Falta de consenso entre as usinas e de diálogo com o governo ajudou a agravar a crise

12/12/2014 Cana-de-Açúcar POR: Globo Rural
O setor sucroenergético, que engloba as indústrias que produzem açúcar, etanol e geram energia elétrica a partir da moagem do bagaço da cana-de-açúcar, enfrenta uma das piores crises desde a criação, em 1975, do Programa Nacional do Álcool (Proalcool). O cenário atual contrasta com a euforia que tomou conta do setor há dez anos, quando grandes companhias assumiram o comando das empresas e investiram pesado na expansão da capacidade instalada, apostando no potencial de crescimento tanto do mercado interno como das exportações brasileiras de etanol e açúcar.
O setor reclama que foi abandonado pelo governo e acabou sendo penalizado pelas medidas adotadas para controlar a inflação, como a limitação da alta de preços dos combustíveis, além da redução gradual, desde 2008, e do fim da cobrança, em 2012, da taxa de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que garantia a competividade do combustível de fonte renovável. Por isso, nos últimos anos, os produtores de etanol têm convivido com o descompasso entre os custos de produção ascendentes e a defasagem do preço, que é atrelado ao da gasolina, com base em 70% de eficiência energética em relação ao derivado de petróleo.
A frota de veículos flex continua crescendo, abastecida pelo etanol produzido pelas dezenas de usinas e destilarias construídas na década passada, mas a maioria das empresas enfrenta dificuldades financeiras devido as margens estreitas e ao alto nível de alavancagem. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) calcula que o endividamento do setor está em R$ 77 bilhões, valor 10% superior ao faturamento de R$ 70 bilhões estimado para esta safra. Segundo a UNICA, atualmente existem 375 usinas em operação, e destas pelo menos 30 devem paralisar as atividades na próxima safra por causa da falta de dinheiro. Nos últimos seis anos, entre 60 e 70 usinas encerraram suas atividades por problemas financeiros e outras 70 operam em regime de recuperação judicial.
Capital a custo zero
"O setor esta quebrado e a situação somente será resolvida com injeção de capital a custo zero, com o investidor apostando no risco", diz o consultor Eduardo Carvalho, do alto da experiência vivida no comando da Unica entre 2000 e 2007. Na gestão do executivo, o carro flex se tornou uma realidade e hoje representa 94% das vendas nacionais de veículos leves, assegurando no ano passado o consumo de 10,7 bilhões de litros de etanol hidratado e mais 10,4 bilhões de litros de anidro misturado à gasolina. Em 2003, quando o carro flex foi lançado, o Brasil consumia pouco mais de 8 bilhões de litros de etanol, dos quais 5 bilhões eram de anidro e 3 bilhões de hidratado.
O diretor comercial do banco ltaú BBA, Alexandre Figliolino, reconhece que a estagnação do preço do etanol é um fator importante para explicar a crise, mas observa que. a exemplo da queda de um avião, "nunca existe uma causa só". Na avaliação do executivo do ltaú, "por mais que a total ausência de definição de politicas públicas tenha sido fundamental para a deterioração do setor, sem dúvida as questões climáticas e a mecanização acelerada das atividades de colheita e plantio, aliadas à má gestão e planejamento numa parte significante do setor, também têm seu papel de responsabilidade no tamanho da crise que vivemos".
Outra questão apontada por Figliolino é a falta de diálogo do setor com o governo, que foi interrompido desde que a presidente Dilma Rousseff assumiu a Presidência da República, em 2010. "Faltam diálogo, inteligência e vontade para resolver as coisas", diz o executivo, alertando para o risco de destruição do parque produtivo e desperdício do investimento feito pelas usinas, o que compromete também a industria de bens de capital fornecedora de equipamentos para o setor, o que pode dificultar, no futuro, a retomada do crescimento.
Na avaliação de Eduardo Carvalho, a mudança no comando das empresas foi um fator que contribuiu para dificultar o diálogo com o governo. Ele conta que, no tempo em que comandou a Unica, as empresas eram familiares, comandadas pelos "homens de terno de linho branco", que, apesar das diferenças de interesses, conseguiam tomar decisões de consenso. A partir do momento em que as corporações passaram a comandar o setor, as decisões ficaram mais complicadas e muitas das empresas preferiam falar diretamente com o governo, o que tornava difícil o investimento. "Os problemas na politica de representação do setor foi um fator que também contribuiu para agravar a crise", diz ele.
