Especial: Crédito liberal
17/01/2018
Geral
POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra
O liberalismo econômico consiste na organização da economia em linhas individualistas, onde o maior número possível de decisões é tomado pelos indivíduos e não por instituições ou organizações coletivas. Ele foi criado para combater o mercantilismo, forma na qual o estado tem forte intervenção na economia.
Referir-se a qualquer área da economia brasileira como liberal, diante do peso mórbido do Governo em toda e qualquer atividade, produtiva ou de consumo, realizada no país, é sem dúvida uma afirmação mal-intencionada ou demasiadamente inocente.
No entanto, anos de governos completamente maniqueístas nos quais o “bem” consistia em forjar um crescimento através da implantação de programas assistencialistas e contabilidade motivaram agentes econômicos, até por instinto de sobrevivência, a criar um ambiente próprio de desenvolvimento, uma espécie de mundo paralelo com características liberais. Dentre esses atores, o agronegócio despontou como um dos mais eficientes.
Assim como um imprudente e irresponsável é capaz de liquidar verdadeiras fortunas em um curto período de tempo, os “bondosos” não conseguiram manter sua santidade e caíram, levando com eles a saúde financeira do estado.
Com sérias dificuldades para se manter de pé, o governo foi obrigado a eliminar ou diminuir grande parte do crédito subsidiado destinado a diversos segmentos da economia, inclusive para segmentos estratégicos. Um deles, o tradicional crédito rural com juros subsidiados, já combalido, se dissolveu.
Após anos em que o campo precisou andar com as próprias pernas é possível afirmar que, pelo menos no Brasil Agro hoje, a política de financiamento do setor está muito mais para o lado liberal do que para o mercantil, principalmente pela participação das cooperativas de créditos e outros agentes de financiamento.
Nas páginas a seguir foi delineado um mapa no qual será possível entender onde tudo começou, como funciona essa nova realidade, seu grau de maturação e os próximos desafios para buscar seu aperfeiçoamento.
Roberto Rodrigues e o LCA
É fato que o ex-ministro Roberto Rodrigues foi um dos principais a ocupar a pasta da agricultura em toda a sua história, principalmente pelas sementes e cujos frutos o setor colhe hoje. Um deles foi o nascimento dos “Títulos de Crédito do Agronegócio” que permitiram o financiamento privado do setor com fomento do ciclo produtivo da cadeia independente dos subsidiados e imprevisíveis recursos do planos-safra anuais que pareciam funcionar em tempos de dinheiro fácil e barato.
Dentre eles, dois estão sendo amplamente divulgados nos últimos anos: a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Enquanto os aplicadores pessoas físicas aplicam nesses títulos através das cooperativas de crédito e de outros agentes com o benefício da isenção de imposto de renda sobre os rendimentos, as agroindústrias e produtores rurais conseguem empréstimos com condições de taxas de juros e prazo diferenciados.
Um dos pilares de sucesso dessa estratégia de financiamento é a aplicação dos recursos captados em negócios sustentáveis socioeconomicamente. Para isso, tanto bancos como cooperativa de crédito possuem importantes ferramentas para mitigação de riscos. No entanto, como lembra o gerente de agronegócios da Sicoob Cocred, Renato Tavares da Silva, o grande diferencial do cooperativismo está na preocupação de que o empreendimento do seu cooperado consiga gerar o resultado esperado, tanto para ele como para a cooperativa continuar fomentando novos negócios.
Como exemplo de como funciona esse tratamento diferenciado, o executivo cita a contratação de uma empresa especializada no monitoramento via satélite dos empreendimentos na qual, além de mitigar riscos, possibilita ao cooperado e à cooperativa verificar a aplicação do recurso, o qual permite verificar se há reservas legais e áreas de preservação permanente (APP) regularizadas conforme a legislação.
“Como todos os cooperados são donos da Sicoob Cocred, temos muita responsabilidade sob nossa liberação de crédito. Existem casos, e não são raros, de produtores que garantem suas operações com o fruto do trabalho de toda uma vida. Para lhe apoiar nas decisões de aplicação das suas reservas ou de contratação de empréstimos, oferecemos uma estrutura forte e estruturada de pessoal e de negócios diferenciados”, completa Renato.
Com a queda da SELIC e, consequentemente dos rendimentos das aplicações, é fato que alguns produtores usem seus próprios recursos ao invés de buscar um financiamento. Para esses, os profissionais da cooperativa estão preparados para demonstrar o diferencial de aplicar nas LCA ou nos CRA, cujos rendimentos são isentos de imposto de renda para Pessoas Físicas. Mesmo durante a queda contínua dos juros o movimento na Sicoob Cocred foi positivo durante todo o ano e soma mais de R$ 1,5 bilhão em depósitos remunerados.
