Evolução da produção e dinâmica de mercado na safra 2020/2021

Agronegócio POR: Antonio de Pádua Rodrigues (diretor técnico da Unica) / Luciano Rodrigues (economista-chefe da Unica)

No início de 2020, a expectativa acerca da safra 2020/2021 era bastante promissora. Canavial um pouco mais novo, condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento da lavoura, perspectiva de manutenção nos preços internacionais do petróleo e déficit mundial no mercado de açúcar eram alguns dos elementos que indicavam um bom ano para o setor.

A pandemia da Covid-19 mudou drasticamente esse cenário em menos de dois meses. Em abril, o consumo de combustíveis leves apresentou queda de quase 30% e os preços recebidos pelas usinas registraram, em termos reais, o menor patamar dos últimos 10 anos. Os valores do açúcar, a despeito da desvalorização do real, também apresentaram redução significativa. Era um cenário desolador para um setor que tentava se recuperar depois de uma das maiores crises de sua história.

Felizmente, a situação caótica observada em abril e maio vem sendo gradativamente alterada e as condições da safra 2020/2021 já se mostram mais adequadas aos produtores.

Sob o ponto de vista operacional, houve um esforço enorme para manter as atividades sem risco aos colaboradores. As usinas adotaram protocolos rígidos que permitiram a manutenção do abastecimento de açúcar e etanol, além do suprimento de energia elétrica.

Na produção, observamos o processamento de 415 milhões de toneladas até 1º de setembro, com avanço de 3,83% na comparação com a moagem registrada no mesmo período de 2019. A condição climática mais seca favoreceu a operacionalização da colheita.

O canavial mais novo e o verão propício ao desenvolvimento da lavoura têm garantido uma produtividade maior nas principais regiões produtoras do Centro-Sul. Essas duas variáveis atenuaram, até o momento, o impacto do clima mais seco observado a partir de abril sobre o rendimento agrícola médio do setor.

O menor índice pluviométrico também favoreceu a concentração de açúcares na planta. Até 1º de setembro de 2020, a concentração de ATR por tonelada de cana-de-açúcar atingiu 139,34 kg, com crescimento de 4,54% sobre o índice registrado em igual data do ano anterior.

Como era de se esperar, a safra continua mais açucareira. Até o início de setembro, 46,99% da cana-de-açúcar processada no Centro-Sul foi direcionada para a fabricação do adoçante. Isso reflete diretamente as condições de mercado.

Após o pico da pandemia, os preços do açúcar apresentaram recuperação e hoje as cotações do produto na bolsa de Nova York giram em torno de US$ 12 cents por libra-peso. As exportações brasileiras de açúcar aumentaram 77%, chegando a atingir 13,58 milhões de toneladas até o início de setembro deste ano. No mercado interno, a quarentena e o aumento de consumo nos domicílios garantiram um incremento das vendas de açúcar de quase 8% no mesmo período.

Em síntese, as condições no mercado mundial de açúcar, com safra reduzida em importantes países produtores, atenuaram os efeitos da Covid-19 sobre a receita do produtor brasileiro.

No mercado de etanol, o consumo de combustíveis leves ainda continua aquém do esperado no início do ano. O último dado divulgado pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) indica retração de 11% no consumo de combustíveis do ciclo Otto em julho. No acumulado de abril até o final de julho, a queda chega perto de 20%. Tem-se, portanto, uma recuperação gradativa ao longo dos meses, mas com volumes inferiores àqueles vislumbrados antes da pandemia da Covid-19.

Como consequência, as vendas de etanol combustível pelas usinas do Centro-Sul atingiram 9,97 bilhões de litros até o início de setembro, com queda de 23% na comparação com o volume registrado em igual período de 2019.

As exportações do biocombustível e as vendas de etanol para outros fins têm compensado de forma parcial essa queda na demanda pelo produto carburante. De fato, até o início de setembro, as exportações haviam registrado aumento de 24%, atingindo 1,1 bilhão de litros. As vendas do produto para outras finalidades apresentaram expressivo crescimento de 43%, alcançando 576 milhões de litros no mesmo período.

Como é de se esperar, o volume exportado e as vendas de etanol para fins industriais e sanitizantes não compensaram a retração na quantidade comercializada de etanol combustível. Essa condição, entretanto, retrata a vantagem competitiva do setor produtivo brasileiro, que pode fabricar açúcar e operar em diversos mercados. A flexibilidade produtiva e comercial garante melhores condições para o gerenciamento de risco de preço pela indústria nacional.

Como resultado de todos esses fatores, o preço médio recebido pelos produtores apresentou crescimento até o final de agosto. Dados apurados pelo Cepea-Esalq/USP e pelo Consecana para os produtores de São Paulo indicam um aumento médio de 11% no faturamento por tonelada de cana-de-açúcar até 1º de setembro.

A condição média não retrata a situação de todos os produtores. A pandemia provocou mudanças distintas na dinâmica comercial e na estrutura de endividamento de cada usina, especialmente para as empresas com dívida em moeda externa. De todo modo, a situação que se observa nesse momento é muito melhor do que o cenário vislumbrado em abril, no ápice dos efeitos da pandemia da Covid-19.

A indústria sucroenergética já passou por inúmeras crises, mudanças e transformações ao longo de sua história. Com determinação, competência e estratégia adequada vamos superar mais esse choque provocado pela pandemia. Novas oportunidades podem aparecer com as discussões sobre a retomada verde. Temos que estar preparado para encarar as oportunidades que podem surgir com as transformações sociais e econômicas que estão em curso.