Para retomar a conversa com o governo, a Unica escolheu o ex-ministro Roberto Rodrigues, um profundo conhecedor do setor. Logo que assumiu a presidência do conselho da entidade, em junho deste ano, Rodrigues se reuniu com o ministro-chefe da Casa Civil, Aloisio Mercadante, para apresentar os pleitos do setor, como a volta da incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que era de RS 0,28 sobre o preço do litro da gasolina quando foi zerada pelo governo, em 2012. O executivo Alexandre Figliolino calcula que a redução gradual da Cide desde maio de 2008 até zerar em 2012 representou uma perda de receita para o setor de RS 16 bilhões.
Retorno da Cide
Por isso Rodrigues defende o retorno da tributação sobre a gasolina, lembrando que a taxa leva em conta o reconhecimento das chamadas externalidades positivas do etanol não monetizadas, como os ganhos na saúde pública e na área ambiental, alem da geração de renda e emprego. O setor também pede ao governo medidas tributárias, como a desoneração da incidência do PIS/Cofins e a harmonização da cobrança do ICMS pelos Estados, que hoje impõe diferenciados níveis de alíquotas para taxar o etanol.
As perspectivas para o setor ainda são nebulosas, mas Alexandre Figliolino prevê que o primeiro movimento em relação à retomada do crescimento será de pequenas ampliações e otimização nas unidades já existentes, com investimento em cogeraçâo de energia elétrica e outros que agreguem valor e aumentem a competitividade das empresas em relação aos produtos principais - açúcar e etanol.
Figliolino acredita que um movimento de consolidação também pode ocorrer, "à medida que há uma enorme disparidade de resultados e nível de endividamento no setor, o que fará com que empresas bem estruturadas e com capacidade de alavancagem financeira absorvam outras em dificuldade". Ele não descarta a entrada de novos players no setor, "basicamente investidores estrangeiros em parcerias com grupos já estabelecidos". Na opinião do executivo, será por meio da tecnologia, sobretudo as adotadas nas atividades agrícolas, que o etanol irá recuperar sua competitividade em relação à gasolina.
O setor sucroenergético, que engloba as indústrias que produzem açúcar, etanol e geram energia elétrica a partir da moagem do bagaço da cana-de-açúcar, enfrenta uma das piores crises desde a criação, em 1975, do Programa Nacional do Álcool (Proalcool). O cenário atual contrasta com a euforia que tomou conta do setor há dez anos, quando grandes companhias assumiram o comando das empresas e investiram pesado na expansão da capacidade instalada, apostando no potencial de crescimento tanto do mercado interno como das exportações brasileiras de etanol e açúcar.
O setor reclama que foi abandonado pelo governo e acabou sendo penalizado pelas medidas adotadas para controlar a inflação, como a limitação da alta de preços dos combustíveis, além da redução gradual, desde 2008, e do fim da cobrança, em 2012, da taxa de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que garantia a competividade do combustível de fonte renovável. Por isso, nos últimos anos, os produtores de etanol têm convivido com o descompasso entre os custos de produção ascendentes e a defasagem do preço, que é atrelado ao da gasolina, com base em 70% de eficiência energética em relação ao derivado de petróleo.
A frota de veículos flex continua crescendo, abastecida pelo etanol produzido pelas dezenas de usinas e destilarias construídas na década passada, mas a maioria das empresas enfrenta dificuldades financeiras devido as margens estreitas e ao alto nível de alavancagem. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) calcula que o endividamento do setor está em R$ 77 bilhões, valor 10% superior ao faturamento de R$ 70 bilhões estimado para esta safra. Segundo a UNICA, atualmente existem 375 usinas em operação, e destas pelo menos 30 devem paralisar as atividades na próxima safra por causa da falta de dinheiro. Nos últimos seis anos, entre 60 e 70 usinas encerraram suas atividades por problemas financeiros e outras 70 operam em regime de recuperação judicial.

