A agência de classificação de risco Fitch retirou nesta quarta-feira o selo de bom pagador do Brasil citando a recessão mais profunda do que o antecipado, dificuldade no quadro fiscal e aumento das incertezas políticas, e indicou que pode levar o país ainda mais fundo no território especulativo.
A agência cortou o rating do país em um degrau, de "BBB-" para "BB+", com perspectiva negativa e foi a segunda de grande porte a tirar o grau de investimento do país, que deve levar a saídas de investidores. O movimento era esperado por especialistas e até por boa parte do governo, mas evidencia o que muitos chamam de desorganização e ausência de uma agenda para o país.
"É um duplo golpe porque tem o rebaixamento e a perspectiva negativa... O país está sem uma agenda econômica e não está conseguindo reagir a nada. Ter selo de grau de investimento pressupõe país mais arrumado do que o que a gente é hoje", afirmou a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif.
A decisão da Fitch veio um dia depois de o governo da presidente Dilma Rousseff ter alterado a meta de superávit primário para 2016, permitindo no limite zerar a economia para pagamento de juros da dívida, aumentando ainda mais a desconfiança em relação às contas públicas do país.
"O rebaixamento do Brasil reflete recessão mais profunda da economia do que o previsto antes, a contínua evolução adversa fiscal e o aumento da incerteza política, que poderiam prejudicar ainda mais a capacidade do governo de implementar efetivamente as medidas fiscais para estabilizar o crescente endividamento", explicou a Fitch por meio de nota.
"A perspectiva negativa permaneceu com a incerteza e deterioração dos riscos ligados à evolução da situação econômica, fiscal e política", acrescentou.
Além disso, a agência avalia que o processo de abertura de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff adiciona incertezas ao ambiente político.
"O processo de impeachment é um revés, especialmente na área fiscal..., atrasa a implementação das medidas fiscais", disse a diretora sênior da Ficth Ratings, Shelly Shetty.
Sobre o impacto de eventual saída de Dilma ela disse que não era possível afirmar o impacto no rating do Brasil. "Nós teríamos que olhar o novo cenário político para avaliarmos as condições."
SEGUNDA
Em setembro, a Standard & Poor's foi a primeira a rebaixar o Brasil para grau especulativo, ao cortar a nota para "BB+", além de manter a perspectiva negativa. A Fitch havia cortado a nota de crédito do país em outubro, mas manteve o grau de investimento, porém com perspectiva negativa para a nota.
Na semana passada, a Moody's sinalizou que fará o mesmo em até três meses, também citando a frágil situação fiscal do país, entre outros.
Os mercados reagiram com moderação à decisão da Fitch, com o dólar chegando a subir mais de 2 por cento sobre o real e a Bovespa recuando quase 2 por cento, mas num cenário que já estava afetado pela mudança da meta fiscal e eventual saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
"Não é uma grande surpresa. As agências estão dizendo que é daí para baixo", afirmou o economista-chefe do banco J.Safra e ex-secretário do Tesouro, Carlo Kawall. "(A decisão da Fitch) significa alta de risco Brasil, encarecimento do crédito, fica mais difícil ter taxa de juros mais baixa, significa menos crescimento e maior dificuldade em retomar a credibilidade, restaurar a confiança e voltar a crescer."
O Ministério da Fazenda e o Banco Central reagiram rapidamente ao novo rebaixamento do país, destacando o que chamam de sólida posição externa do Brasil.
Dentro do governo, já era esperada a nova nota. Segundo uma importante fonte da equipe econômica, apesar de ser uma notícia ruim, boa parte desse movimento já estava precificado nos mercados.
O banco Morgan Stanley estimou na segunda-feira que uma nova perda do grau de investimento pelo Brasil levaria a uma saída de 3 a 4 bilhões de dólares do país só com investidores em títulos soberanos brasileiros em dólares. Mas ressaltou que reduções nas posições já devem ter ocorrido (Reuters, 16/12/15)
Rebaixamento pode tirar US$ 8 bi do País
Brasil perdeu o chamado 'selo de bom pagador' por mais uma agência de risco, o que aciona regra que impede que fundos estrangeiros invistam no País.A decisão da Fitch de rebaixar o Brasil para “grau especulativo” aciona uma regra de boa parte dos grandes fundos globais de investimento que pode tirar mais de US$ 8 bilhões do País. Isso acontece porque muitos fundos só podem investir em mercados que têm o selo de bom pagador de duas agências de classificação – condição perdida pelo Brasil. A avaliação, porém, varia bastante, uma vez que a maioria dos gestores já se antecipou e há divergência sobre a posição restante em ativos brasileiros. Dados do JP Morgan indicavam, por exemplo, que os fundos passivos – aqueles onde as posições são desfeitas só depois de ratificada a segunda perda do grau de investimento, como ocorreu ontem – detinham US$ 1,5 bilhão em papéis do Brasil.
