Hora de mudar o jogo

10/11/2023 Noticias POR: Marino Guerra

Não há no Brasil agricultor profissional que acredita que o solo é uma fonte inesgotável de energia e ele conseguirá render continuamente da mesma maneira safra após safra, sempre entregando altas produtividades.

É inaceitável o conceito de que numa fazenda produtiva, manejar o solo é uma operação simples, basta retirar uma amostra a cada talhão, jogar um calcário e gesso quando der tempo e está feito. Aos que insistirem nesta postura, perder a performance ao longo do ano-safra é somente a primeira consequência, pois sua insistência colocará em risco aquilo que é o mais importante, o valor da propriedade, simplesmente porque sua degradação pode chegar a um ponto em que o custo para revertê-la será alto e longevo.

Quanto antes “mudar o jogo”, melhor, como o produtor da região de Uberaba, Fernando Martins, que lidera o Grupo Chapadão, fez no atual ano ao perceber que, embora utilizasse alta tecnologia de nutrição e defesa, sua produção de soja estava empacada com tendência de declínio, chegando a cair de 75 sacas por hectare para 72 no intervalo de cinco anos.

“O resultado do último ano me deixou inquieto, pois além dos manejos que eu adoto, foi um ano muito positivo sob o ponto de vista climático, então fui buscar conhecimento através de consultores que adotavam manejos disruptivos e encontramos no Rodrigo Buffon, que tem sua base em Goiás, mas trabalha em mais de 300 mil hectares, um caminho que se iniciou num processo de abertura da mente para a adoção de uma visão química, física e biológica, em todas etapas do processo produtivo, não apenas com foco na lavoura, mas também na saúde do solo”, contou Martins.

Logo na primeira visita do consultor na roça, eles foram até uma fazenda localizada no município do Nova Ponte-MG, onde havia sido retirado um canavial de nove cortes em decorrência da alta infestação de colonião, posteriormente foi realizado o plantio direto da soja e em seguida entrou com trigo safrinha, sem realizar qualquer trabalho de descompactação, o que com certeza foi um dos fatores que estavam barrando a expressão produtiva das três culturas.

Porém, aquele era somente a ponta do iceberg, como o agricultor conta: “Fomos alertados que 85% das análises de solo têm seus resultados comprometidos em decorrência do processo de retirada das amostras as quais acabam sendo misturadas conforme a profundidade. Então, um filme veio em minha cabeça e percebi que muito provavelmente minha queda de produtividade também era influenciada pela intoxicação das plantas por alumínio em decorrência da execução de uma correção errada”.

Assustado, a primeira medida foi adotar as novas práticas de retirada de material para análise de solo, que conta com um equipamento que faz a extração de maneira automatizada e protegida através do uso de uma sonda acoplada a um veículo, sendo os pontos definidos previamente e marcados em mapa com grids de cinco perfurações, o que eleva o volume amostral e diminui a interferência no resultado de pequenas contaminações vindas do processo de coleta.

Quando as análises começaram a ficar prontas, a desconfiança virou realidade em formato de manchas em áreas que ele julgava estarem livres do metal tóxico por terem uma rotina de correção em taxa fixa, como ele mesmo testemunha: “Havia áreas que cultivavam soja há mais de 40 anos, tinha certeza absoluta de estarem livres do alumínio, mas ele estava lá, e não era pouco”.

Então, o segundo manejo adotado foi a correção de solo à taxa variável, tendo como base os mapas dos talhões com as informações extraídas das análises: “Tive que mudar a forma de pensar o negócio e consequentemente a maneira como fazia as coisas e isso requer coragem para investimentos, como por exemplo nas quatro mil toneladas de calcário e duas mil toneladas de gesso que comprei a mais em 2023”.

O aumento no consumo se deu pela necessidade de correção acima do antigo padrão, como por exemplo em 40% dos 900 hectares que demandaram uma média (no talhão) de nove toneladas de calcário, aplicados em duas parcelas (incorporando no intervalo) em decorrência do alto volume.

Com dois implementos no plantel que eram subutilizados, pois eram dotados de tecnologia para corrigir de forma precisa, mas trabalhavam apenas no modo fixo, foi possível cobrir toda a demanda que ainda tinha 80% do gesso em taxa variável, trabalho que durou cerca de seis meses: “Ou você coloca seu dinheiro para render no banco ou no solo, eu escolhi por minha propriedade”, concluiu Martins.

