Fortalecendo o setor sucroenergético

02/07/2021 Noticias POR: FERNANDA CLARIANO

A indústria sucroenergética caminhando rumo à sustentabilidade, sem se esquecer do compromisso ambiental

 

Recentemente o setor sucroenergético ganhou mais uma associação de tecnologia. A ASTECNA (Associação de Tecnologia Agroindustrial de Piracicaba) é uma iniciativa de especialistas vindos do CTC - Centro de Tecnologia de Pesquisa e Desenvolvimento na cultura de cana-de-açúcar que se juntaram para oferecer ao mercado conhecimentos de processos e produtos desenvolvidos nas mais diversas áreas da indústria sucroenergética. 

Para marcar o lançamento oficial, a entidade realizou de forma virtual um debate onde especialistas do setor falaram sobre a utilização dos subprodutos da indústria sucroalcooleira (torta de filtro, cinza de caldeira e vinhaça). Em substituição à adubação química, a aplicação de subprodutos é uma medida econômica e minimiza custos quando as propriedades e a composição química desses materiais são exploradas de forma tecnicamente correta. Dessa forma, a indústria sucroenergética caminha rumo à sustentabilidade, sem se esquecer do compromisso ambiental, uma vez que existe uma legislação vigente a ser seguida quanto ao uso desses subprodutos.

A assessora jurídica da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Renata Camargo, que coordena desde 2015 as atividades relativas às melhores práticas de sustentabilidade desenvolvidas no âmbito da Unica, fez esclarecedora explanação sobre as diretrizes para a aplicação de subprodutos na lavoura de cana-de-açúcar, ligando os termos com atendimento da legislação ambiental. De acordo com ela, quando se fala no aproveitamento da torta de filtro, das cinzas e da fuligem, se refere basicamente à operação do pátio de mistura na usina. Atualmente não se tem uma regulamentação específica sobre pátio de mistura para o setor sucroenergético e aí é que mora toda a insegurança jurídica e operacional. “Se formos buscar na regulamentação infralegal da CETESB, temos a referência dos pátios de mistura na Decisão Diretoria de 217/2014, que traz o manual para operação do EIA-RIMA, o que se tem ali é basicamente uma menção muito rápida dele. A única referência que se tem é a necessidade de identificar, quantificar e caracterizar as fontes geradoras de resíduos sólidos, considerando a resolução do CONAMA 313/02 e a norma técnica da ABNT 10.004/04. Essa é a primeira grande referência, uma vez que esses subprodutos vêm de uma fonte geradora de resíduos sólidos que é a caldeira e tem que ser identificado, quantificado e caracterizado”. Ainda de acordo com a assessora jurídica, a segunda referência é a necessidade de apresentar o croqui de localização e a planta com detalhamento do pátio de armazenamento e de compostagem da torta de filtro, das cinzas e da fuligem ali no pátio industrial da usina. “Essas são as duas referências com relação à operação e padrões. Fica-se uma situação de lacuna e, quando há lacuna, o órgão ambiental naturalmente cai naquela possibilidade de ele regulamentar isso de forma subjetiva, pontual e é o que tem acontecido nos últimos anos”. 

Para quem acompanhou no final de 2018, houve um problema sério quando algumas regionais da CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) passaram a proibir a destinação da torta de filtro, das cinzas e da fuligem para o solo que deveria ser encaminhada para um local de depósito de resíduos sólidos (lixão) e isso só podia ser feito mediante o CADRI (Certificado de Movimentação de Resíduos de Interesse Ambiental). Essa determinação de algumas regionais gerou um desconforto. “Com a entrada da dra. Patrícia Iglesias na CETESB, houve um movimento de esclarecer à presidência da entidade sobre o problema que essa exigência pontual que estava ganhando espaço entre as regionais poderia trazer de forma operacional para o estado de São Paulo. Ocorreu uma sensibilização com a situação e foi publicada a Decisão Diretoria 16/2019 criando um grupo de trabalho para definir qual seria o procedimento técnico para a aplicação das cinzas de caldeira na agricultura. O prazo para esse grupo definir o procedimento seria de um ano e terminaria no dia 02 de fevereiro de 2020, mas foi prorrogado por mais 180 dias, porém foi suspenso devido à pandemia e no final do ano passado a CETESB retomou a continuidade desse prazo que se esgotou em abril deste ano e conforme a assessora jurídica da Unica, deve ter prorrogação adicional.

Vinhaça - A vinhaça tem seu aproveitamento agronômico e hídrico, e cada vez mais tem sido feito o uso da fertirrigação pelo seu viés da irrigação. Ela também pode ter um aproveitamento energético importante que é a questão do biogás e biometano.

