Inimigo oculto: Como reconhecer e controlar populações de nematoides no solo e nas culturas

28/02/2018 Geral POR: Revista Canavieiros
Por: Diana Nascimento

Os nematoides tiram o sono do agricultor. Até mesmo para os pesquisadores da área são muitas as novidades e os problemas ainda não conhecidos. "A cada vez que conversamos com os produtores, a gente aprende um pouco mais a respeito dos nematoides", admitiu a professora e dra. em Fitopatologia da UEM (Universidade Estadual de Maringá), Cláudia Dias Arieira, durante apresentação  no evento da Adama para jornalistas do agronegócio intitulado "Encontro com o Presidente", realizado em São Paulo.
 
Ela conta que quando terminou seu doutorado, há 15 anos, não se falava em nematoides. O problema existia, assim como as pesquisas, mas o trabalho era mais focado dentro da universidade e não na demanda que existe hoje no campo.
 
Os nematoides são tratados como inimigos ocultos. Claúdia explica que há vários problemas na agricultura que são fáceis de notar no campo. "Se o produtor se depara com uma mancha foliar ou com uma praga na agricultura, rapidamente há aplicativos e técnicos que identificam o percevejo, a ferrugem. Com o nematoide isso não é possível porque ele vive no solo, não sendo possível visualizar onde ele está e o que vemos é o reflexo do que ele está fazendo no sistema radicular da planta. Por isso chamamos os nematoides de inimigos ocultos", salienta.
 
O solo é um ambiente extremamente rico em nematoides, são bilhões em um hectare de terra. A maior parte deles é boa para a saúde do solo, são organismos que fazem parte da reciclagem de nutrientes e controlam outros organismos patogênicos. No entanto, uma pequena parte é composta de nematoides fitoparasitas que se alimentam das plantas.
 
Esses nematoides possuem em sua região encefálica uma estrutura chamada estilete. "É como se fosse uma agulha que perfura a raiz, tirando dela nutrientes necessários para o seu desenvolvimento. O interessante é que além de retirar substâncias da célula da planta, ele injeta uma série de toxinas e enzimas que irão ajudar na digestão desse alimento para posterior absorção. Daí a sua importância principal: a injeção de substâncias no interior da célula do vegetal. Com todas as substâncias que ele joga, irá levar a diferentes modificações no interior das células", esclarece Cláudia.
 
Há também os nematoides migradores que ficam se movimentando na raiz da planta o tempo todo e causam uma lesão traumática; os nematoides sedentários que ficam parados durante todo o ciclo de vida, jogando toxinas que mudam a planta, e os adaptativos, fazendo com que as próprias células da planta roubem nutrientes dela mesmo.
 
O Brasil é um país com múltiplos sistemas de cultivo com culturas curtas e perenes. Essa característica pede programas com tipos de manejos diferentes, o que acaba dificultando a vida do técnico e do produtor.
 
Prejuízos
 
Ao olhar para os grupos das culturas anuais, dos cereais, da horticultura e da cana - que demanda bastante investimento na lavoura -, e nos quatro nematoides mais importantes para o Brasil, vemos que para cada cultura há um problema e para cada problema é preciso trabalhar alternativas de manejo.
 
Cláudia lembra dos prejuízos que os nematoides causam: "Apesar de chamarmos de inimigo oculto e grande parte do prejuízo não ser contabilizada, ele é muito elevado. Acredita-se que hoje tenhamos um prejuízo próximo de R$ 35 bilhões/ano por causa dos nematoides. R$ 16 bilhões são perdidos somente na cultura da soja, temos R$ 1,3 milhão na cultura do algodão, mais de R$ 200 milhões de perdas na batata, mais de R$ 100 milhões na cultura da cenoura, R$ 4,5 bilhões na cultura do café e quase R$ 13 bilhões na cultura da cana-de-açúcar. Na cultura do feijão, perde-se até 50% da produção por causa do nematoide. Estamos falando de números muito elevados para um alto investimento realizado na agricultura. Além da perda de produtividade, temos, em algumas hortaliças, a perda do valor comercial devido a aparência de algumas culturas", enumera Cláudia.
 