Capital a custo zero
"O setor esta quebrado e a situação somente será resolvida com injeção de capital a custo zero, com o investidor apostando no risco", diz o consultor Eduardo Carvalho, do alto da experiência vivida no comando da Unica entre 2000 e 2007. Na gestão do executivo, o carro flex se tornou uma realidade e hoje representa 94% das vendas nacionais de veículos leves, assegurando no ano passado o consumo de 10,7 bilhões de litros de etanol hidratado e mais 10,4 bilhões de litros de anidro misturado à gasolina. Em 2003, quando o carro flex foi lançado, o Brasil consumia pouco mais de 8 bilhões de litros de etanol, dos quais 5 bilhões eram de anidro e 3 bilhões de hidratado.
O diretor comercial do banco ltaú BBA, Alexandre Figliolino, reconhece que a estagnação do preço do etanol é um fator importante para explicar a crise, mas observa que. a exemplo da queda de um avião, "nunca existe uma causa só". Na avaliação do executivo do ltaú, "por mais que a total ausência de definição de politicas públicas tenha sido fundamental para a deterioração do setor, sem dúvida as questões climáticas e a mecanização acelerada das atividades de colheita e plantio, aliadas à má gestão e planejamento numa parte significante do setor, também têm seu papel de responsabilidade no tamanho da crise que vivemos".
Outra questão apontada por Figliolino é a falta de diálogo do setor com o governo, que foi interrompido desde que a presidente Dilma Rousseff assumiu a Presidência da República, em 2010. "Faltam diálogo, inteligência e vontade para resolver as coisas", diz o executivo, alertando para o risco de destruição do parque produtivo e desperdício do investimento feito pelas usinas, o que compromete também a industria de bens de capital fornecedora de equipamentos para o setor, o que pode dificultar, no futuro, a retomada do crescimento.
Na avaliação de Eduardo Carvalho, a mudança no comando das empresas foi um fator que contribuiu para dificultar o diálogo com o governo. Ele conta que, no tempo em que comandou a Unica, as empresas eram familiares, comandadas pelos "homens de terno de linho branco", que, apesar das diferenças de interesses, conseguiam tomar decisões de consenso. A partir do momento em que as corporações passaram a comandar o setor, as decisões ficaram mais complicadas e muitas das empresas preferiam falar diretamente com o governo, o que tornava difícil o investimento. "Os problemas na politica de representação do setor foi um fator que também contribuiu para agravar a crise", diz ele.
Para retomar a conversa com o governo, a Unica escolheu o ex-ministro Roberto Rodrigues, um profundo conhecedor do setor. Logo que assumiu a presidência do conselho da entidade, em junho deste ano, Rodrigues se reuniu com o ministro-chefe da Casa Civil, Aloisio Mercadante, para apresentar os pleitos do setor, como a volta da incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que era de RS 0,28 sobre o preço do litro da gasolina quando foi zerada pelo governo, em 2012. O executivo Alexandre Figliolino calcula que a redução gradual da Cide desde maio de 2008 até zerar em 2012 representou uma perda de receita para o setor de RS 16 bilhões.

Retorno da Cide
Por isso Rodrigues defende o retorno da tributação sobre a gasolina, lembrando que a taxa leva em conta o reconhecimento das chamadas externalidades positivas do etanol não monetizadas, como os ganhos na saúde pública e na área ambiental, alem da geração de renda e emprego. O setor também pede ao governo medidas tributárias, como a desoneração da incidência do PIS/Cofins e a harmonização da cobrança do ICMS pelos Estados, que hoje impõe diferenciados níveis de alíquotas para taxar o etanol.
As perspectivas para o setor ainda são nebulosas, mas Alexandre Figliolino prevê que o primeiro movimento em relação à retomada do crescimento será de pequenas ampliações e otimização nas unidades já existentes, com investimento em cogeraçâo de energia elétrica e outros que agreguem valor e aumentem a competitividade das empresas em relação aos produtos principais - açúcar e etanol.
Figliolino acredita que um movimento de consolidação também pode ocorrer, "à medida que há uma enorme disparidade de resultados e nível de endividamento no setor, o que fará com que empresas bem estruturadas e com capacidade de alavancagem financeira absorvam outras em dificuldade". Ele não descarta a entrada de novos players no setor, "basicamente investidores estrangeiros em parcerias com grupos já estabelecidos". Na opinião do executivo, será por meio da tecnologia, sobretudo as adotadas nas atividades agrícolas, que o etanol irá recuperar sua competitividade em relação à gasolina.