Fogo antes do fogo

14/07/2023 Noticias POR: Marino Guerra

Em 1963 o estado do Paraná sofreu com um incêndio que queimou dois milhões de hectares, ou 10% de sua área, e só foi encerrado com a chegada das chuvas. Na época não havia preocupação em formas de combate, de tal maneira que foram usadas apenas foices e enxadas, fator determinante para ele ter atingido tal magnitude o colocando como o maior do Brasil e um dos maiores do mundo.

Segundo o professor da Universidade Federal do Paraná, Dr. Ronaldo Viana Soares, o evento foi o gatilho para o início das conversas sobre as melhores maneiras de prevenção e combate de incêndios de grandes proporções que evolui até hoje e envolve diretamente a atividade canavieira.

Porém, mesmo com toda a inovação tecnológica, que inclusive já tem disponível, não ainda no Brasil, aviões anfíbios capazes de encher seu tanque e jogar nos focos sem parar, para o professor, “não tem tecnologia no mundo para combater incêndios de alta intensidade, somente a chuva ou grandes obstáculos não carburantes”.

Fazendo com que o principal fator será sempre a prevenção, e isso engloba ações de conscientização da população, vigilância e planejamento de aceiros que dificultam sua propagação. É exatamente neste ponto que o uso prescrito do fogo se torna uma ferramenta fundamental, especialmente no controle do mato seco que em muitos casos é o gatilho.

“As ferramentas manuais controlam o fogo quando estão muito baixos, os equipamentos de combate são eficientes quando as chamas atingem cerca de dois metros. Quando ele ultrapassa os 10 metros de altura somente o tripé formado pela meteorologia, topografia e combustível faz com que se consiga o controle”, explicou o Major do Corpo e Bombeiros, Jean Gomes, que liderou um trabalho de queima prescrita na Estação Ecológica de Jataí, localizada no município de Luiz Antônio-SP.

Maior reserva do cerrado paulista com cerca de 10 mil hectares, a unidade estadual de conservação foi vítima de dois grandes incêndios nos anos de 2020 e 2021 que atingiram quase a metade de sua área.

Mediante a necessidade de encontrar uma solução para o problema, conseguiu-se aprovar um plano de fogo prescrito numa área de aproximadamente 100 hectares formada por vegetação invasora seca, localizada na divisa da mata com uma estrada vicinal, com histórico recorrente de focos de incêndio.

A queima foi feita tomando todos os cuidados necessários: “nos preocupamos até com a direção do vento para a fumaça não ir para a estrada”, disse o major que aprovou o resultado da iniciativa e destacou que estão trabalhando na criação de um mosaico de áreas queimadas com objetivo de criar um cinturão para a defesa de toda a extensão da estação.

“Se analisar, muitos dos casos recorrentes estão próximos de faixas de domínio de rodovias, ferrovias e torres de transmissão, pois em sua maioria existe uma faixa de mato que na estiagem seca e propicia o ambiente perfeito para a origem de focos, seja acidental ou criminal”, completou Gomes, deixando claro que a evolução do fogo prescrito é necessária.

Legislação vazia

Quando se fala em evolução, com certeza um dos pontos de maior urgência é a regulamentação da prática. Segundo o promotor de justiça de São Carlos, Flavio Okamoto, a legislação estadual ficou esvaziada pois o governo do estado (gestão João Doria) vetou a maioria de seus artigos, o que, embora crie imprevisibilidade, no futuro pode ser algo positivo no estabelecimento de um texto mais maduro.

“Iniciativas como a que trabalhamos aqui em São Carlos e a da Estação Ecológica de Jataí são experiências práticas que demonstram a eficiência da queima prescrita na prevenção de incêndios, o que pode servir de exemplo para que a legislação avance nesse sentido. Também precisamos considerar que está em fase final de tramitação um projeto de lei que vai obrigar a lei estadual ou seguir o mesmo texto ou ser mais restritiva, porém nunca mais liberal”, explicou Okamoto.

O projeto de lei que o promotor se refere é o 1818/2022, que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, apresentada pelo governo Temer e aprovada pela Câmara dos Deputados em 2021, que até o dia 14/06 aguardava para ir a plenário no Senado depois que a Comissão de Meio Ambiente aprovou no dia 17/05.

Investimento pesado

Enquanto o fogo prescrito ainda engatinha, o setor sucroenergético a cada ano se prepara melhor para a temporada de maior incidência de ocorrências, sendo mais uma constatação de que não passa de preconceito de setores da sociedade que ainda responsabilizam o produtor de cana pelos incêndios.

A Unidade de Pitangueiras da Viralcool é um exemplo, onde através da implementação de um amplo leque de ações, ela consegue reduzir, entre os anos de 21 e 22, em 71% a extensão de áreas queimadas, o que representa 1.450 campos de futebol.

“Um dos principais trabalhos que realizamos quanto ao controle do fogo é um rigoroso programa de manutenção dos aceiros, sejam ele entre carreadores, divisas com áreas urbanas, áreas de servidão e áreas de preservação ambiental”, disse André Bresqui, técnico de controle de meio ambiente da Viralcool – Unidade Pitangueiras.