Se a intenção é comprar fazendas (prática comum dos produtores rurais em tempos de juros baixos), além de linhas de financiamento, a Sicoob Cocred oferece consórcio exclusivo Sicoob de imóveis rurais com prazo de até 240 meses. Só em 2017, o movimento de negócios superou a cifra de R$ 160 milhões.
Mais do que crédito, a cooperativa tem demonstrado que o financiamento privado do agronegócio fomenta a região e toda a sua população. “Com a musculatura da Sicoob Cocred hoje nós conseguimos atender desde o produtor rural, a agroindústria, a cadeia de fornecedores e prestadores de serviços ligados ao agronegócio. Além deles, toda a população é beneficiada de forma direta e indireta. Esse é o grande diferencial do cooperativismo”, disse Renato.
É assim onde pelo menos 40% dos cidadãos das economias mais desenvolvidas do mundo tomam crédito e aplicam suas economias: bem-vindo ao cooperativismo de crédito.
Mercado de capitais
A mudança do financiamento privado também alcançou outros céus nos últimos anos com os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Só em 2016, esse número alcançou a ordem de mais de R$ 12 bilhões. Em linhas gerais, o CRA é um título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em direitos creditórios do agronegócio e constitui uma promessa de pagamento em dinheiro. Classificados como operações em mercado capitais (diferente do mercado financeiro) a emissão dos CRA pode ser realizada somente por empresas especializadas nesse trabalho chamadas companhias securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio.
Pioneira como cooperativa de crédito agrícola a lançar o LCA, a Sicoob Cocred também deu o passo inicial com a viabilização de operações de CRA. O fator que motivou o desenvolvimento desse novo produto foi a união da identificação da necessidade de cooperados (principalmente de unidades industriais) na busca de uma fonte alternativa aos bancos comerciais e de investidores qualificados e super qualificados que procuram outras alternativas de aplicação além daquelas apresentadas pelo mercado financeiro. Essa união entre as duas partes fomenta projetos importantes para eles e para a região onde estão inseridos.
Para viabilizar o negócio a Sicoob Cocred fomenta operações com estrutura de garantias robustas baseadas em quatro pilares: 1) garantias reais de imóveis (geralmente de propriedades rurais na região); 2) penhor de produção; 3) fluxo de recebíveis (normalmente de recebíveis do agronegócio tais como contratos de venda futura de açúcar, etanol ou energia); e 4) aval (geralmente donos ou diretores das empresas tomadoras que possuem patrimônio). Com esse perfil de operações é possível estruturar operações autossustentáveis com prazos diferenciados para os pagamentos. “Trata-se de um mercado extremamente regulado e profissional, seguindo regras específicas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que traz segurança para quem aplica e para quem capta recursos. Hoje é possível encontrar grandes oportunidades de investimento nesses papéis com estrutura de garantias diferenciadas para quem aplica”, assegura Renato.
Não somente as garantias são importantes nesse mercado, mas também implantar um processo de governança corporativa é de fundamental importância para a empresa conseguir sucesso na captação de recursos, essa é a visão do sócio da FG/A, Willian Orzari Hernandez, empresa especializada na estruturação e execução de projetos de CRA.
Dentro do cenário sucroenergético, o consultor vê uma pulverização muito grande em diversos tipos de projeto, como implementação ou upgrade na cogeração de energia, irrigação e implementação de técnicas agrícolas, até porque a busca pelos três dígitos de produtividade em toneladas por hectare da cana é hoje a obsessão primordial do setor.
Outro ponto que o consultor chama a atenção é na inserção de todas as possibilidades de custos gerados a determinado projeto.Para exemplificar isso ele fala sobre a intenção de determinada unidade construir um tanque de etanol, onde não adianta nada levantar os recursos apenas para esse objetivo, pois se a empresa não tiver o capital de giro para levar esse estoque até a entressafra o tanque se tornará inviável. “Se vier somente o tanque e não tiver giro para produzir etanol em julho e vender em dezembro, o tanque não vai se pagar”, disse Willian.
Credibilidade da administração de uma agroindústria é com certeza um fator determinante para uma estruturação de CRA ser bem-sucedida, e nesse momento que passa o setor, fim de crise severa aliado com sucessão nas diretorias,foi criado um mito de que a regra seria a busca pela profissionalização dos cargos de maior importância.No entanto há diversos casos de empresas que conseguiram passar por esse furacão de maneira sadia e mantiveram a administração familiar quebrando totalmente essa visão, entre outros casos, chama a atenção a Viralcool, a Jalles Machado e Ipiranga. Por outro lado, também há casos de profissionalização extremamente bem-sucedidos, como Raízen e São Martinho, o que faz concluir, segundo o sócio da FG/A, que o pré-requisito para um player ter sucesso é o conhecimento de negócio e técnico.