Os dados acima se referem às culturas com informações disponíveis. Há várias culturas sem informações ou que ainda são pouco estudadas como a banana, por exemplo. Hoje se perde muito em produtividade da banana por causa das lesões nas raízes.Com a raiz fraca, o cacho de banana cai devido ao seu peso e acaba sendo perdido. "Não se trata de um problema de ordem econômica, mas social. O produtor de banana herdou a cultura de seus antepassados, tem amor pelo que faz. Não é fácil para ele sair da bananicultura e passar a produzir palmito, mas é isso que tem acontecido. Há todo um problema social quando o produtor sai de uma atividade que ele gosta e vai para outra onde não tem afinidade", ressalta a especialista em nematoide.
 
O arroz também é uma cultura com pouquíssima pesquisa em manejo de nematoides. A praga dizima a plantação de arroz, fazendo com que a raiz pare de absorver água e nutrientes. Sabe-se que muito é perdido, mas não há quantificação e como o arroz é uma cultura irrigada, a lâmina de água dificulta o manejo do nematoide.
 
Identificação do nematoide
 
Ao atacar o sistema radicular das plantas, como o nematoide é identificado no campo?"Identificá-lo pode não ser uma tarefa tão fácil, mas não é impossível porque existem alguns sintomas característicos. O nematoide das galhas, o mais conhecido da agricultura, causa morosidade da raiz, que é o que a gente chama de galha. Começa com uma bolinha pequena e, quando não cuidado, torna o sistema radicular ineficiente em absorver água e nutrientes, atacando essa absorção", explica Cláudia.
 
Em culturas como cenoura, mandioquinha-salsa e batata, observa-se uma espécie de pipoca, pontuações elevadas nos tubérculos, o que faz perder valor comercial. Quando a raiz não vai bem, o sintoma é manifestado na folha com o amarelecimento e subdesenvolvimento da mesma. Além disso, existem os nematoides que são mais destrutivos e causam sintomas mais drásticos, outros causam lesões que necrosam o sistema radicular devido a sua movimentação no interior da raiz.
 
O sintoma de lesão na raiz é facilmente confundido com fungos e sua diagnose não é fácil. Outro problema que dificulta é a presença de vários nematoides. "Raramente haverá uma área, seja de soja, banana ou de arroz,com uma única espécie de nematoide, geralmente há populações mistas de nematoides, vários nematoides habitando uma única área. Com isso, além da lesão pode haver um cisto, tendo dois nematoides em uma mesma raiz", lembra Cláudia.
 
A diagnose deve ser feita por um laboratório visto que se trata de uma doença que raramente alcança bons resultados quando adotada uma única estratégia de manejo, que precisa ser integrado e com uso de diferentes ferramentas (químico, biológico, cultural). "É muito difícil conseguir bons resultados usando apenas uma estratégia isoladamente. Quando a gente fala de manejo de nematoides é preciso eliminar plantas doentes. Alguns grãos de soja perdidos na colheita podem germinar e serem hospedeiros alternativos dos nematoides", pontua a professora da UEM.
 
Outro caso são as diversas plantas com colheita em sua parte aérea como a alface e o repolho, por exemplo, onde as raízes permanecem no campo multiplicando os nematoides por algumas semanas.
 
"Temos ainda o problema da planta daninha que compete com a planta principal por espaço e luz, sendo também uma hospedeira de nematoides. Quem trabalha no setor de grãos encontra dificuldades em controlar o capim amargoso, uma planta daninha resistente ao glifosato, e que multiplica nematoides, perpetuando populações onde a praga ocorre", conta Cláudia.
 
Controle
 
Uma estratégia utilizada para o controle da praga e que é o carro-chefe no manejo de nematoides é a rotação de cultura. As três alternativas principais são utilizar plantas não hospedeiras, plantas más hospedeiras e plantas antagonistas. Uma planta não hospedeira faz com que o nematoide não goste dela. As plantas más hospedeiras são aquelas onde o nematoide se multiplica muito pouco, não aumentando o nível populacional. Já as plantas antagonistas possuem uma substância nematicida que funciona como uma armadilha para o nematoide.
 