Aqui cabe a ressalva de que o fogo prescrito nada mais é que a indução de grandes aceiros, sendo a prática já executada por atores privados em parques como a Serra da Canastra e dos Veadeiros, tornando-se uma falta de senso do setor produtivo canavieiros não estar envolvido nesse processo de evolução do manejo.

Voltando à Viralcool, Bresqui também ressaltou o trabalho para a conscientização tanto do time interno de colaboradores e prestadores de serviços, como da comunidade do entorno, dando como exemplo um programa desenvolvido com alunos do oitavo e nono anos do ensino fundamental.

Já quando o assunto é combate, ele mostra que o grande foco da usina é proporcionar condições para que a equipe chegue o mais rápido possível no foco e para isso eles fazem parte de um PAM (Programa de Auxílio Mútuo) num grupo formado por outras unidades industriais vizinhas e fornecedores de cana da região. Também é realizado hoje o monitoramento 24 horas via satélite que abrange 50 mil hectares de áreas agricultáveis e mais 35 mil hectares de áreas de preservação.

De recursos humanos, a usina conta com um efetivo de 120 brigadistas e mais 30 líderes de campo, além de uma frota com 15 caminhões pipas que se espalham cumprindo a missão de acompanhar a colheita mecanizada ou ficar estrategicamente Junho de 2023 115 Centro de Operações Agrícolas da São Martinho, companhia mantém um em cada uma de suas unidades onde faz o monitoramento por câmeras e por meio da detecção inteligente de fumaça em uma extensa área de abrangência posicionado em pontos de observação prontos para a ação.

“Não podemos negar que o rigor climático menor do ano passado foi uma grande ajuda na redução dos focos, mas, paralelo a ele, temos a colheita dos resultados de um longo e contínuo trabalho que envolve desde o investimento em tecnologia e equipamentos, o treinamento e capacitação da equipe e a conscientização de uma parcela significativa da sociedade”, completou Bresqui.

Outro exemplo do setor é a São Martinho, companhia pioneira em ações e programas de proteção e preservação dos biomas em suas áreas de entorno em suas quatro unidades: Usina Iracema (Iracemápolis/SP), Usina São Martinho (Pradópolis/SP), Usina Santa Cruz (Américo Brasiliense/SP) e Usina Boa Vista (Quirinópolis/GO).

De recursos tecnológicos há um Centro de Operações Agrícolas em cada uma das unidades, que são os responsáveis por realizar o monitoramento por câmeras e por meio da detecção inteligente de fumaça em uma extensa área de abrangência.

Para agilizar o deslocamento até o combate, os veículos são rastreados por GPS em tempo real e possuem mapas digitais dentro da cabine visando a navegação exata.

No que diz respeito à estrutura de operação, desde 1999, todas as unidades contam com caminhões de combate em locais estratégicos. Estes veículos têm a barra prolongadora do canhão, como também acionamento remoto por joystick. Além disso, há caminhões disponíveis em tempo integral nas frentes de colheita para qualquer necessidade na frente de operação ou áreas vizinhas.

Desde 2014, todas caminhonetes dos líderes de campo são dotadas com equipamentos de combate rápido para pequenos focos de incêndio. A empresa ainda conta com caminhão exclusivo para ações em vegetação nativa, com mangueira de longo alcance, abafadores e mochilas costais.

Historicamente, é feito um trabalho de sensibilização comportamental muito forte para todo time de combate. Além desses treinamentos referentes aos riscos e perigos dessa atividade, acontecem, periodicamente, simulados onde aqueles que são mais rápidos e efetivos no manuseio do canhão ou caminhão, são premiados, porém o principal resultado é o fato de que há muito tempo não se tem registro de acidente de trabalho relacionado à atividade brigadista.

A busca pela preservação da saúde do meio ambiente também faz parte da rotina de atividades, as áreas de preservação permanentes e remanescentes florestais estão preservadas, com evidência demonstrada pelo número alto da presença de sub-bosque e ausência de lianas e cipós.

Mediante um indicador de eficácia que relaciona a área protegida com a quantidade de focos, a tecnologia de monitoramento e a observação mais constante da presença de animais é possível verificar o aumento e adensamento da fauna silvestre, o que indica um equilíbrio cada vez maior de uma relação equilibrada do ecossistema.

Outro exemplo de iniciativas inovadoras vem da CMAA (Companhia Mineira de Açúcar e Etanol), que conta com três unidades industriais no Triângulo Mineiro, onde adotou o monitoramento da temperatura dos equipamentos da colheita, o qual acusa a necessidade de realização de limpeza preventiva e resfriamento das partes móveis, como mais uma medida de prevenção.

Além disso, como as unidades (Vale do Pontal, localizada em Limeira do Oeste; Vale do Tijuco, de Uberaba e Canópolis, que fica em município de mesmo nome) do grupo abrangem cerca de 15 municípios e ficam há quase 400 km de distância, há disponível uma aeronave dotada de equipamentos que disparam jatos de água para agilizar o combate.