de preços, tende a ser muito promissor.
Foi estimada uma produtividade de 94 toneladas por hectare na Canacampo, é um estudo feito considerando a situação de momento com muita chuva, mas está muito cedo.
Para se ter ideia, até hoje (09/05), temos apenas 400 mil toneladas colhidas, muito porque a estrutura de maquinário precisou ser dividida entre as frentes de plantio e colheita, por outro lado, esse número já mostra um acréscimo de 6% em relação à primeira estimativa, feita em abril.
Revista Canavieiros: E o que apresentam os números referentes à produtividade?
Juninho de Mello: Estimamos colher 4,2 milhões de toneladas entre todos os fornecedores da Usina Coruripe (Unidade de Campo Florido), o que significa uma retomada
no ganho de produção se comparado com as últimas safras muito afetadas por eventos climáticos em sequência.
Sobre o ATR, sabemos que no início da safra ele é sempre um pouco mais sacrificado, mesmo assim conseguimos estar acima em relação a igual período do ano passado, muito por influência das canas colhidas nos últimos dez dias, pois como o tempo deu uma firmada, ela cresceu ainda mais.
Um segundo fator é a tecnificação de nossos produtores, a grande maioria já domina o uso de maturadores e inibidores, pois há tempos adotaram estas ferramentas em seu
manejo fixo, pois todos sabem que o processo de maturar cana não é fácil e se deixar para aprender somente quando o clima pede sua utilização, como agora, as chances de erro são grandes.
Revista Canavieiros: Um dos assuntos de maior debate atualmente está na migração ou não do plantio mecanizado em decorrência da insegurança jurídica do manejo realizado manualmente. Como você enxerga esta questão?
Realmente se trata de uma questão muito complexa, tivemos problemas sérios, aqui estamos trabalhando no sentido de nos adequarmos o máximo possível no plantio mecanizado, com uma ajuda importante da associação no sentido de tentar encontrar soluções para seus diversos gargalos técnicos.
Quando é necessário o manual, estamos com um rigor máximo para estarmos de acordo com o que diz a NR-31. Assim, na nossa visão não importa se é mecanizado ou manual, a primeira questão é proporcionar a quem está no campo, trabalhando em nossas lavouras, no nosso time, toda segurança e, principalmente, dignidade para desenvolverem suas funções.
Revista Canavieiros: Qual sua opinião sobre o processo de evolução tecnológico do plantio de cana-de-açúcar?
Juninho de Mello: Não podemos esconder que o plantio manual é melhor em diversos aspectos, mas acho que o seu tempo está vencendo, precisamos ter em mente que estamos no início de um processo de mudança de um dos principais manejos, e assim, como houve na colheita, a curva de aprendizado e evolução tecnológica será bem longa.
Penso que essa mudança na forma como plantamos cana é necessária não é apenas pela insegurança jurídica, mas será mais um passo no sentido de qualificação da mão de obra, pois, assim como aconteceu com as colhedoras, as funções deixarão de ser braçais, para que o profissional passe a operar um trator ou implemento por exemplo, ou então trabalhe na manutenção do maquinário.
Me cobro, como produtor, de a cada dia dar melhores condições para o ser humano se aperfeiçoar, pois sei que isso se refletirá no fortalecimento da atividade agropecuária em geral.
Revista Canavieiros: Um tema recorrente em diversas associações é quanto a profissionalização de sua gestão, onde, através da criação de um conselho de administração, os associados supervisionam a atuação de uma diretoria executiva profissional dedicada somente para as questões da entidade. Como a Canacampo enxerga essa questão?
Juninho de Mello: Foi decidido por meus antecessores, vindos da primeira geração da associação, que a diretoria desse mandato, o qual estou presidindo, iria ser composta com membros da segunda geração dos associados que já estão em processo sucessório avançado dentro de suas operações.O objetivo da Canacampo sempre foi pelo crescimento contínuo, e dentro desse processo é a vez do engajamento da segunda geração dentro da associação, o que é o nosso foco no momento. Assim a formação de uma diretoria executiva não faz parte dos planos no momento.Sem deixar de sempre valorizar o pessoal da primeira geração, que eu chamo de “másters”, que sempre que necessitamos recorremos à experiência deles e se for preciso aceitamos bem os puxões de orelha, aliás, ainda bem que temos pessoas tão boas para nos chamar a atenção.
Revista Canavieiros: Em resumo, a mesma sucessão que acontece nas operações também acontece aqui na associação?
Juninho de Mello: Sim, não existe uma separação, o conceito de que juntos somos mais fortes está enraizado em nós pelos nossos antecessores. Eles nos ensinaram desde a infância que sozinhos não vamos para lugar nenhum.
Revista Canavieiros: A Copercana completa 60 anos agora em 2023. Qual foi a importância da vinda de cooperativas especialistas na cultura quando a cana chegou aqui em Campo Florido e ao fato delas estarem em constante evolução acompanhando o crescimento da região?
Juninho de Mello: O trabalho das cooperativas em toda essa nossa região é fundamental, pois são elas que vão trazer conhecimento tecnológico. O cooperativismo faz parte dessa engrenagem, assim é de interesse do produtor ver também as cooperativas crescerem, como contribuir para a evolução de toda indústria de insumos.
Só o fato de vocês estarem perto trazendo informações, seja de qualquer produto, manejo, parte técnica, isso já é muito importante, pois como as cooperativas conseguem
estar em diversos locais diferentes, conseguem nos apresentar pontos de vista impossível de vermos por estarmos concentrados na nossa atividade.
Quando falo em união não é apenas a operação que faço parte, ou a Canacampo, eu falo de cadeia, pois quando junta fica mais fácil chegar aos objetivos que trarão a tão complexa prosperidade, vide a solidez que há no relacionamento entre nós e a Usina Coruripe.
A Canacampo sempre trabalhou intensamente a parceria com todos os elos da cadeia, sempre buscamos estar bem com as cooperativas, com a usina, com os associados, enfim, com todos, acredito que isso seja um dos grandes legados construídos ao longo dessas mais de duas décadas de existência da associação.
Revista Canavieiros: Sobre a Megacana, quais são as expectativas para a edição deste ano?
Juninho de Mello: A feira está completando 15 anos e a cada edição nós tentamos mudar, os últimos trabalhos foram espetaculares, estamos trabalhando com algumas ideias mas, por outro lado, não vamos permitir que se perca uma característica presente desde a primeira edição do evento, que é trazer muito conteúdo no sentido de inovação e tecnologia e possiblidades de negócios para que todos os participantes, da Canacampo e de outras regiões do Brasil, saiam daqui com a sensação de dever cumprido com uma visão mais ampla sobre produtividade e sustentabilidade.