De acordo com Cláudia, acrotalária é a planta antagonista mais estudada contra os nematoides e age de diferentes formas: pode ser má hospedeira, produzir substâncias que funcionem como nematicida, alguns nematoides penetram nela mas não conseguem se reproduzir. "Há várias formas de ação que tornam essa planta a mais interessante para o manejo de nematoides", explica.
 
Outra opção, principalmente para quem trabalha com grãos, são as braquiárias. Muitas vezes os produtores de grãos estão familiarizados com a pecuária e com a integração lavoura pecuária - uma atividade muito interessante para recuperar a saúde do solo. A braquiária é resistente a praticamente todos os nematoides, mas deve-se tomar cuidado nas áreas onde há o nematoide Pratiylenchus.
 
Além disso, é importante lembrar que o país é rico em várias culturas que podem ser utilizadas nas entressafras entre um ano e outro para reduzir os nematoides. Como exemplo, temos o milho, o trigo mourisco - usado em algumas regiões do estado de Minas Gerais; a aveia que é uma boa opção para a região Sul, no inverno, para cobertura de solo; o nabo e o stylosanthes que vem sendo bastante. "São culturas que podem ser alternativas para a produção ao analisar a lucratividade, baixar a população de nematoides e recuperar a saúde do solo, que é o nosso bem maior na agricultura", lembra Cláudia.
 
Outro ponto importante quando se fala em manejo de nematoide é a matéria orgânica, que melhora a biologia do solo. O solo é extremamente rico em organismos que são inimigos dos nematoides. Ao melhorar a biologia do solo, consegue-se reduzir a população de nematoides de forma indireta e a matéria orgânica pode agir de duas formas. Alguns materiais orgânicos, no processo de decomposição, liberam substâncias nematicidas, ácidos e compostos nitrogenados com efeito nematicida direto, melhorando a vida e a biologia do solo. "Temos várias fontes de matéria orgânica que pesquisamos como, por exemplo, amanipueira (água da mandioca, que controla o nematoide), cama de galinha, torta de filtro de usina, vinhaça, lodo de esgoto. Uma série de produtos que são resíduos de nossa agricultura, fáceis de adquirir e que podem controlar o nematoide", cita.
 
Ela explica ainda que a matéria orgânica não precisa ser necessariamente trazida de outro lugar, o agricultor pode produzir a matéria orgânica em sua propriedade fazendo adubações verdes, principalmente na segunda safra, nas rotações e reformas de canaviais, por exemplo.
 
Ações como a calagem e a adubação também afetam os nematoides. Isso porque planta bem nutrida e solo com rotatividade fazem com que a planta suporte melhor o ataque da praga.
 
Sobre o controle biológico, Cláudia diz ser um mundo fabuloso e fantástico de micro-organismos que podem controlar os nematoides "Foi o setor que mais cresceu nos últimos anos e temos materiais muito bons para isso. Hoje o mercado tem vários materiais de controle biológico, principalmente para cultura da soja, algodão, milho e cana-de-açúcar", pontua.
 
Os inimigos usados no controle biológico podem ter múltiplas formas de ação. Alguns possuem ação mais restrita ou específica, outros têm modo de ação mais ampla com duas ou três formas diferentes.
 
O Bacillus, por exemplo, não é considerado como uma bactéria para controle direto do nematoide, mas ele age de forma indireta ao ser um indutor de resistência e ativar o mecanismo de defesa da planta.
 
O Trichoderma é um fungo com múltiplas formas de ação também, além de indutor de resistência e um potente enraizador.
 
Vale destacar, porém, que o efeito do controle biológico é protetor de raízes, nenhum método eliminará os nematoides.
 
