Especial: Homem-máquina
26/02/2018
Geral
POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra
Os obstinados com certeza acabam incorporando o seu trabalho de tal maneira que fica impossível discernir o homem de sua atividade. Isso acontece com atletas e tomo como exemplo o ginasta e medalhista olímpico Arthur Zanetti.No campo das artes também podemos citar o maestro João Carlos Martins.Grandes mentes da história tinham a obstinação como traço marcante de sua personalidade como, por exemplo: Ghandi, Martin Luther King e Steve Jobs.
Esse traço de personalidade não faz parte apenas de pessoas famosas, com certeza a esmagadora maioria dos agricultores brasileiros, que transformaram seus negócios de subsistentes para um dos maiores fornecedores mundiais de alimento e energia, também possuem uma carteirinha desse clube.
Para quem faz do seu trabalho a sua vida,é certo que no final de tudo terá sucesso.Não falo aqui apenas do lado financeiro, onde às vezes demora mais para chegar ou nem vem, mas do mais importante: o reconhecimento e a admiração.
Desse time faz parte o empresário Artur Monassi, cuja sua obstinação na busca pela evolução tecnológica da mecanização dentro da cultura canavieira justifica o apelido de homem-máquina.
A frente da Tracan, rede de concessionárias Case IH com 18 anos no mercado e lojas no coração do setor sucroenergético (Ribeirão Preto, Araçatuba, Barretos e Franca em São Paulo e Uberlândia, Patrocínio, Uberaba e Iturama em Minas Gerais) e da TMA (fábrica de transbordos, plantadoras e carretas para adubação com torta de filtro), com uma década de estrada. Monassi baseia toda sua operação em dois pilares, a integração, já que acredita que o bom resultado financeiro vem dos pequenos cortes de custos em todo o manejo na vida útil da lavoura (desde o plantio, passando pelos tratos culturais e colheitas, até a sua reforma) e a inovação tecnológica, que tem como base, principalmente,as informações colhidas através de seus clientes.
O começo de tudo
As primeiras tentativas de mecanização da colheita da cana vieram quase que juntas com o Próálcool, no final da década de 70, quando a Dedini se associou com a Austoft, empresa australiana precursora na fabricação dessa máquina, criando a Dedini-Toft. Na época o mercado era muito experimental, tanto é que os primeiros modelos colhiam a cana inteira e eram montadas sobre tratores agrícolas de série.
Passaram mais de dez anos para o Grupo Ometto se interessar pelo corte mecanizado, comprar a operação da Dedini e produzir com a marca Engeagro (os mais experientes vão se lembrar das máquinas todas amarelas), criando a Brastoft. Pouco tempo depois a Case IH adquiriu a operação mundial da Austoft e em pouco mais de três anos assumiu o controle acionário da Brastoft. Com isso, a cor das máquinas foi substituída pelo vermelho que invadiu os canaviais com o advento da colheita mecanizada.
Nesse momento Artur Monassi fundava a Tracan, empresa que a princípio era uma concessionária da fábrica norte-americana, mas que não se limitava em apenas realizar as vendas. Então,percebendo uma oportunidade de mercado pouco explorada, começou uma operação de mecanização do plantio.
No começo a intenção do empresário era desenvolver projetos e elencar parceiros para executar o processo de fabricação. Com a ajuda da Feagri (Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp) os desenhos das primeiras plantadoras foram concebidos e,duas empresas foram encarregadas da produção. Enquanto o mercado ainda era incipiente e a operação embrionária tudo parecia certo, no entanto com o crescimento do negócio os parceiros acabaram se transformando em concorrentes.
Com o passar do tempo os clientes também começaram a questionar a Tracan pelo fato de não produzir suas próprias máquinas. Com o DNA de inovação e a entrada forte da Case IH no mercado de colhedora, em 2007 foi fundada a TMA.
“Há dez anos, quando começamos a operação de fabricação das plantadoras, eu percebi que para a cultura canavieira, com o objetivo de aumentar a sua rentabilidade, não adiantava reduzir apenas os custos em uma fase da operação (plantio, colheita ou tratos culturais), era preciso ser mais eficiente em todas. Com isso percebi que máquinas de porte maior gerariam esse ganho de eficiência e foi onde pautamos nosso processo evolutivo”, disse Monassi.
