Em pauta o etanol: fonte de energia limpa e eficiente

07/04/2020 Etanol POR: Fernanda Clariano

Entrevista: Evandro Gussi - Presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar)

O setor sucroenergético tem um grande desafio para os próximos anos: ampliar e fortalecer programas de etanol fora do circuito formado por Brasil, Estados Unidos e União Europeia. Há também uma necessidade de reduzir os altos níveis de poluição do ar nas metrópoles, além das emissões de gases de efeito estufa. O etanol é, nesse sentido, a fonte de energia mais eficiente e economicamente viável capaz de gerar impactos positivos imediatos. Para falar sobre estes e outros assuntos do setor, a Revista Canavieiros conversou com o presidente da Unica – União da Indústria da Cana-de-Açúcar, Evandro Gussi. Confira! 

Revista Canavieiros: De acordo com dados divulgados pela ANP (Agência Nacional de Petróleo), o consumo de gasolina tipo C no país, em 2019, foi de 38,2 bilhões de litros, uma queda de 0,56% sobre os 38,3 bilhões de litros consumidos no ano anterior. Já o consumo de etanol foi de 22,5 bilhões de litros, alta de 16,2% sobre os 19,3 bilhões de litros do ano passado. Como o senhor vê estes números?

Evandro Gussi: A alta no consumo de etanol traz benefícios para a população em geral. Nosso setor trabalha com responsabilidade social e ambiental, levando renda e desenvolvimento para o interior do país. Um exemplo é que em cada município onde uma usina é instalada, a renda per capita aumenta em mil dólares por ano. Nas cidades vizinhas à usina, onde há plantio de cana, o incremento de renda é de cerca de 400 dólares per capita ao ano. Além disso, mais etanol nos carros significa menor emissão de GEE (Gás de Efeito Estufa) e contribuir para o cumprimento das metas estabelecidas pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris.  Hoje, as pessoas estão bem mais conscientes e escolhendo melhor o que consomem, o que se estende para os combustíveis, e isso é muito importante para o meio ambiente. Nos próximos anos, com o RenovaBio, vamos ver a ampliação dessa participação.

Revista Canavieiros: A aprovação da medida provisória 897/2019, a chamada MP do Agro, é fundamental para alinhar agroindústria ao mercado? Por favor, comente sobre a medida.

Gussi: Sempre fomos a favor que o setor de combustíveis fosse balizado por regras de mercado e a MP dá um passo importante nesse sentido, pois traz medidas que vão ampliar as fontes de financiamento. Outro ponto importante é que a MP estabelece o percentil de tributação dos CBios, em 15%.

Revista Canavieiros: Um tema debatido há anos no setor de combustíveis é a venda direta do etanol. Como a Unica vê essa questão?

Gussi: A Unica tem trabalhado para que a eventual liberação da venda direta venha acompanhada de uma solução para as questões tributárias inerentes ao novo regime. Entendemos que a generalização da monofasia tributária, com a transposição do recolhimento dos impostos da distribuidora para o produtor, pode gerar desequilíbrios e prejuízos para o setor. Por isso estamos atuando junto à ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e aos agentes do governo para buscar alternativas. A ANP tem estudado a criação de um novo agente de comercialização, como uma distribuidora vinculada ao produtor, algo que seria positivo na nossa avaliação, pois viabiliza a venda direta sem alterar o sistema tributário.

Revista Canavieiros: O debate recente acerca da proibição de venda de veículos a combustíveis fósseis que envolveu a aprovação do projeto de lei 304/2017, na CCJ - Comissão de Constituição e Justiça do Senado, serve de alerta ao setor de combustíveis sobre a urgência de envolver o tema das emissões nas projeções futuras da indústria?

Gussi: O Brasil desfruta de uma posição única no mundo com o uso do etanol. Desde março de 2003, data de lançamento da tecnologia dos carros flex, até hoje, o consumo de etanol anidro e hidratado evitou a emissão de 603 milhões de toneladas de CO2eq, pois o nosso biocombustível reduz em 90% a emissão de GEE em relação à gasolina e é reconhecido mundialmente por sua sustentabilidade.

Em todo esse debate sobre mudança de tecnologias precisamos sempre analisar o ciclo de vida, mensurando as emissões na produção, distribuição do combustível, até o funcionamento do carro. Exemplo disso é que o carro brasileiro abastecido com etanol é menos poluente do que o carro à bateria europeu, que é movido com energia elétrica de fonte fóssil.

Temos no Brasil duas políticas muito bem estruturas de longo prazo com o objetivo de reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa, que é o Rota 2030, que estabelece parâmetros para a indústria automobilística, e o RenovaBio, que vai reduzir a emissão de CO2 da matriz de transportes brasileira por meio dos biocombustíveis.

Além disso, levantamento da EPE (Empresa de Pesquisas Energéticas) apontou que o investimento necessário para a implantação de uma rede de abastecimento de carros elétricos plug-in seria acima de US$ 250 bilhões, mais de R$ 1 trilhão de reais. Sem falar de questões sem respostas claras sobre veículos exclusivamente movidos à bateria: qual será a fonte do material para as baterias? Quantas vezes e por quanto tempo será necessário parar o carro em uma viagem de São Paulo a Sertãozinho? Como será feito o descarte dessas baterias garantindo a preservação ambiental? Haverá carros a preços populares?