Descompactação

Para voltar a dar condições para o solo desempenhar o seu papel de absorver a água e fazer a sua reserva com os nutrientes disponíveis para a raízes beberem (planta não come) e, com isso, fazer com que a cultura conseguisse atingir o seu teto produtivo, foi necessário o uso do subsolador, onde, nos meses mais secos e áreas de reforma de canavial, demandou duas passagens, a primeira quebrando o solo até os 30 centímetros, enquanto a segunda consegue atingir a profundidade desejada de 50 cm: “É um manejo pesado e caro, que consome diesel e também gera muito serviço de manutenção do maquinário, espero que ao adotar uma estratégia envolvendo as plantas de serviço, no futuro eu não precise mais adotar essa prática”, comentou Martins antes de entrarmos a fundo em sua segunda grande mudança de rota, o trabalho com culturas de cobertura.

Seu plano é de fazer, nos talhões destinados às lavouras (soja verão alternando com safrinhas de milho e trigo), o plantio de cobertura a cada três anos. Dessa maneira, a estratégia de safrinha funcionará da seguinte maneira: a soja colhida primeiro, até o final de fevereiro, dará lugar ao milho; os talhões que forem liberando ao longo de março, serão os destinados ao trigo; e os de colheita após esse período, o plantio será de plantas de cobertura que serão escolhidas através das oportunidades comerciais (o produtor já tem uma parceira para comprar sementes de milheto e trigo mourisco) e também perante as deficiências apresentadas pelo solo: “se por exemplo a área pedir por potássio, vou utilizar uma cultura que agregue o elemento, se tiver com nematoides, vou de milheto”, comentou Martins.

E a descompactação? Tanto a rotação de culturas na segunda safra, como as plantas de cobertura que possuem por característica a formação de sistemas radiculares parrudos manterão a estrutura do chão, lembrando que ela já terá o ambiente “químico” ideal para se desenvolver, fruto do trabalho de calagem e gessagem, embora vistos de maneira distintas os fatores químicos, físicos e biológicos na verdade se integram num grande sistema.

Biológicos

O segundo benefício em se estabelecer as lavouras de serviço é quanto a manutenção da matéria orgânica, com potencial para deixar um bom volume de palhada o produtor faz uma interessante analogia para explicar o potencial de regeneração da microbiota do solo: “Dificilmente é possível restabelecer a matéria orgânica tão rápido como o uso de plantas de cobertura, eu fiz o cálculo usando esterco na fazenda toda, para elevar um ponto percentual ia demorar décadas, por outro lado, formando a lavoura com um mix de plantas eu consigo uma evolução consistente em apenas um ciclo”, explicou o produtor que já tem seu raciocínio imaginando o uso de outras ferramentas biológicas.

“Com matéria orgânica abundante eu consigo trabalhar com inoculantes, defensivos e outros produtos sem medo de não ter resultados, pois sei que eles terão o melhor ambiente, com comida suficiente para desempenharem a sua melhor performance”.

Resultados

Lógico que toda a mudança de rota do Grupo Chapadão tem como objetivo final atingir melhores resultados a cada ano, e o primeiro fruto estratégico colhido é a diversificação de atuação, pois hoje nos quatro mil hectares ele produz cana, soja, milho, trigo e culturas de cobertura (onde algumas delas já tem mercado através da venda da colheita para a produção de sementes), podendo intensificar ou diminuir uma atividade conforme as condições climáticas e de mercado.

Contudo, o mais interessante é que o repensar faz com que surjam outras oportunidades, como a pecuária nas áreas onde for cultivado milho safrinha através de seu plantio consorciados com algum tipo de forrageira, prática conhecida como o gado de terceira safra, que deverá ser experimentada por Martins em 2024.

Até mesmo na cana começam a ventilar opções, o produtor já estuda o plantio de crotalária nas entrelinhas com o objetivo principal de descompactação, porém ainda é preciso um desenvolvimento na questão de implementos, e as inovações podem chegar até mesmo no desenvolvimento de uma lavoura comercial em consórcio, tendo em vista os estudos avançados por centros de pesquisa da implementação de uma safra de feijão (uma cultura de ciclo curto) durante o período de rebrota da soqueira. Assim, na mesma área que no sistema convencional, seriam três culturas (cana, soja e milho) com um nível de degradação do solo alto é possível trabalhar em sete mercados diferentes com o solo forte e conservado, detalhe de 100% em área de sequeiro, imagina onde é possível chegar numa estrutura irrigada.

“Eu não estou pensando no agora, sei que os resultados virão de maneira lenta e de forma progressiva, contudo tenho certeza vou conseguir chegar aos meus objetivos como a dobradinha de 100 (100 sacas de soja por hectare e média de 100 toneladas de cana por hectare ao longo de sete cortes) de modo estruturado, de tal forma que esses números aumentarão naturalmente”, concluiu Martins.