Ninguém que viveu o início da mecanização dos canaviais pode falar que foi fácil, isso porque não foi um simples processo de inovação, mas uma verdadeira revolução tecnológica que ainda desafia as grandes mentes da mecanização.
Como viveu isso de perto, Monassi sabe bem quais foram os primeiros gargalos e enumera dois como os principais. O primeiro foi a questão da sistematização das lavouras, onde as linhas não seguiam uma lógica,sendo impossível entrar com a máquina sem pisoteio. “Muitas vezes elas morriam no meio do talhão “comidas” por outra que vinha em direção contrária. Também havia a questão do preparo do solo e as curvas de nível feitas de maneira inadequadas”, conta.
O empresário ainda aponta que há desafios nessa área. “Hoje aqueles que colhem acima de 600 toneladas por máquina/dia estão em um processo de sistematização avançado. Quem colhe entre 350 e 600 toneladas está em um processo evolutivo, mas é preciso dizer que o setor como um todo andou muito”.
O segundo gargalo era o consumo energético. As máquinas gastavam 1,7 litros de diesel por tonelada de cana colhida. Para resolver essa questão, a Case IH, em parceria com a Tracan, desenvolveu um projeto onde nos modelos mais novos, as colhedoras precisam de 0,75 litros para colher uma tonelada de cana. Mesmo assim, esse ainda é um assunto a ser resolvido, pois corresponde a cerca de 35% do consumo de uma operação de colheita.
Vale lembrar também de desafios importantes como o surgimento de ervas daninhas e o treinamento de operadores. Sobre isso, Monassi identifica que o marco a tecnologia de pilotos automáticos. “Quando fomos fazer o primeiro teste com o piloto automático, me lembro como se fosse hoje, era noite, na São Martinho. O operador não queria fazer a colheita de uma cana de 18 meses totalmente entrelaçada. Ele teimava em dizer que aquela operação só era possível fazer durante o dia. Então entramos com a colhedora no piloto automático. Ele não colocava a mão no manche, a máquina trabalhou sozinha. Nem ele nem eu acreditávamos que aquilo estava acontecendo. Era impossível enxergar a linha e a máquina colheu perfeitamente a 4 km/h”, lembra.
Obstáculos menores também tiveram que ser vencidos, como as mangueiras de óleo hidráulico que estouravam, causando um consumo altíssimo do produto. Hoje esse problema é praticamente inexistente.
Sobre toda essa história, o empresário desenvolveu uma filosofia de vida: “As dificuldades do passado acabam sendo relevadas no futuro, pois se tornam fáceis, mas para isso é preciso encarar os desafios de todos os dias como os maiores da vida.Viva o seu dia como se ele fosse o último da sua vida, faça tudo bem feito hoje, pois no dia de amanhã, com certeza, virão coisas mais complicadas”.
É impossível falar da história da mecanização da colheita sem falar da lei que proibiu as queimadas no Estado de São Paulo. Monassi tem a convicção de que a mão do governo não foi pesada, e argumenta dizendo que os produtores pioneiros a aderir as máquinas, até antes da lei, são hoje os campeões de produtividade, além da questão da entrega da matéria-prima limpa de impurezas vegetais.
Gigantes do ringue
Ao observar as características dos campeões de vendas ao longo do tempo de suas empresas, se constata uma característica bastante marcante, a busca constante por máquinas com cada vez mais capacidade. Isso porque eles enxergam que a rentabilidade de um canavial está sempre em pequenos detalhes. Sendo assim,reduzir custos de combustível ou mão-de-obra, sem impactar o ambiente em que a lavoura está inserida, será sempre música para o ouvido de quem lidera uma operação no campo.
Para isso, Monassi pautou todo o seu processo de inovação tecnológica na opinião de seus clientes, seguindo uma simples linha de raciocínio: quem coloca a mão na massa sabe os pontos onde as máquinas ainda precisam melhorar. Em cima dessa visão existe um ritmo acelerado de reuniões de avaliação dos produtos nas quais participam representantes do time comercial, engenharia e operação - onde nascem os projetos dos lançamentos -, que acontecem também com uma frequência expressiva, quase sempre anual.
Um exemplo claro de que esse processo funciona muito bem está na evolução dos transbordos, onde os equipamentos atuais possuem a capacidade de transportar mais de três vezes o volume de cana em relação às máquinas de dez anos atrás.
