Ethanol Fashion Week

24/07/2019 Edições POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra
 
No final do mês de junho, a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) realizou em São Paulo mais uma edição do Ethanol Summit, evento que pelo volume apresentado de tendências do setor pode ser comparado a um grande desfile de moda.
 
Dentre os mais esperados, com certeza a "coleção política" foi a de maior destaque, levando para a passarela muitos dos principais modelos da área.
 
Em sua participação, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que o setor sucroenergético conseguiu vencer uma verdadeira guerra que travou contra o “governo das más ideias” (Dilma Rousseff).
 
Na sua opinião, foi impressionante a força demonstrada pelo mesmo, que conseguiu sair do conflito ainda mais forte a ponto de desenvolver um programa do tamanho do RenovaBio. Ele afirmou que esse fato inspira o time de Bolsonaro a cumprir com sua missão de superar o momento muito complicado que o país atravessa.
 
Com um discurso muito focado na relação de amor e ódio que o Congresso vem tendo com o Palácio do Planalto, principalmente sobre as reformas, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, tocou num assunto que deve afetar boa parte do setor: a mudança no texto da lei de Recuperação Judicial.
 
Isso porque das 444 usinas existentes no Brasil, 79 estão em recuperação judicial, sendo que dessas, apenas 49 permanecem operando. Ainda há diversos grupos a um passo de também solicitar o regime judicialmente, fazendo com que qualquer alteração na lei, positiva ou negativa, afete de maneira decisiva (continuar aberta ou não) essas empresas.
 
Outro ponto de sensibilidade do mundo da cana que Maia se referiu foi quanto à necessidade de enxugamento de pessoal, aliado a investimentos em tecnologia na estrutura que executa o licenciamento ambiental.
 
Dentro dos assuntos ambientais, a participação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi bastante contundente, especialmente quando ele disse que os ambientalistas precisam saber usar o Excel e fazer conta.
 
Em seu raciocínio, alguns defensores da natureza simplesmente ignoram a conta de quanto o etanol, e por consequência o cultivo de cana-de-açúcar, são importantes e serão cada vez mais na preservação da qualidade do ar em grandes centros urbanos e também na redução de emissão de gases causadores do efeito estufa.
 
Ele também contou que apresentou o RenovaBio na reunião entre os ministros do Meio Ambiente do G-20, ocorrido uma semana antes no Japão, tendo aprovação e elogios de todos os presentes.
 
E finalizou dizendo que o setor sucroenergético conta com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. “Somos um governo que conversamos interministerialmente bastante e tudo que é interessante para o Brasil conta com o apoio irrestrito do governo, e a produção de etanol faz parte desta pauta”.
 
Com um elegante casaco de couro grosso, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que ela e o ministro do Meio Ambiente formam a linha de frente do governo na guerra por uma regulamentação mais equilibrada entre os interesses do setor produtivo em relação ao ambiental.
 
"Eu e ele temos couro grosso, não temos medo de apanhar por aquilo que é o correto", disse Tereza Cristina.
 
Sobre o setor sucroenergético, ela demonstrou ser uma entusiasta por ter visto de perto a evolução social que ele causou quando chegou ao seu estado, o Mato Grosso do Sul. Nesse contexto, ela reafirmou o compromisso de apoiá-lo em todas as suas causas políticas.
 
Mostrando também movimentação estadual, o governador de São Paulo, João Dória, citou a implantação de 11 polos de desenvolvimento no Estado como medidas que mostram que, embora sejam aguardadas, seu governo não está esperando as reformas (da Previdência e Tributária) de braços cruzados.
 
Ele ainda argumentou que a base de seu governo está alicerçada em negócios, e mencionou como exemplo a abertura de escritórios do Estado na China e em Dubai, o que deverá ser usado pelo setor para a abertura de mercados.
 
E como o último desfile é o mais aguardado, foi com as palmas dos participantes que aconteceu a cerimônia de assinatura do programa que autoriza o setor sucroenergético a emitir debêntures incentivadas.
 
