Guerra muda projeto da Nespresso no Sudão do Sul

20/10/2016 Agricultura POR: Valor Econômico
A guerra chegou a um projeto de café da Nespresso na África. Especialistas a serviço da multinacional suíça foram obrigados a fugir da área cafeeira no Sudão do Sul que fornece grãos para a companhia.
O recuo, informado no início do mês pela Nespresso, ocorre às vésperas do início das vendas de uma novidade da empresa feita justamente com grãos sul­sudaneses. O produto se chama Suluja. É um café raro da variedade robusta que já foi testado no ano passado na França e que chegará pela primeira vez no fim deste mês à Alemanha, Estados Unidos, Holanda, Reino Unido e Suíça. A Nespresso, empresa da Nestlé, pretende expandir as vendas desse café. Mas a guerra civil ameaça seus planos.
A companhia já investiu US$ 1,5 milhão no Sudão do Sul para recuperar e melhorar os antigos cafezais que haviam sido destruídos por anos da guerra que assolou o Sudão antes da separação. Mais de 700 produtores já receberam orientações técnicas bancadas pela companhia. A produção de café ganhou qualidade e a renda dos cafeicultores cresceu, segundo a Nespresso. E a economia do país altamente dependente petróleo começou a ver no café uma possibilidade real de diversificação das exportações.
A iniciativa da Nespresso no país atraiu a atenção da Usaid, a agência do governo dos EUA para ações humanitárias pelo mundo. Em abril, o órgão anunciou que investirá US$ 3,1 milhões nos próximos três anos para colaborar na reconstrução do setor cafeeiro nesse país da África Oriental.
O Sudão do Sul foi criado em 2011 a partir da divisão do Sudão. Naquele mesmo ano, a Nespresso começou a fazer investidas no país interessada numa variedade de café local. A empresa fechou um contrato com uma organização sem fins lucrativos dos EUA, a TechnoServe. É essa organização que mantém especialistas no país para dar apoio técnico aos cafeicultores no Estado de Equatória Central. Funcionários da Nespresso viajam com frequência para Sudão do Sul, mas não ficam no país.
No fim de 2013, conflitos de fundo étnico e político eclodiram na recém­criada nação e logo uma guerra civil sangrenta se instalou. Por algum tempo, Equatória Central foi poupada dos combates, perseguições e destruição. Mas agora o quadro é outro.
"Recentemente, o conflito no Sudão do Sul atingiu a região de plantio de café", disse na semana passada por email ao Valor Paul Stewart, da TechnoServe. "A situação ficou insegura para nossos agrônomos viajarem pela região, uma vez que a maioria das estradas está fechada".
Stewart afirmou que em breve irá ao ar um programa semanal de rádio com informações técnicas aos cafeicultores. "Muitos produtores continuam em suas fazendas e querem continuar recebendo orientações", disse ele.
Uma das políticas da Nespresso é acompanhar e ajudar muito de perto produtores de quem compra café pelo mundo. "A orientação via rádio vai continuar até que nós tenhamos condições de retomar as orientações presenciais", disse Stewart.
A Nespresso já tem café sul­sudanês para abastecer seus clientes com a edição limitada do Suluja. Mas seus planos de ampliar as importações dependem dos "senhores da guerra" do Sudão do Sul. Milhares de pessoas já morreram e mais de 2,5 milhões fugiram de suas casas.
Karsten Ranitzsch, principal executivo da Nespresso da área de cafés, disse ao Valor que a companhia já viveu uma situação semelhante quando os cafeicultores colombianos, fornecedores da companhia, viviam sob fogo cruzado de guerrilheiros, paramilitares e Exército. Como a Colômbia, o Sudão do Sul tem um café no qual a Nespresso aposta. "Temos sempre buscado novas surpresas. Não podemos plantar café na Suíça. Temos que ser sustentáveis como negócio. Não temos escolha."
A Nespresso compra café de 12 países com o qual produz 24 tipos além de algumas edições limitadas. O Brasil é seu maior fornecedor, responsável por entre 40% e 50% de todo o café que a companhia importa todos os anos. Outras fontes importantes são Colômbia, Costa Rica, Índia e Indonésia.