O Brasil perdeu o selo de bom pagador da segunda grande agência classificadora de risco.
As estimativas variam bastante. Instituições como a gestora britânica Ashmore e o espanhol BBVA acreditam haver posição restante de US$ 8 bilhões em papéis brasileiros que poderiam ser vendidos imediatamente. O Deutsche Bank cita US$ 12 bilhões só para o segmento de bônus bancários e o Barclays estima saída de US$ 10,7 bilhões, sendo US$ 9,1 bilhões em dívida corporativa e US$ 1,6 bilhão em papéis soberanos.
Cálculo
Há divergência sobre os números por não ser simples calcular a posição restante dessas carteiras. Isso acontece porque gestores não precisam informar em tempo real a posição de cada fundo e, ao mesmo tempo, muitas das posições relacionadas ao Brasil foram sendo desmontadas ao longo dos últimos meses com a rápida deterioração da economia.
Em relatório divulgado em agosto, antes mesmo de a S&P tirar o grau de investimento do Brasil, o banco JP Morgan citava que a saída de recursos do País em caso de perda de grau de investimento por duas agências poderia chegar aos US$ 20 bilhões, sendo US$ 6,2 bilhões em bônus do governo e US$ 12,5 bilhões de papéis de empresas, além de US$ 1,5 bilhão nos fundos passivos – carteiras que prometem retorno igual ao do referencial (O Estado de S.Paulo, 17/12/15)
Desastre anunciado – Editorial Folha de S.Paulo Economia
Não foi por falta de aviso. Há muito tempo o governo Dilma Rousseff (PT) sabe –ou deveria saber– que o descaso com as contas públicas levaria o país a deixar de ser considerado um destino seguro para investimentos internacionais.
Em setembro, a agência de classificação de risco Standard & Poor's retirou do Brasil o selo de bom pagador. Nesta quarta-feira (16), outra empresa, a Fitch, tomou a mesma decisão.
Por infeliz coincidência, o segundo rebaixamento da nota de crédito se deu no mesmo dia em que o Fed (o banco central dos EUA) resolveu subir o teto dos juros americanos (de 0,25% para 0,5%) pela primeira vez em quase uma década.
As consequências desse quadro são nefastas. Verdade que boa parte dos efeitos deletérios vêm sendo registrados há meses. Um deles se traduz no chamado risco Brasil (medida do preço de um seguro contra calote do país), que quase dobrou de junho para cá e é um dos maiores do mundo.
Ainda assim, alguns resultados da perda do selo de bom pagador podem ser reforçados. Fundos de pensão estrangeiros, por exemplo, muitas vezes têm estatutos que proíbem aportes em locais considerados arriscados por pelo menos duas das principais agências.
Mesmo os investidores internacionais que não se veem formalmente obrigados a se desfazer de mais papéis brasileiros se sentirão na prática compelidos a fazê-lo.
Isso porque as agências de classificação de risco, ainda que por vezes de forma tardia, resumem uma percepção geral: como a administração Dilma não se mostra capaz de interromper a explosiva trajetória de crescimento da dívida pública, cada vez menos gente confia na solvência do governo.
A fuga de recursos para o exterior reforça o processo de desvalorização do real, que por sua vez estimula o aumento da já elevada inflação (pelo repasse dos preços de produtos importados).
A alta de juros norte-americanos agrava a situação. Embora o mercado financeiro já se preparasse desde 2013 para a resolução do Fed, a nova taxa pode ampliar o fluxo de recursos para os EUA e intensificar a valorização do dólar diante da maior parte das moedas.
Diga-se que a elevação de 0,25 ponto percentual é em si mesma pequena; o Fed, ademais, reafirmou que os próximos passos serão lentos, argumentando que a inflação nos EUA permanece baixa e convém observar o impacto que terá a decisão atual.
Por causa disso, talvez alguns países até percebam certo alívio nas próximas semanas. Dificilmente, contudo, este será o caso do Brasil. Em cinco anos, Dilma Rousseff desfez duas décadas de avanços na política econômica e deixou a sociedade exposta a uma tempestade perfeita que a arrasta para uma recessão cada vez mais profunda.