Com a medida, segundo o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, será gerado um investimento de R$ 9 bilhões somente para a reforma dos canaviais. Contudo, estima-se que o programa possa trazer um montante de R$ 60 bilhões com o avanço do RenovaBio.
 
 
Uso do etanol
 
Outro desfile que tirou o fôlego dos participantes foi o que teve como tema o papel do etanol no futuro. Nesse contexto, a Toyota, através do seu diretor, Ricardo Bastos, anunciou que o Corolla híbrido movido a etanol estará disponível para venda no mercado nacional a partir do mês de outubro.
 
Segundo o executivo, o carro, que terá dois motores (elétrico e a combustão a etanol), será de longe o mais eficiente sob o ponto de vista da pegada de carbono dentre todas as alternativas já criadas no universo do Ciclo Otto.
 
Bastos também informou que a intenção da montadora é de que até 2025 todos os modelos da linha terão pelo menos uma opção híbrida ou elétrica, tendo uma chance remota de apresentar a opção movida à célula de combustível. E traça para 2030 o ano em que as vendas de carros a combustão e os de tecnologia verde terão iguais porcentagens de vendas no mundo.
 
Outro ponto salientado é a questão da escolha da rota pelas matrizes do carro elétrico à bateria. “É interesse nosso o desenvolvimento da tecnologia híbrida e a célula de combustível. Precisamos criar valor e convencer as matrizes de que o ponto de vista terá que ser do poço à roda (considera a fonte de energia e o seu grau de poluição) e não do tanque à roda (como é feita hoje)”.
 
Mais uma tendência foi anunciada pelo representante do Ministério de Minas e Energia, Miguel Lacerda, ao pontuar que o investimento que a Fiat fará no Brasil para fabricar um motor capaz de inverter a paridade de eficiência do etanol em relação à gasolina passará dos atuais 70% para 110%.
 
Isso significa que esse será o primeiro motor no mundo a sequestrar carbono, pois como sua eficiência é maior do que com o uso da gasolina, ele automaticamente torna inviável o uso do combustível fóssil mesmo em um cenário de preços iguais.
 
Segundo Lacerda, o Brasil brigava com a China como destino para o investimento, porém o RenovaBio foi o fiel da balança na decisão da cúpula da montadora. O montante deverá ser na casa dos R$ 8,5 bilhões na fábrica de Betim-MG. Essas novas instalações produzirão inicialmente uma versão turbo, de quatro cilindros e 1.3 cilindradas.
 
As novidades não pararam por aí. Representando o Traton Group, nome da subsidiária de produtos comerciais da Volkswagen, João Herrmann, mostrou o ônibus urbano e-flex, que é movido através de um projeto híbrido onde um motor é a etanol, igual ao utilizado no Golf 1.4 turbo, e o elétrico.
 
Já disponível comercialmente, o representante da montadora considerou que embora o seu custo de aquisição seja mais alto, na conta da vida útil, quando se considera a economia de combustível e manutenção, o custo total é semelhante ao veículo movido a diesel.
 
Para encerrar, o representante da AVL, Eugênio Dantas, mostrou o grau de maturação da tecnologia de célula de combustível, apontando que ela deverá ir além do setor de mobilidade, sendo utilizada como gerador de energia elétrica, principalmente em grandes datacenters e, em breve, também numa província da Argentina.
 
Conjuntura mundial
 
Num terceiro desfile discutiu-se como o mundo enxerga os produtos advindos da cana-de-açúcar. A primeira a entrar na passarela foi uma conversa muito aberta sobre a questão do açúcar, que segundo o presidente da Frente Parlamentar do Setor Sucroenergético e deputado federal, Arnaldo Jardim, as propostas de criação de leis sobre seu uso têm hoje pouca base científica.
 