Hoje o Quadrem, equipamento de quatro eixos com capacidade para carregar 21,5 toneladas (líder de mercado), demonstra grande robustez de carga aliado a resultados expressivos quanto ao pisoteio do solo - graças a uma busca constante em conquistar eficiência na tara (peso) do produto e também em sua diluição por eixo, tendo sempre como norma interna 75% do limite dos parâmetros de compactação.
Para conseguir mensurar como foi a evolução dessa máquina, os pioneiros tinham apenas um eixo e ainda vinham com pneus industriais (causadores de compactação severa), depois inseriram os pneus de alta flutuação, na próxima geração nasceu o modelo “Tandem”, com dois eixos e a capacidade de 8 toneladas. Em seguida foi a vez do “Tridem”, que suportava um pouco a mais de cana em três eixos, até chegar a tecnologia atual dos “Quadrem”. E a evolução não para por aí, já que os canaviais deverão receber em breve uma máquina com capacidade de suportar cerca de 40 toneladas.
Nessa concepção,Monassi argumenta que embora a capacidade do produto seja grande, ele se adequa à realidade de todo canavieiro, não importando o seu tamanho: “Temos bastante fornecedores de cana como clientes, que são muito mais rigorosos aos custos e eficiência do maquinário se comparado com as unidades industriais. Estamos vendo eles trocarem transbordos relativamente novos de 10 toneladas pelo de 21 (Quadrem), isso porque não é só o simples fato dele ter um pouco mais que o dobro de capacidade de carga, são vários fatores.Quando se observa o pisoteio, no início do desenvolvimento da máquina de maior capacidade, entendemos que a tara de dois equipamentos com a metade da capacidade era absurdamente mais alta e havia transbordo no mercado pesando 12 toneladas, numa lógica onde para cada quilo de carga era mais do que um de tara.Ficou claro aonde precisávamos focar no nosso processo inovador. Com isso, o mercado soube reconhecer as virtudes desse projeto e hoje, desde fornecedores de cana até os maiores grupos do setor, o utilizam”.
No entanto, não é apenas na preservação do solo que a caixa gigante se destaca, a partir do momento que passou ser utilizada começaram a pipocar várias características importantes para a redução de custos do carregamento da cana. Fatores que vão desde pontos óbvios, como a redução do ciclo de levante e também tempo de manobra (que proporciona a queda no consumo de diesel e no tempo da operação), até descobertas pontuais, que não deixam de ser importantes, como a eliminação do desperdício de cana pois ao utilizar apenas uma caixa, não há a perda com o processo de mudança de abastecimento de uma caixa para a outra.
Outro ponto curioso é no aproveitamento dos cantos dos equipamentos. Considerando que a cana tem formato de tolete, o que impede o preenchimento completo dos ângulos, se torna lógico que uma operação com quatro cantos terá menos espaço vazio se comparado com a outra com oito.
O ganho de força dos tratores também produziu resultados perceptíveis nos canaviais. Monassi lembra que quando os primeiros veículos dotados com motor de 240 cavalos e tecnologia “Full Power Shift” (onde as marchas são trocadas sem a necessidade de pisar na embreagem) foram adquiridos para serem utilizados em canaviais. Houve muita crítica em razão de seu tamanho, no entanto, o tempo e os fatos calaram os que foram contrários, isso porque ele executa em mais de duas vezes o mesmo trabalho realizado com uma máquina de 140 cavalos, com a diferença de utilizar somente um operador, além da possibilidade de uso em praticamente todos os manejos relacionados ao cultivo de um canavial.
Com o desenvolvimento de uma tecnologia integrada, o plantio mecanizado não poderia ficar de fora. Sobre isso, a capacidade de execução do trabalho é foco importante na linha das plantadoras, onde os novos modelos chegam a distribuir de 9 até 15 toneladas de toletes em uma operação, além de ser dotada de recursos para executar dosagens variadas de fertilizantes, fungicidas, toletes e poder executar o controle da profundidade do sulco.
Recursos relacionados à tecnologia da informação talvez sejam a grande cereja desse bolo. Esses equipamentos hoje possuem a capacidade de emitir sinais quando alguma caixa já estiver 70% vazia, além de também conseguir colher um grande número de dados primordiais para a execução do planejamento estratégico em aplicações futuras.