No Brasil há dez usinas que possuem concentradoras de vinhaça em operação. “A tecnologia de concentração de vinhaça é cara, mas tem os seus benefícios. Atualmente se pensarmos na questão de fertirrigação, ponderando a irrigação, fica cada vez mais subjetiva a decisão por instalar ou não um concentrador porque varia muito do local onde está, onde a cana-de-açúcar está de fato plantada, qual é a condição de solo, a condição climática, se faz sentido ter uma irrigação de salvamento ou não.Tudo isso faz parte dessa decisão de investimento em concentrador ou não”, disse Renata.

Regulamentação - De acordo com Renata, atualmente têm-se duas normativas para modelos diferentes de aplicação. Para aplicação por aspersão é a norma técnica P4.231 que tem a referência da incorporação das águas residuárias, a questão do PAV e as análises que têm que ser feitas. Por outro lado, tem a aplicação dirigida ou localizada.  “Uma diferença que pode ser apontada de imediato é que, enquanto na norma técnica P4.231 a utilização, a incorporação da água residuária na vinhaça está clara, no caso da Decisão Diretoria 023/2020 não tem essa referência porque a metodologia de aplicação é com uma lâmina menor e assim sendo, não faria sentido diluir a vinhaça se você tem um concentrador.  Esses dois modelos de aplicação estão sujeitos a outra Decisão Diretoria que é a 132/2018 - que traz a necessidade dos poços de monitoramento de água subterrânea. Atualmente tanto para a norma técnica para a aplicação por aspersão, quanto para a aplicação dirigida, é obrigatório fazer os poços de monitoramento de água subterrânea”.

O avanço da tecnologia traz algumas dúvidas, que é a questão da água residuária, que não tem uma regulamentação específica para que seja aplicada de forma individualizada, a única referência que se tem é de forma conjunta com a vinhaça, incorporando na vinhaça. “Não se tem previsão legal para esse tipo de operação e grande parte das dificuldades que o setor produtivo enfrenta, vem dessa insegurança jurídica. Óbvio que temos uma questão importantíssima em relação à água residuária por conta do volume que se tem de produção da mesma na operação e observamos que é uma tendência natural. Acho que o setor naturalmente vai voltar os olhos para a questão da água residuária para o aproveitamento em irrigação”, observou Renata.

Riscos regulatórios - Quando se tem um cenário de insegurança jurídica pela falta de uma regulamentação de forma clara e específica, se vive um cenário de risco regulatório. Se pensar na questão da vinhaça há riscos regulatórios que precisam ser mitigados e esses riscos são mitigados pela própria regulamentação em si e também pela operação adequada das usinas.  Com relação às águas residuárias o problema é que não se tem uma referência para a utilização de forma individualizada, apenas incorporada à vinhaça. “Precisamos avançar, principalmente num cenário em que a irrigação de salvamento fica cada vez mais evidente como prática necessária”, disse a assessora jurídica da Unica que também comentou sobre o futuro da vinhaça. Segundo ela, o futuro do setor está atrelado ao aproveitamento da vinhaça e dos seus subprodutos. “A vinhaça tem além do aproveitamento agronômico, a questão do aproveitamento energético e a possibilidade da produção de biogás e biometano. Mas para que isso aconteça é preciso ter uma boa relação de custo, tecnologia, infraestrutura necessária para escoamento dessa produção e também garantia de competitividade nos leilões de energia que virão dessa biodigestão”, destacou.

Renata: “Não temos uma definição específica de como o resíduo final da biodigestão vai poder ser utilizado”

 

A modificação da vinhaça pela biodigestão tem alguma implicação referente à norma de aplicação? Para Renata qualquer coisa que fuja do estritamente publicado, caí-se na velha história da insegurança jurídica “Não temos uma definição específica de como esse resíduo final da biodigestão vai poder ser utilizado, obvio que ele vai poder ser utilizado, tudo depende da forma, do processo e da caracterização final do resíduo, mas é algo que ainda não temos uma regulamentação específica. Existe um cenário de insegurança quanto à destinação final desse resíduo”, afirmou.

A assessora jurídica finaliza destacando “cada vez mais avançamos para um cenário em que a torta de filtro, cinzas, fuligem e vinhaça, venham a ser caracterizados como produtos fertilizantes. No caso da vinhaça um fertilizante organomineral líquido e da torta de filtro e das cinzas da fuligem que venha a ser considerado como um adicional para a fertilização do campo”