A agência de classificação de risco Fitch retirou nesta quarta-feira o selo de bom pagador do Brasil citando a recessão mais profunda do que o antecipado, dificuldade no quadro fiscal e aumento das incertezas políticas, e indicou que pode levar o país ainda mais fundo no território especulativo.
A agência cortou o rating do país em um degrau, de "BBB-" para "BB+", com perspectiva negativa e foi a segunda de grande porte a tirar o grau de investimento do país, que deve levar a saídas de investidores. O movimento era esperado por especialistas e até por boa parte do governo, mas evidencia o que muitos chamam de desorganização e ausência de uma agenda para o país.
"É um duplo golpe porque tem o rebaixamento e a perspectiva negativa... O país está sem uma agenda econômica e não está conseguindo reagir a nada. Ter selo de grau de investimento pressupõe país mais arrumado do que o que a gente é hoje", afirmou a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif.
A decisão da Fitch veio um dia depois de o governo da presidente Dilma Rousseff ter alterado a meta de superávit primário para 2016, permitindo no limite zerar a economia para pagamento de juros da dívida, aumentando ainda mais a desconfiança em relação às contas públicas do país.
"O rebaixamento do Brasil reflete recessão mais profunda da economia do que o previsto antes, a contínua evolução adversa fiscal e o aumento da incerteza política, que poderiam prejudicar ainda mais a capacidade do governo de implementar efetivamente as medidas fiscais para estabilizar o crescente endividamento", explicou a Fitch por meio de nota.
"A perspectiva negativa permaneceu com a incerteza e deterioração dos riscos ligados à evolução da situação econômica, fiscal e política", acrescentou.
Além disso, a agência avalia que o processo de abertura de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff adiciona incertezas ao ambiente político.
"O processo de impeachment é um revés, especialmente na área fiscal..., atrasa a implementação das medidas fiscais", disse a diretora sênior da Ficth Ratings, Shelly Shetty.
Sobre o impacto de eventual saída de Dilma ela disse que não era possível afirmar o impacto no rating do Brasil. "Nós teríamos que olhar o novo cenário político para avaliarmos as condições."
SEGUNDA
Em setembro, a Standard & Poor's foi a primeira a rebaixar o Brasil para grau especulativo, ao cortar a nota para "BB+", além de manter a perspectiva negativa. A Fitch havia cortado a nota de crédito do país em outubro, mas manteve o grau de investimento, porém com perspectiva negativa para a nota.
Na semana passada, a Moody's sinalizou que fará o mesmo em até três meses, também citando a frágil situação fiscal do país, entre outros.
Os mercados reagiram com moderação à decisão da Fitch, com o dólar chegando a subir mais de 2 por cento sobre o real e a Bovespa recuando quase 2 por cento, mas num cenário que já estava afetado pela mudança da meta fiscal e eventual saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
"Não é uma grande surpresa. As agências estão dizendo que é daí para baixo", afirmou o economista-chefe do banco J.Safra e ex-secretário do Tesouro, Carlo Kawall. "(A decisão da Fitch) significa alta de risco Brasil, encarecimento do crédito, fica mais difícil ter taxa de juros mais baixa, significa menos crescimento e maior dificuldade em retomar a credibilidade, restaurar a confiança e voltar a crescer."
O Ministério da Fazenda e o Banco Central reagiram rapidamente ao novo rebaixamento do país, destacando o que chamam de sólida posição externa do Brasil.
Dentro do governo, já era esperada a nova nota. Segundo uma importante fonte da equipe econômica, apesar de ser uma notícia ruim, boa parte desse movimento já estava precificado nos mercados.
O banco Morgan Stanley estimou na segunda-feira que uma nova perda do grau de investimento pelo Brasil levaria a uma saída de 3 a 4 bilhões de dólares do país só com investidores em títulos soberanos brasileiros em dólares. Mas ressaltou que reduções nas posições já devem ter ocorrido (Reuters, 16/12/15)
Rebaixamento pode tirar US$ 8 bi do País
Brasil perdeu o chamado 'selo de bom pagador' por mais uma agência de risco, o que aciona regra que impede que fundos estrangeiros invistam no País.A decisão da Fitch de rebaixar o Brasil para “grau especulativo” aciona uma regra de boa parte dos grandes fundos globais de investimento que pode tirar mais de US$ 8 bilhões do País. Isso acontece porque muitos fundos só podem investir em mercados que têm o selo de bom pagador de duas agências de classificação – condição perdida pelo Brasil. A avaliação, porém, varia bastante, uma vez que a maioria dos gestores já se antecipou e há divergência sobre a posição restante em ativos brasileiros. Dados do JP Morgan indicavam, por exemplo, que os fundos passivos – aqueles onde as posições são desfeitas só depois de ratificada a segunda perda do grau de investimento, como ocorreu ontem – detinham US$ 1,5 bilhão em papéis do Brasil.