Segundo ele, a grande maioria desses textos é de autoria de grupos localizados, os quais são pouco embasados em argumentos científicos, principalmente os que criam tributos, recurso que mostrou ser pouco eficiente através da constatação de que em todos os lugares do mundo onde foi tomada essa decisão não foi registrado efeito prático sob a ótica da saúde pública.
 
No painel sobre o tema, coordenado pelo professor da USP e da FGV, Marcos Fava Neves, foi constatado que, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), cada pessoa deve ingerir no máximo 50 gramas de açúcar por dia. Considerando que a maioria dos países da África e Ásia está abaixo dessa média, é certo manter a perspectiva de que o mundo ainda crescerá em sua demanda.
 
Por outro lado, há países que exageram no consumo, como os Estados Unidos (com 120 gramas/dia), por exemplo, que deverão reduzir o consumo.
 
Considerando esse cenário, o dr. Daniel Magnoni, coordenador transdisciplinar e de nutrologia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, mostrou uma pesquisa realizada com mais de 3 mil pacientes, a qual apontou que a maioria dos entrevistados que consomem açúcar e praticam atividade física não tem sobrepeso e nem obesidade.
 
Resumindo, o açúcar é um alimento necessário para a dieta humana. Contudo, a falta de educação alimentar e física acaba dando a ele a falsa fama de ser causador direto de doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade.
 
Sobre as chances do etanol se tornar um produto mundial, o diretor de Relações Governamentais da Unica, Eduardo Leão de Sousa, mostrou que Brasil, Estados Unidos e União Europeia são responsáveis por 89% do consumo mundial de etanol, dado que mostra a necessidade urgente de abertura do mercado asiático para o biocombustível.
 
Ele ainda fez uma simulação de que se o mundo todo misturasse 15% de etanol à gasolina, seria necessário um acréscimo de 125 bilhões de litros. Segundo os seus cálculos, se fossem produzidos 60% a partir da cana e 40% do milho, isso demandaria um aumento de área de 20 milhões de hectares.
 
Esse número representa apenas 0,4% das terras aráveis de todo o mundo e 1,3% das áreas que já recebem alguma prática agrícola, mostrando que o ganho de escala mundial do etanol em nada impactará a segurança alimentar mundial.
 
E como último tema, o representante da Irena (Agência Internacional para Energias Renováveis), Ricardo Gorini, disse que a energia elétrica em 2050 responderá por 49% do abastecimento da matriz energética mundial.
 
No estudo ainda foi apresentado que os combustíveis fósseis, que respondem hoje por 36%, deverão cair para 13%, enquanto que os biocombustíveis terão um ganho de 4% de mercado, sendo responsável por 16%.
 
É válido lembrar que o trabalho mostra o consumo total de energia, ou seja, tanto de eletricidade como de combustíveis.
 
Todavia, este cenário precisa ser construído ao longo de um período de transição energética, o qual já foi iniciado. Para ser bem-sucedido, é necessária uma estrutura apoiada em quatro pilares: qualidade do ar e efeito estufa, elevação constante da competitividade dos combustíveis renováveis, acesso à energia e segurança energética (equalização de problemas geopolíticos que o fim da era do petróleo certamente gerará).
 
Anos de chumbo
 
O professor Marcos Fava Neves lançou no evento mais uma obra sobre o setor. Sob o título: “Novos Caminhos da Cana - Análises e Pensamentos sobre o Agronegócio (2015-2018)”, o livro está disponível para download gratuito nos sites www.doutoragro.com e www.unica.com.br. A obra reflete, através da coletânea de textos publicados na Revista Canavieiros, os anos de chumbo do setor até a chegada do RenovaBio.
 
A publicação é editada pela Editora Canaoeste, tendo como autores do prefácio Manoel Ortolan (in memorian) e Celso Albano de Carvalho.
 
“Nos textos, o leitor poderá acompanhar as análises mensais que mostram os caminhos e os percalços do agronegócio e da cana, analisando pontos negativos e principalmente as esperanças futuras, como o lançamento do RenovaBio”, explica Fava Neves.