É inadmissível pisar na cana
Quando se fala em agricultura de precisão relacionada com máquinas agrícolas, a primeira imagem que vem à mente do produtor de cana é em relação ao pisoteio. A noção de que no canavial, como em qualquer outra cultura do mundo,isso está inerente à perda de produtividade já está consolidada, e toda indústria de máquinas trabalha basicamente em duas frentes para reduzir cada vez mais esse problema.
A primeira solução é mais bruta que tecnológica e consiste na adequação da bitola (distância entre as rodas do mesmo eixo) de cada máquina. ATracan, em parceria com a São Martinho, em um projeto denominado “Viva Cana”, abriu a bitola para três metros, fazendo com que o ganho de produtividade fosse perfeitamente possível através da redução de pisoteio. Hoje a empresa consegue oferecer toda a sua linha de cana de acordo com a necessidade do cliente em relação ao espaçamento entre as linhas.
O empresário analisa que não dá para imaginar um caminhão transbordo, que foi projetado para trafegar em rodovia e com isso tem bitola fixa de 1,6 m, atuar em um canavial pisoteando as linhas. “Ainda tem gente usando isso, pode dizer que está produzindo 100 toneladas por hectare que vou argumentar dizendo que era para produzir 110.Não adianta nada realizar um belo trabalho agronômico e mesmo assim pisar na cana, a premissa é a seguinte: cana é uma cultura, e não se pisa em nenhuma cultura, até a grama é prejudicada quando pisada”.
Evitar o pisoteio de uma linha dependendo somente do olho humano seria uma loucura e é por isso que ferramentas ligadas ao georreferenciamento e piloto automático hoje são prioritárias na agricultura. Sem dúvida alguma essa é uma das tecnologias que se desenvolve de maneira mais rápida nas máquinas agrícolas de todo o mundo. Para se ter uma noção,Monassi viu um piloto automático pela primeira vez no final da década de 90, quando a Case IH lançou o AFS (AdvancedFarming Systems) - na mesma década já havia trator vermelho sulcando canaviais brasileiros utilizando piloto automático.
O empresário revela que os lançamentos de 2018 vão permitir, através de um dispositivo móvel, que o gestor da operação de colheita consiga acompanhar quantos litros de diesel a máquina está consumindo, qual a operação que ela está fazendo, se está correndo tudo dentro do planejado ou não. Outro exemplo vivido por ele é o caso de um cliente que desenvolveu uma rede de internet no campo para ter informações referente ao despacho da cana, ou seja, enquanto a colhedora está abastecendo os transbordos, a unidade industrial já tem a informação de quantas toneladas por hectare está dando, a hora prevista para chegar, além de um universo de informações estratégicas.
E assim como Ayrton Senna, é nítido notar que líderes desse setor não sabem reconhecer o limite, pois sabem que tem muito mais forças para ir além.Essa concepção é clara quando Monassi explica o que ainda está por vir. “Em breve vamos ter um negócio fantástico e conseguiremos saber se o motor de um trator ou de uma colhedora poderá falhar daqui a sete dias, identificando a causa.Tudo isso é um desenvolvimento de informações que gera um banco de dados monstruoso. Essas informações são cruzadas e então são feitos cálculos automáticos de probabilidade que trarão esse conteúdo.Outra coisa que não vai demorar muito para acontecer é o fato de monitorarmos as máquinas da concessionária. Com isso, vamos conseguir atingir um nível tão específico de informação que poderemos definir quanto tempo uma peça de trator ou da máquina dura em horas. E isso não é novidade, já é muito utilizado na aviação e trabalhamos para tornar os custos disso possíveis no campo”, afirma.
Essa visão deixa claro que não dá para se conceber que uma empresa faça apenas a venda da máquina agrícola, as concessionárias já estão e vão precisar virar cada vez mais prestadoras de serviços. Isso se quiserem permanecer nesse mercado. As concessionárias vão se relacionar de maneira intrínseca com o produtor afim de conquistar o seu grande objetivo ao adquirir o bem de capital, obter lucro.
Quem ainda não aderiu à algum tipo de solução de georreferenciamento, adequar as operações à ela é muito simples, desde que o canavial tenha um paralelismo adequado, onde no mesmo momento em que a máquina colhe a linha A, já armazena as informações para a linha B e a partir daí passa a trabalhar automaticamente.