O Brasil perdeu o selo de bom pagador da segunda grande agência classificadora de risco.
As estimativas variam bastante. Instituições como a gestora britânica Ashmore e o espanhol BBVA acreditam haver posição restante de US$ 8 bilhões em papéis brasileiros que poderiam ser vendidos imediatamente. O Deutsche Bank cita US$ 12 bilhões só para o segmento de bônus bancários e o Barclays estima saída de US$ 10,7 bilhões, sendo US$ 9,1 bilhões em dívida corporativa e US$ 1,6 bilhão em papéis soberanos.
Cálculo
Há divergência sobre os números por não ser simples calcular a posição restante dessas carteiras. Isso acontece porque gestores não precisam informar em tempo real a posição de cada fundo e, ao mesmo tempo, muitas das posições relacionadas ao Brasil foram sendo desmontadas ao longo dos últimos meses com a rápida deterioração da economia.
Em relatório divulgado em agosto, antes mesmo de a S&P tirar o grau de investimento do Brasil, o banco JP Morgan citava que a saída de recursos do País em caso de perda de grau de investimento por duas agências poderia chegar aos US$ 20 bilhões, sendo US$ 6,2 bilhões em bônus do governo e US$ 12,5 bilhões de papéis de empresas, além de US$ 1,5 bilhão nos fundos passivos – carteiras que prometem retorno igual ao do referencial (O Estado de S.Paulo, 17/12/15)
Desastre anunciado – Editorial Folha de S.Paulo Economia
Não foi por falta de aviso. Há muito tempo o governo Dilma Rousseff (PT) sabe –ou deveria saber– que o descaso com as contas públicas levaria o país a deixar de ser considerado um destino seguro para investimentos internacionais.
Em setembro, a agência de classificação de risco Standard & Poor's retirou do Brasil o selo de bom pagador. Nesta quarta-feira (16), outra empresa, a Fitch, tomou a mesma decisão.
Por infeliz coincidência, o segundo rebaixamento da nota de crédito se deu no mesmo dia em que o Fed (o banco central dos EUA) resolveu subir o teto dos juros americanos (de 0,25% para 0,5%) pela primeira vez em quase uma década.
As consequências desse quadro são nefastas. Verdade que boa parte dos efeitos deletérios vêm sendo registrados há meses. Um deles se traduz no chamado risco Brasil (medida do preço de um seguro contra calote do país), que quase dobrou de junho para cá e é um dos maiores do mundo.
Ainda assim, alguns resultados da perda do selo de bom pagador podem ser reforçados. Fundos de pensão estrangeiros, por exemplo, muitas vezes têm estatutos que proíbem aportes em locais considerados arriscados por pelo menos duas das principais agências.
Mesmo os investidores internacionais que não se veem formalmente obrigados a se desfazer de mais papéis brasileiros se sentirão na prática compelidos a fazê-lo.
Isso porque as agências de classificação de risco, ainda que por vezes de forma tardia, resumem uma percepção geral: como a administração Dilma não se mostra capaz de interromper a explosiva trajetória de crescimento da dívida pública, cada vez menos gente confia na solvência do governo.
A fuga de recursos para o exterior reforça o processo de desvalorização do real, que por sua vez estimula o aumento da já elevada inflação (pelo repasse dos preços de produtos importados).
A alta de juros norte-americanos agrava a situação. Embora o mercado financeiro já se preparasse desde 2013 para a resolução do Fed, a nova taxa pode ampliar o fluxo de recursos para os EUA e intensificar a valorização do dólar diante da maior parte das moedas.
Diga-se que a elevação de 0,25 ponto percentual é em si mesma pequena; o Fed, ademais, reafirmou que os próximos passos serão lentos, argumentando que a inflação nos EUA permanece baixa e convém observar o impacto que terá a decisão atual.
Por causa disso, talvez alguns países até percebam certo alívio nas próximas semanas. Dificilmente, contudo, este será o caso do Brasil. Em cinco anos, Dilma Rousseff desfez duas décadas de avanços na política econômica e deixou a sociedade exposta a uma tempestade perfeita que a arrasta para uma recessão cada vez mais profunda.