O debate sobre transição energética tem que levar em conta o que é bom para o país, considerando suas particularidades e recursos. O futuro da mobilidade será múltiplo, com diferentes tecnologias e combustíveis sendo adotados simultaneamente e o etanol certamente faz parte desse cenário.

Revista Canavieiros: O fortalecimento da presença do etanol no mercado automotivo inclui o desenvolvimento do mercado internacional da commodity. A Unica enxerga potencial em países emergentes do Sudeste Asiático?

Gussi: O mundo todo está debatendo formas de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, revendo suas matrizes energéticas e tecnologias de transporte. O problema está posto e será resolvido com a criação de políticas públicas que tragam sustentabilidade. Portanto, é hora de posicionarmos o etanol como uma solução viável para públicos estratégicos, como governos e setores produtivos de outros países.

Nesse cenário, a Ásia tem sido foco do trabalho internacional da Unica de promoção do etanol, pois detém alto potencial produtivo e consumidor – além da China, temos a Índia que deve se tornar o país mais populoso do mundo em 2030. A Índia tem uma mistura média atual de 6% de etanol na gasolina, tem políticas para chegar a 10% (E10) em 2022 e a 20% (E20) em 2030. Já a China suspendeu a meta que estabelecia o E10 este ano, mas ainda tem planos de adotar o biocombustível nacionalmente. Nosso intuito inicial não é vender etanol, mas compartilhar experiências e conhecimentos sobre os benefícios do biocombustível com formadores de opinião e tomadores de decisão. Queremos apoiar esses países a serem bem-sucedidos em suas metas.

Revista Canavieiros: O senhor acredita que a transição energética no setor automotivo demandará a convivência com a gasolina e o diesel na próxima década?

Gussi: Certamente existe um processo global de ampliação do entendimento sobre a importância de medidas que promovam uma transição energética de fontes poluentes para renováveis, com a redução da emissão de gases causadores do efeito estufa no setor de transportes. Trabalhamos internacionalmente e temos percebido momentos distintos em diferentes mercados. Há aqueles que já têm uma política de transição energética delineada, que envolve a redução da pegada de carbono dos combustíveis fósseis e o incentivo às novas tecnologias. Nesse sentido, mais de 60 países têm mandatos de mistura de biocombustíveis na gasolina e no diesel. A gasolina com etanol, ou gasolina verde, como chamamos, é interessante, pois promove a redução instantânea da emissão de GEE de toda a frota, sem a necessidade de esperar a renovação dos carros por tecnologias menos poluentes. Entendemos que a mobilidade do futuro será múltipla.  Ou seja, será possível atingir um equilíbrio nas emissões e compensações de GEE com a convivência entre veículos movidos a motor de combustão interna, à bateria, híbridos e, no futuro, a célula de combustível, com os combustíveis líquidos desempenhando um papel importante.

 Revista Canavieiros: Recentemente foi realizada a missão etanol na Ásia. Quais foram os principais resultados?

Gussi: Realizamos o seminário “Sustainable Mobility: Ethanol Talks” (Mobilidade Sustentável: Conversas sobre o Etanol), em Nova Déli (Índia), Bangkok (Tailândia) e Islamabad (Paquistão). Levamos a esses países especialistas brasileiros que compartilharam conhecimentos técnicos sobre as áreas de políticas públicas, regulação, distribuição, veículos automotores e de saúde. Também organizamos encontros para aprofundar os temas com lideranças da indústria de cana-de-açúcar e automobilística. Em cada país, tivemos uma plateia de mais de 100 participantes altamente qualificados, com autoridades e representantes importantes das indústrias, e com um importante ganho em termos de evolução nas relações e nos diálogos. O projeto foi realizado em parceria com o Apla (Arranjo Produtivo Local do Álcool), o Ministério das Relações Exteriores e a Apex-Brasil. As ações terão continuidade com eventos no Brasil e no exterior no segundo semestre e estratégias de comunicação ininterruptas.

Revista Canavieiros: Quais os principais pontos que podem ajudar o setor a fortalecer sua presença no mercado asiático?

Gussi: O setor segue com agendas internacionais importantes, fazendo contatos e trocando experiências com países produtores e potenciais consumidores. Estamos trabalhando para fortalecer o mercado mundial de etanol e ampliar a percepção de que os biocombustíveis podem ser uma alternativa para compor uma matriz de transportes mais sustentável. A questão da redução de emissões de poluentes é uma das mais relevantes para promover o etanol, pois ele é uma alternativa aos combustíveis fósseis, emitindo 90% menos GEE que a gasolina. O ano de 2020 representa um marco para os especialistas em mudanças climáticas, pois registraria o nível máximo de emissões de GEE que a humanidade poderia atingir para, necessariamente, iniciar uma redução gradativa e contínua. Nesse sentido, a mistura de etanol na gasolina, quando adotada por meio de políticas públicas claras e de longo prazo, pode proporcionar um recuo instantâneo das emissões na área de transportes, setor responsável por mais de ¼ das emissões globais.

Revista Canavieiros: Nos últimos dias um dos assuntos mais comentados é sobre os números em torno do Covid-19. Quais os efeitos do Coronavírus para o agronegócio?

Gussi: O cenário ainda está muito incerto e devemos evitar especulações. O que sabemos é que até o presente momento não recebemos informações de problemas com logística e abastecimento ou alterações na programação de início de safra.