Capital externo
Já é consolidado que o mundo olha o Brasil de maneira ávida, como a nação que precisa produzir comida e energia através de uma agricultura mais sustentável possível (o que com certeza já é o seu grande diferencial se comparado com outros grandes produtores como os Estados Unidos, manda eles encararem uma bronca igual ao código florestal).No entanto um restaurante não consegue alimentar todos os seus clientes se não tiver capital para adequar a sua estrutura, e no caso do empreendimento “Brazil green food and fuel” será necessária uma operação de crowfunding (vaquinha virtual) com os clientes (o mundo) para financiar tudo isso.
Na verdade, os clientes têm consciência de sua participação e já se movimentam dentro desse processo, tanto é que na opinião do professor da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração), Marcos Fava Neves, a entrada de capital externo no agronegócio nacional está acontecendo de maneira natural e esse ritmo deverá aumentar quando a política econômica do país estiver mais estável.
A prova final de que o mundo, como um casal muito rico, já veio ao orfanato e escolheu o agro brasileiro para ser adotado e só falta a assistência social (a população brasileira) e o juiz da infância e juventude (Governo) darem o aval para as duas partes realizarem o seu grande sonho é a operação do Rabobank (gigante cooperativa holandesa que atua como investidora em todas as partes do globo através do conceito “banking for food”, presente em toda a cadeia de produção)no Brasil há mais de 25 anos, onde já é um dos maiores financiadores do setor sucroenergético, com mais de US$ 2 bilhões em ativos distribuídos em 35 grupos, os quais está entre os três principais bancos, sendo o principal na maior parte deles.
A declaração dada por Manoel Pereira de Queiroz, gerente sênior de relacionamento da instituição holandesa sobre a motivação deles em investir na Jalles Machado, utilizada como exemplo, pois é a operação mais recente (pelo menos até o fechamento dessa edição) a qual o banco tenha participado, é digna do caro leitor colocar nas redes sociais e marcar aqueles contatos cegos que insistem em postar informações, na maioria falsas e distorcidas, contra o setor.
“Sustentabilidade, sobretudo sustentabilidade socioambiental, é uma prioridade do Rabobank. O banco foi o primeiro no Brasil a desenvolver uma política socioambiental,a qual todos os clientes têm que aderir, ou seja, na prática, só operamos com empresas ou produtores rurais que se comprometam com o tema.
A Jalles Machado é, sem dúvida, um exemplo de empresa comprometida com a sustentabilidade e isso nos dá muita segurança, mas é também uma empresa muito bem administrada, com uma operação altamente rentável e uma gestão financeira extremamente competente. Somos parceiros deles há mais de 10 anos e todas essas qualidades somadas nos deixa muito confiantes em aumentarmos ainda mais o suporte financeiro à companhia”, é digno ou não de uma replicagem?
Um elo da cadeia que vai precisar de aporte financeiro gigantesco, e isso é para ontem, é a logística.Passou da hora do agronegócio esperar a boa vontade governamental para resolver o problema, essa briga ele vai ter que comprar e aplicar a mesma eficiência produtiva aclamada da porteira para dentro, no trajeto de sua propriedade até o porto.
Liberdade, liberdade abre as asas sobre nós
Liberdade!, Liberdade! / Abre as asas sobre nós / E que a voz da igualdade / Seja sempre a nossa voz, / mas eu digo que vem / Vem, vem reviver comigo amor / O centenário em poesia / / Nesta pátria mãe querida / O império decadente, / muito rico incoerente / Era fidalguia e por isso que surgem / Surgem os tamborins, / vem emoção / A bateria vem, / no pique da canção / E a nobreza enfeita o luxo do salão, / Vem viver o sonho que sonhei / Ao longe faz-se ouvir / Tem verde e branco por aí / Brilhando na Sapucaí / e da guerra / Da guerra nunca mais / Esqueceremos do patrono, / o duque imortal / A imigração floriu, / de cultura o Brasil / A música encanta, / e o povo canta assim / e da princesa / Pra Isabel a heroína, / que assinou a lei divina / Negro dançou, / comemorou, o fim da sina / Na noite quinze e reluzente / Com a bravura, finalmente / O Marechal que proclamou foi presidente.
O imortal samba enredo cantado pela Imperatriz Leopoldinense em 1989 que foi inspirado no centenário da proclamação da República é o ornamento final para entender um pouco sobre o nível elevadíssimo de liberdade que o agro nacional alcançou em relação ao resto do país.
Isso tudo aconteceu porque o campo entendeu que toda e qualquer forma de liberdade só é conquistada em sua plenitude quando vem com maturidade, acontece com o ser-humano, acontece com a democracia (sendo justamente por isso que ela derrapa tanto ainda no Brasil) e na tomada de crédito não poderia ser diferente.
Foi muito animador fazer essa matéria e concluir que esse segmento já atingiu a maturidade suficiente para ser considerado livre nesse aspecto, e tenho certeza que ele vai conseguir se libertar em outras questões.