É pra sair cantando pneu no pós-crise

26/05/2020 Agronegócio POR: Marino Guerra

Paulo Herrmann, da John Deere, em foto da Agrishow de 2018, acredita que esse é o momento para o agro se estruturar e, com a volta da normalidade, “sair cantando pneu”

Lideranças avaliam situação do agro em tempos de quarentena

No dia primeiro de abril, a Aqua Capital, fundo de investimento independente, promoveu uma live (teleconferência com transmissão ao vivo) com lideranças de diversos setores do agro no sentido de traçar algumas linhas gerais da situação de quarentena e também projetar um cenário mínimo para o período pós-vírus.

Participaram do debate o CEO da John Deere Brasil, Paulo Herrmann; o ex-CEO América Latina da FMC e atual CEO da Biotrop, Antônio Carlos Zem; o produtor de soja e algodão, consultor e ex-presidente da Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão), Sérgio De Marco, e o ex-CEO da Dow AgroSciences Brasil e atual Operating Partner do Aqua Capital, Welles Pascoal. A moderação foi realizada pelo Private Equity Professional da Aqua Capital, Bruno Santana.

O primeiro a participar foi Pascoal, que fez uma breve análise sobre a situação do agro no momento de chegada do coronavírus ao país, ponderando que a colheita de grãos estava praticamente consolidada, os preparativos para a segunda safra bem encaminhados e, embora tenha havido uma queda nos preços internacionais, a alta do dólar ainda os manteve competitivos.

No seu primeiro comentário, Herrmann foi estimulado a comparar o momento com crises do passado e em cima disso foi taxativo: “Nunca vi nada igual”. Além disso, ele complementou que como a maioria das companhias globais, a John Deere não se preparou para uma pandemia com esse grau de seriedade e complexidade.

Um rápido posicionamento sobre as hortaliças e frutas foi a missão primeira de Zem, que classificou possíveis barreiras nas divisas entre os estados e entradas de municípios como o principal ponto de atenção. Ele ainda fez uma ressalva sobre sua preocupação com o forte impacto que aconteceu com os produtores de artigos ornamentais, especialmente em Holambra, e nos polos de cogumelos.

Finalizando a primeira rodada, o produtor De Marco disse que ao final dessa safra de verão recomenda a antecipação da estratégia para a próxima, isso devido a uma desconfiança quanto à eficiência logística mundial a respeito da circulação de insumos e/ou suas matérias-primas.

Mantendo o assunto na cadeia de suprimentos, Pascoal fez uso da palavra para enumerar três pontos latentes: 1) como ficará a produção mundial dos ativos químicos da China tendo em vista que ninguém sabe se as fábricas já voltaram a trabalhar plenamente, fazendo com que possa vir a faltar moléculas; 2) câmbio na casa dos R$ 5,20 pesará demais na hora da compra dos insumos para a próxima safra de verão, principalmente se a produção nos EUA crescer, como é o previsto e, com isso, aumentar ainda mais a pressão nos preços, 3) mesmo que já estejam em território nacional, cerca de 70% dos fertilizantes que deverão ser consumidos em 2020 correm o risco de não chegar até as fazendas devido aos problemas na distribuição, principalmente pela falta de estrutura básica para os caminhoneiros executarem seus trabalhos.

De Marco mudou o assunto da conversa para a questão de demanda, já que não vê problemas a curto prazo para os grãos e mesmo para o milho, que pode ter dificuldades no mercado externo, mas internamente tem condições de absorver a produção. O grande ponto é o algodão, produto que é afetado toda vez que surgem crises mundiais.

Safra recorde de soja com preços positivos pode ser uma fonte de recurso para quem fez uso da cultura em rotação com a cana

Diante de tantas incertezas e medos, Herrmann concluiu que para o agricultor conseguir alguma reserva na atual safra, a melhor aplicação é quitar todas as contas e antecipar o máximo possível os investimentos da temporada seguinte.

O executivo do setor de máquinas ainda comentou que o Brasil tem muito potencial para ter mais uma safra de verão muito boa, considerando que o seu maior concorrente na cultura, os EUA, vêm há dois anos consecutivos atravessando diversos problemas (desde o clima e geopolíticos, diante da guerra comercial com a China) e, para o ciclo que iniciará em breve, muito provavelmente, terão dificuldades com alguns defensivos pela falta de moléculas no mercado.

Mesmo à frente de uma empresa especialista em soluções biológicas, Zem foi categórico em dizer que, embora seja possível através do uso dessa categoria de produtos diminuir um pouco o impacto em relação às formulações que têm moléculas importadas e, consequentemente, preços influenciados pela taxa de câmbio, essa não será a saída para todos os problemas. “Vamos continuar dependentes de insumos externos por vários anos.”

Em cima desta tendência, a mais impactante para os agricultores, Zem vê como primordial a união entre as diversas lideranças por meio de frequentes conversas no sentido de não deixar passar uma grande oportunidade no momento pós-crise.

Diante dessa visão, o representante de John Deere exemplificou da seguinte maneira: “Agora precisamos estar muito bem preparados para quando essa crise se encerrar, sairmos cantando pneu”.

Para terminar o debate, os participantes fizeram uma breve recomendação aos diversos setores da cadeia agropecuária. Zem sugeriu a todos que se aproximem mais do que nunca de seu cliente, se esforçando para fornecer a ele o que precisar; Hermmann alertou para não minimizarem os danos que o vírus irá gerar e disse que a crise é uma excelente oportunidade para o agro nacional se estruturar, de maneira a ser menos dependente do governo.

Segundo o produtor Sérgio De Marco, é temerária a situação do algodão: “Toda vez que temos uma crise mundial, os preços são afetados”

 Como produtor, De Marco falou que está aprendendo muito como trabalhar melhor a distância, adotando tecnologias que permitam fazer com maior agilidade tanto suas visitas à fazenda como também a ida de fornecedores, seja para relacionamento comercial como de assistência técnica.

Pascoal foi na linha de que é preciso sair preparado deste período, pois grandes evoluções, historicamente, vieram em tempos pós-crise. E finalizou prevendo que o mundo será outro: “Haverá quebras, mas também gente que irá crescer e, principalmente, aqueles que sobreviverão porque conseguiram se transformar”.