O Sudão do Sul apareceu no radar da Nespresso como potencial fornecedor há alguns anos, inspirado pelo ator e garoto-propaganda da marca George Clooney. "A história começou quando o CEO anterior de Nespresso nos perguntou: 'Há café no Sudão?'", disse o colombiano Alexis Rodriguez, que comanda a área de desenvolvimento de café na Nespresso. A resposta foi sim ­ o Sudão havia produzido no passado uma variedade de café arábica que ficara muito conhecida chamada Sudan Rume. O café robusta (variedade na qual a Nespresso investiu) era menos conhecido. "A pergunta do CEO vinha porque George Clooney, que é parte do conselho de sustentabilidade da Nespresso, estava envolvido no processo de paz do Sudão quando houve a separação do país", disse Rodríguez.
Além de emprestar seu sorriso de conquistador aos comerciais da Nespresso pelo mundo, Clooney tem sido um ativista engajado nos assuntos relacionados ao Sudão do Sul. Na semana passada, por exemplo, apareceu para a imprensa em Washington no lançamento de um relatório custeado parcialmente por ele que acusa com todas as letras líderes do país, incluindo o presidente, de terem amealhado fortunas ilegalmente enquanto o país afunda em guerra.
A Nespresso é líder mundial do negócio bilionário de venda de café em cápsulas para doses individuais. As cápsulas coloridas são usadas nas máquinas de uso doméstico e comercial que, nos últimos 30 anos, a Nespresso difundiu mundialmente. A empresa opera hoje em 64 países. Seus concorrentes ganharam espaço, mas ela mantém a liderança nesse segmento que movimenta US$ 13,5 bilhões. 
"O café Suluja é um robusta fascinante. Ótimo. Difícil de comparar com o robusta do Vietnã ou do Brasil", disse Karsten Ranitzsch. Hoje a participação do café do país no negócio da Nespresso ainda é ínfima. "Não porque queiramos. Mas porque não há mais produção. Nossa esperança é que no futuro o café Suluja seja uma cápsula permanente", completou Rodríguez.
O problema é a guerra. De acordo com a Missão da ONU para o Sudão do Sul, há "perturbadores relatos de violência horrível perpetrada contra inocentes e civis vulneráveis".
A ONU fala em deterioração da situação de segurança na cidade de Yei, capital de Equatória Central, onde cerca de 100 mil pessoas estão isoladas porque todas as rotas de saída estão fechadas. Yei é onde o café comprado pela Nespresso é secado e armazenado e de onde segue para Uganda e de lá para por uma longa viagem até a Suíça, onde ficam as fábricas da Nespresso.
A guerra chegou a um projeto de café da Nespresso na África. Especialistas a serviço da multinacional suíça foram obrigados a fugir da área cafeeira no Sudão do Sul que fornece grãos para a companhia.

O recuo, informado no início do mês pela Nespresso, ocorre às vésperas do início das vendas de uma novidade da empresa feita justamente com grãos sul­sudaneses. O produto se chama Suluja. É um café raro da variedade robusta que já foi testado no ano passado na França e que chegará pela primeira vez no fim deste mês à Alemanha, Estados Unidos, Holanda, Reino Unido e Suíça. A Nespresso, empresa da Nestlé, pretende expandir as vendas desse café. Mas a guerra civil ameaça seus planos.
A companhia já investiu US$ 1,5 milhão no Sudão do Sul para recuperar e melhorar os antigos cafezais que haviam sido destruídos por anos da guerra que assolou o Sudão antes da separação. Mais de 700 produtores já receberam orientações técnicas bancadas pela companhia. A produção de café ganhou qualidade e a renda dos cafeicultores cresceu, segundo a Nespresso. E a economia do país altamente dependente petróleo começou a ver no café uma possibilidade real de diversificação das exportações.
A iniciativa da Nespresso no país atraiu a atenção da Usaid, a agência do governo dos EUA para ações humanitárias pelo mundo. Em abril, o órgão anunciou que investirá US$ 3,1 milhões nos próximos três anos para colaborar na reconstrução do setor cafeeiro nesse país da África Oriental.
O Sudão do Sul foi criado em 2011 a partir da divisão do Sudão. Naquele mesmo ano, a Nespresso começou a fazer investidas no país interessada numa variedade de café local. A empresa fechou um contrato com uma organização sem fins lucrativos dos EUA, a TechnoServe. É essa organização que mantém especialistas no país para dar apoio técnico aos cafeicultores no Estado de Equatória Central. Funcionários da Nespresso viajam com frequência para Sudão do Sul, mas não ficam no país.
No fim de 2013, conflitos de fundo étnico e político eclodiram na recém­criada nação e logo uma guerra civil sangrenta se instalou. Por algum tempo, Equatória Central foi poupada dos combates, perseguições e destruição. Mas agora o quadro é outro.
