Hora do fungicida
06/02/2019
Agronegócio
POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra
- Finalmente o dia amanheceu firme! Disse Nelson ao levantar e olhar para o céu na primeira segunda-feira do ano.
Produtor de amendoim, ele precisava que as chuvas constantes que caíam desde o Natal dessem uma estancada para conseguir passar o fungicida, pois sua roça já estava há mais de dez dias sem o produto e, se ultrapassasse os 15 dias, a chance de perder boa parte do trabalho para a pinta preta era muito grande.
Ao ouvir a frase, um sobrinho que morava em São Paulo e passava as férias na fazenda com eles pela primeira vez não entendeu nada. – Mas tio, até antes do Natal você estava pedindo de joelhos para voltar a chover e agora você fica feliz que para? –, disse o moleque que já tinha seus 12 anos e estava encantado com a vida na zona rural, querendo saber de tudo.
- Pois é Murilo, assim é a vida do agricultor, se chove demais não tem sol para a planta se desenvolver e também não podemos fazer o manejo necessário para combater as pragas e doenças, agora se chove de menos, não tem agricultura.
- Agora, por exemplo, eu preciso de pelo menos dois dias sem chuva para fazer o fungicida dar o tempo que ele precisa para fixar e então pode cair água para o amendoim encher bem as vagens e em fevereiro ter uma colheita boa - explicou o agricultor.
O garoto fez uma cara de que entendeu mais ou menos e se despediu do tio para se juntar com o restante dos primos que o esperava para irem pescar em um lago próximo da fazenda.
Enquanto pescava, viu que o tio havia saído com o trator que tinha o implemento que usava para pulverizar o amendoim. De uma maneira espontânea desejou sorte a ele na operação e ficou ali mais esperto com o céu do que com os peixes que sempre roubavam as suas iscas.
Já no final da tarde uma nuvem negra se formou rapidamente e com a mesma velocidade lavou toda a fazenda. Murilo sentiu um aperto no coração tão grande que não conseguiu interagir com os primos e os abandonou no campo de futebol onde se divertiam com carrinhos e escorregões nas poças de lama.
Correu para a sede a fim de oferecer sua ajuda, estava preocupado com o tio, achava que ia encontrá-lo arrasado da mesma forma que vira o pai uma vez quando havia acabado de perder o emprego.
Encontrou o tio no barracão onde ficavam os tratores e implementos organizando os equipamentos que usara no serviço da tarde.
- Tio, tio, que porcaria essa chuva, fez você desperdiçar uma tarde inteira de trabalho, você deve estar muito puto da vida com isso, quer que eu ajude em alguma coisa? Não estou acreditando que isso aconteceu ... , falava compulsivamente Murilo, de tão inconformado quase deixando cair lágrimas dos olhos.
Nelson fez o garoto se acalmar, o colocou sentado na bancada de serviços e explicou: - Olha Murilo, uma das primeiras coisas que nós, que trabalhamos com a terra, aprendemos, é que não existe força maior que a da natureza. Se veio essa água de hoje, tenho que aceitar o defensivo e trabalho que perdi e, amanhã, se amanhecer um tempo firme, voltar a fazer o serviço. O mundo não vai acabar por isso.
E então contou as diversas vezes que havia perdido uma safra perfeita de amendoim, pois quando foi colher, com ele já virado, caiu um mundo de água por diversos dias seguidos derrubando sua produtividade. Também contou da cana perdida por incêndios criminosos, que em alguns anos até gerou uma multa injusta para ele pagar.
Por fim ensinou ao moleque que, diferente do modo que ele estava acostumado na cidade, assim como a vida, a roça às vezes não funciona da maneira como planejamos e queremos, e que aceitar sem desanimar é a única opção disponível.
Dois dias depois Murilo voltou para casa e logo seus pais notaram que ele, destoando de toda família, estava mais paciente e sereno, estudando em cada obstáculo da vida a melhor forma de ultrapassá-lo e, se não encontrasse solução, sem xingamentos, nervosismo, neuras, aguardar, assumir o prejuízo e esperar ele passar assim como a chuva inesperada, porque as vezes é simplesmente inevitável começar tudo novamente.