Por sua vez, o controle químico apresenta alguns nematicidas conhecidos no mercado. Cláudia esclarece que geralmente são produtos classificados como organofosforados ou carbamados. Os produtos mais antigos agem no sistema nervoso central do nematoide, bloqueando-o e deixando-os desorientados, mas não os matam. "Sendo assim, quando o nematoide é afetado pelo produto, ele fica meio parado. Quando passa o residual do produto, em geral o nematoide volta à atividade normal. Enquanto o produto está agindo, há um escape bem bacana, a planta perfilha mais e enraíza bem, mas se fizer a análise populacional do nematoide antes de tratar e após seis meses, a população tratada e não tratada estará igual", ressalta Cláudia.
 
Diante desse cenário, a necessidade de um produto com ação nematicida é importante e esses produtos são interessantes porque permitem a redução de penetração e a atividade nos primeiros sessenta dias. O problema está no período residual do produto, que é curto, mas mesmo assim é possível ter uma proteção para que a raiz possa sair mais sadia.
 
Um dos grandes desafios é como integrar os métodos de controle, como fazer com que eles trabalhem juntos. Segundo Cláudia, cada caso tem que ser estudado particularmente para que o manejo seja integrado, pois é muito difícil apenas uma prática dar bons resultados.
 
"Para manejar os nematoides temos que saber qual o tipo está na área, pois é impossível controlá-los sem uma análise precisa. Além disso, é preciso conhecera atividade do produtor e respeitar o que ele faz, saber as características da região e da cultura, conhecer os métodos culturais e as implicações em cada caso para fazer o manejo integrado e realizar o monitoramento periódico", finaliza Cláudia.
Ideia do problema como um todo, Visão geral dos nematoides.
 
Inovação
 
A disseminação de nematoides pode ocorrer por área de irrigação, ventos fortes, mudas, implementos agrícolas e movimentos de animais e pessoas na área.
 
Para resolver esse problema, a Adama realizou vários testes, ensaios de campo e áreas demonstrativas até chegar na formulação ideal para, segundo a empresa, superar as expectativas dos agricultores.
 
O resultado disso é o Nimitz, o primeiro nematicida real, pois acaba de vez com os nematoides, sejam ovos, juvenis ou adultos.
 
A formulação inaugura um novo grupo químico que possui perfil toxicológico e ambiental mais brando do que os demais nematicidas, aumentando a produtividade, longevidade da cultura e garantindo a qualidade dos alimentos para mais rentabilidade na cadeia produtiva.
 
Antes do Nimitz haviam nematicidas menos evoluídos no mercado. Vale lembrar que o uso de nematicida é mais uma alternativa também no tratamento de sementes, mas independente desse tratamento, as outras práticas culturais continuam sendo recomendadas, pois ao baixar a população de 10 mil nematoides na entressafra para 5 mil e bloquear essa população com o tratamento químico, é aí que estará a produtividade.
 
Para a Adama, a cultura da cana-de-açúcar é o segundo market share da empresa. "Temos inseticidas, herbicidas, fungicidas e bioestimulante para a cana-de-açúcar, que é um mercado extremamente interessante porque um dos grandes problemas da cana moderna é ter a população adequada e plantas fortes que resistam a todo o estresse causado pela colheita mecânica que afeta a cultura", disse, durante o evento, o CEO Rodrigo Gutierrez.
 
O executivo adianta que uma tecnologia está sendo desenvolvida na linha de nutrição, mas não se trata de fertilizantes especificamente, mas sim algo para ajudar a gerenciar a nutrição da planta no momento do plantio. "Algo diferente que faz com que o consumo de fertilizante na lavoura seja mais racional e não lixiviado pela chuva, evitando a contaminação do lençol freático", explica ao mencionar que o defensivo representa 3% do custo de produção da cana enquanto o fertilizante representa 10%. "Entendemos que precisamos trazer tecnologias que auxiliem na nutrição da cana", enfatiza.
 
A empresa também trará uma linha de ferramentas digitais para ajudar as usinas a gerenciar equipamentos e trabalhar com a otimização, pois 60% do custo da cana-de-açúcar estão no corte, carregamento e transporte.
 
"Acreditamos muito na cultura da cana, pois é uma planta maravilhosa. Não existe nada que consiga transformar sol em carboidrato e em açúcar com tanta eficiência. Do ponto de vista biológico, é uma planta mágica", conclui Gutierrez.