"Recentemente, o conflito no Sudão do Sul atingiu a região de plantio de café", disse na semana passada por email ao Valor Paul Stewart, da TechnoServe. "A situação ficou insegura para nossos agrônomos viajarem pela região, uma vez que a maioria das estradas está fechada".
Stewart afirmou que em breve irá ao ar um programa semanal de rádio com informações técnicas aos cafeicultores. "Muitos produtores continuam em suas fazendas e querem continuar recebendo orientações", disse ele.
Uma das políticas da Nespresso é acompanhar e ajudar muito de perto produtores de quem compra café pelo mundo. "A orientação via rádio vai continuar até que nós tenhamos condições de retomar as orientações presenciais", disse Stewart.
A Nespresso já tem café sul­sudanês para abastecer seus clientes com a edição limitada do Suluja. Mas seus planos de ampliar as importações dependem dos "senhores da guerra" do Sudão do Sul. Milhares de pessoas já morreram e mais de 2,5 milhões fugiram de suas casas.
Karsten Ranitzsch, principal executivo da Nespresso da área de cafés, disse ao Valor que a companhia já viveu uma situação semelhante quando os cafeicultores colombianos, fornecedores da companhia, viviam sob fogo cruzado de guerrilheiros, paramilitares e Exército. Como a Colômbia, o Sudão do Sul tem um café no qual a Nespresso aposta. "Temos sempre buscado novas surpresas. Não podemos plantar café na Suíça. Temos que ser sustentáveis como negócio. Não temos escolha."
A Nespresso compra café de 12 países com o qual produz 24 tipos além de algumas edições limitadas. O Brasil é seu maior fornecedor, responsável por entre 40% e 50% de todo o café que a companhia importa todos os anos. Outras fontes importantes são Colômbia, Costa Rica, Índia e Indonésia.
O Sudão do Sul apareceu no radar da Nespresso como potencial fornecedor há alguns anos, inspirado pelo ator e garoto-propaganda da marca George Clooney. "A história começou quando o CEO anterior de Nespresso nos perguntou: 'Há café no Sudão?'", disse o colombiano Alexis Rodriguez, que comanda a área de desenvolvimento de café na Nespresso. A resposta foi sim ­ o Sudão havia produzido no passado uma variedade de café arábica que ficara muito conhecida chamada Sudan Rume. O café robusta (variedade na qual a Nespresso investiu) era menos conhecido. "A pergunta do CEO vinha porque George Clooney, que é parte do conselho de sustentabilidade da Nespresso, estava envolvido no processo de paz do Sudão quando houve a separação do país", disse Rodríguez.
Além de emprestar seu sorriso de conquistador aos comerciais da Nespresso pelo mundo, Clooney tem sido um ativista engajado nos assuntos relacionados ao Sudão do Sul. Na semana passada, por exemplo, apareceu para a imprensa em Washington no lançamento de um relatório custeado parcialmente por ele que acusa com todas as letras líderes do país, incluindo o presidente, de terem amealhado fortunas ilegalmente enquanto o país afunda em guerra.
A Nespresso é líder mundial do negócio bilionário de venda de café em cápsulas para doses individuais. As cápsulas coloridas são usadas nas máquinas de uso doméstico e comercial que, nos últimos 30 anos, a Nespresso difundiu mundialmente. A empresa opera hoje em 64 países. Seus concorrentes ganharam espaço, mas ela mantém a liderança nesse segmento que movimenta US$ 13,5 bilhões. 
"O café Suluja é um robusta fascinante. Ótimo. Difícil de comparar com o robusta do Vietnã ou do Brasil", disse Karsten Ranitzsch. Hoje a participação do café do país no negócio da Nespresso ainda é ínfima. "Não porque queiramos. Mas porque não há mais produção. Nossa esperança é que no futuro o café Suluja seja uma cápsula permanente", completou Rodríguez.
O problema é a guerra. De acordo com a Missão da ONU para o Sudão do Sul, há "perturbadores relatos de violência horrível perpetrada contra inocentes e civis vulneráveis".
A ONU fala em deterioração da situação de segurança na cidade de Yei, capital de Equatória Central, onde cerca de 100 mil pessoas estão isoladas porque todas as rotas de saída estão fechadas. Yei é onde o café comprado pela Nespresso é secado e armazenado e de onde segue para Uganda e de lá para por uma longa viagem até a Suíça, onde ficam as fábricas da Nespresso.