Inovação no controle da podridão vermelha na cana

08/06/2021 Cana-de-Açúcar POR: FERNANDA CLARIANO

José Melhado Sanches - pesquisador

 

Estudo idealizado por José Melhado Sanches, pesquisador responsável pelo uso da TCP (tecnologia do consórcio probiótico) na agricultura, procurou verificar se os microbiomas projetados dessa tecnologia teriam eficiência em controlar um fungo que vem causando grandes prejuízos à cultura da cana-de-açúcar. O fungo Colletotrichum falcatum é o responsável pela doença conhecida por podridão vermelha, que ataca severamente o colmo e pode reduzir a produtividade e a qualidade da matéria-prima. São frequentes os relatos de perda de 50 a 70% da sacarose de colmos atacados simultaneamente pelo fungo e pela broca da cana. A reportagem da Revista Canavieiros conversou com ele para saber como está o andamento dessa tecnologia. Confira!

Revista Canavieiros: Após resultados consistentes na produção de soja e milho, a TCP (Tecnologia do Consórcio Probiótico) está começando a revelar seus primeiros resultados na cultura de cana-de-açúcar. Em que essa tecnologia vem sendo embasada e como vem sendo desenvolvida?

José Melhado Sanches: A TCP é uma tecnologia de estabilização de microrganismos, gerando soluções à base de ecossistemas ou microbiomas criados a partir dessas estabilizações. As soluções podem ser de microrganismos, metabólitos ou de ambos. Esses ecossistemas são compostos por microrganismos todos conhecidos e catalogados no Brasil. É um universo imensamente grande de possibilidades que podemos explorar com a TCP. A grande diferença para o que existe hoje é que na TCP conseguimos fazer com que os microrganismos convivam harmonicamente, sem necessidade de inativá-los, criando ecossistemas perfeitos, assim como na natureza. Esses ecossistemas permitem a produção de metabólitos, assim como na natureza, graças à harmonia entre os microrganismos que compõem o ecossistema. Por isso a TCP pode ser apresentada como uma tecnologia única até o presente momento.

O desenvolvimento na cana-de-açúcar se deu do seguinte modo: em conjunto com a UFLA - Universidade Federal de Lavras apresentamos resultados com a TCP onde a tecnologia controlou microrganismos patógenos de grande interesse para a saúde humana e animal. Alguns tipos de salmonela, E.coli, Listeria, S. aureus, são alguns exemplos. Isso somado aos resultados, como você mencionou, expressivos na soja e no milho, tanto em produtividade quanto em doenças do solo, resolvemos desenvolver estudos com a cana-de-açúcar. Desde o ano passado estamos desenvolvendo esses estudos. Temos um parceiro muito forte conosco, mas que por questões contratuais não podemos divulgar.

Revista Canavieiros: Como foram realizados os testes para verificar a eficiência da TCP frente ao Colletotrichum falcatum? Houve experimentos em campo?

Sanches: Fizemos experimentos in vitro primeiramente, e estamos com experimento em campo também para ratificar o que obtivemos in vitro. No experimento in vitro, a TCP foi diluída em meio de cultura apropriado para C. falcatum, de forma a obter as concentrações correspondentes a 2,0; 4,0 e 20,0 L/ha. Os testes foram realizados em placas de Petri. Os isolados, previamente preparados, foram depositados sobre o meio. As placas de Petri foram incubadas em BOD, à temperatura adequada. Cada tratamento obteve quatro repetições, sendo que para os “controles”, não foi adicionado o TCP ao meio de cultura, somente o respectivo isolado. O crescimento micelial foi mensurado até ao décimo segundo dia, tomando como base a expansão micelial nas placas “controle”. Os halos de crescimento foram medidos em centímetro e, posteriormente, tais medidas foram transformadas em Porcentagem de Inibição de Crescimento – PIC, segundo Abbas (2016). Assim, para o cálculo do PIC, considerou-se a média dos diâmetros das colônias miceliais das placas do controle e o diâmetro das placas contendo o isolado, juntamente com as respectivas concentrações de TCP.

Revista Canavieiros: Qual é o potencial dessa tecnologia no controle da podridão-vermelha da cana (Colletotrichum falcatum)?

Sanches: O uso da TCP para controle do C. falcatum obteve controle estatisticamente igual nas dosagens de 2,0; 4,0 e 20,0 L/ha. Em todas as dosagens, ao 6º dia, pode-se observar controle acima de 80% e ao 12º dia, acima de 90%. Mais especificamente: 92,5%. Tal informação sugere que é possível ter o controle de C. falcatum utilizando-se o TCP na dosagem de 2L/ha. O conjunto de tais dados sugere que é possível que o TCP possa ser um bom agente no controle do C. falcatum nas lavouras de cana-de-açúcar acometidas de tal patógeno.

Nossa confiança no resultado de campo se baseia no fato de levarmos ao solo microrganismos nativos estabilizados, vivos, ou seja, um microbioma ou ecossistema perfeitamente equilibrado. Isso faz com que a interação deles com os microrganismos do solo seja absoluta. Sem competitividade entre os microrganismos, eles podem desempenhar os resultados que obtivemos in vitro.

O objetivo é apresentarmos em alguns meses uma solução de aplicação preventiva que, aplicada ao solo, possa ajudar no controle do Colletotrichum e de outras doenças, além de ajudar na produtividade. Vamos iniciar testes com Fusarium em algumas semanas.

Revista Canavieiros: Quais outros estudos estão em desenvolvimento?

Sanches: No momento estamos desenvolvendo testes em parceria com algumas associações, empresas e instituições de pesquisa envolvendo o assunto cana-de-açúcar. Estamos em fase final de um estudo com MPB. Ano passado iniciamos um estudo visando à produtividade em cana soca e cana planta e que até o final do ano teremos algumas parciais. Em mais umas semanas iniciaremos estudos com Fusarium. Para o segundo semestre daremos continuidade a um estudo que iniciamos em 2019 com vinhaça. Nesse estudo estamos analisando a descontaminação dela e seu uso, sem restrições, como biofertilizante. E também faremos um segundo estudo para aumentar a produção de biogás a partir da vinhaça para geração de energia.

Revista Canavieiros: O que os produtores de cana-de-açúcar podem esperar dessa tecnologia?

Sanches: Podem esperar muitas novidades. Na área de nutrição comprovamos recentemente a disponibilização de macro e micronutrientes a partir de diversos remineralizadores e de fertilizantes. Isso vai significar em um futuro breve a redução de custo na utilização de fertilizantes. Fósforo, Potássio, Silício, Manganês, Magnésio, Boro são uns exemplos de disponibilização. Outra comprovação foi no controle e prevenção de algumas doenças do solo (nematoides e fungos), além da multiplicação dos microrganismos benéficos, como trichoderma e fixadores de nitrogênio, aumentando a biodiversidade do solo. Uma comprovação recente foi o uso de uma solução TCP que age como corretivo de solo. Nosso grande desafio hoje é consolidar todos esses benefícios dentro de um único ecossistema, que sozinho, conseguirá trazer três, quatro ou até cinco benefícios para o produtor. Após isso realizado, apresentaremos ao mercado e as empresas interessadas. Mas, por enquanto, no curto/médio prazo, podem esperar soluções para controle de doenças e aumento de produtividade. É onde estamos em processos mais adiantados.