Integração é a palavra de ordem

20/11/2017 Cana-de-Açúcar POR: Revista Canavieiros
Por: Diana Nascimento

Todo problema requer solução. Pesquisas, estudos, discussões e testes fazem parte desse processo.

Em vários eventos voltados para o setor sucroenergético, ouve-se que os institutos de pesquisa e universidades estão atentos e abertos para isso. Mas como funciona essa relação, essa parceria, e que problemas podem ser resolvidos?

Carolina Grassi, pesquisadora e coordenadora das divisões agrícola e molecular do CTBE (Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol), conta que o mesmo é a ponte entre a ciência e o setor produtivo e tem a missão de identificar oportunidades e trazer soluções para os diversos gargalos do setor agroindustrial. O CTBE conta com cerca de 200 pesquisadores e com um parque tecnológico instalado em uma área de, aproximadamente, 9 mil m². O laboratório está estruturado em quatro grandes divisões: agrícola, molecular, processos e industrial, as quais são conectadas por uma área de inteligência de processos e suportadas por uma ampla central analítica. A partir dessa infraestrutura e organização é possível identificar problemas e desenvolver soluções para as diversas áreas do setor produtivo, desde campo à indústria.

“O CTBE apresenta diversas ferramentas para se manter atualizado dos principais problemas e gargalos do setor sucroenergético, dentre elas o constante contato com setor, banco de dados agrícola e industrial, referências científicas e literatura específica. Além disso, promove periodicamente uma série de eventos denominados Workshops Estratégicos, os quais têm o intuito de reunir os líderes do setor produtivo e colocá-los em contato com pesquisadores, agências de fomento, empresas privadas e formadores de políticas públicas. Essa oportunidade permite criar uma sinergia entre os diversos atores para a identificação e a solução de gargalos e, até mesmo, para o desenvolvimento de novas tecnologias”, explica Carolina.

O professor Cláudio Lima Aguiar, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola da Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo), aponta que o grupo de pesquisa do Laboratório Hugot de Tecnologia em Sucroderivados, desde sua criação, em janeiro de 2009, faz uma busca para situações reais que necessitem de soluções tecnológicas. Aguiar pontua que o grupo de pesquisa tem atuado intensamente na solução do problema do escurecimento químico ou enzimático do caldo de cana para a produção de açúcar branco, buscando assim um  entendimento completo da formação de cor e, por conseguinte, o desenvolvimento de medidas corretivas tecnológicas que atendam aos anseios do setor e do consumidor. “Nossas linhas de pesquisa são, no momento, rotas alternativas à sulfitação para o processo de clarificação do caldo de cana, visando a produção de açúcar branco; avaliação do impacto de impurezas minerais e vegetais na formação de cor no caldo de cana; avaliação do impacto de pragas (broca-podridão e raquitismo das soqueiras) na formação de cor no caldo de cana e a busca por novos produtos de interesse alimentício e/ou farmacêutico”, enumera.

As linhas de atuação do CTBE junto ao setor sucroenergético compreendem desde a área agrícola à área industrial, abordando temas como desenvolvimento e otimização de máquinas agrícolas; agricultura de precisão; fitotecnia; interação solo-planta-atmosfera; biotecnologia aplicada a agricultura; biotecnologia de micro-organismos para otimização do processo fermentativo; desenvolvimento e otimização de processos e químicos e biotecnológicos; hidrólise enzimática; controle e automação; engenharia e design de plantas e escalonamento e desenvolvimento de processos em escala piloto. Além disso, o CTBE desenvolve estudos de modelagem econômica, técnica, ambiental e social de diversos processos para o setor sucroenergético, dando suporte à instalação e ao desenvolvimento de novos projetos de inovação.

Além do setor propriamente dito, há parceria entre empresas voltadas para o setor e o laboratório. “O CTBE possui parceria com diversas empresas para o desenvolvimento de tecnologias que possam aumentar a produtividade, e consequentemente, os ganhos econômicos e ambientais do setor sucroenergético. Dentre as parcerias, podem ser citados projetos com empresas para o desenvolvimento de matéria-prima vegetal (cana-de-açúcar e cana energia), indústrias de mecanização e indústrias de base”, salienta Carolina.

As trocas de informação são de forma simples, clara e precisa, sempre suportadas por termos de confidencialidade e contratos de parceria com metas e entregas previamente definidas.

Ganhos


De acordo com Carolina, todos ganham na parceria entre ICTs (Instituições de Ciência e Tecnologia) e empresas, principalmente a partir da agregação de conhecimento, da redução de riscos e geração de novos produtos. Ela explica que a partir de contratos de colaboração com o CTBE, as empresas podem otimizar e inovar processos além de solucionar problemas que diminuem a eficiência do sistema de produção, aumentando, dessa maneira, seus ganhos econômicos, socioambientais e sua competitividade. Além disso, os investimentos de Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação são expressivamente menores ao estabelecer uma parceria com uma ICT quando em comparação com a instalação de uma infraestrutura multidisciplinar própria, reduzindo os riscos e as probabilidades de falhas da empresa. “Neste cenário, a empresa ganha eficiência em seu poder de inovação sem impactar seu orçamento. A ICT, por sua vez, tem um ganho de aprendizagem e experiência do setor produtivo, formação de recursos humanos e produção de ciência básica e aplicada que servirá como base para todo o setor produtivo”, ressalta.

Para Aguiar, quem ganha é a sociedade. “As estatísticas mostram que aqueles países cujos investimentos vêm do setor privado, ou melhor, empresas, são países com mais desenvolvimentos tecnologicamente e, por consequência, com maior PIB per capita. O fato do Brasil ser o celeiro do mundo nos mantém numa situação confortável em relação a outros países, no entanto, um país para se desenvolver tem que investir em matemática, em física, em química, ou seja, em tecnologia avançada para desenvolver soluções inéditas de fácil adoção pelo mercado e de interesse geral da população. Toda pesquisa científica é importante, mas não podemos deixar de lado ‘quem paga a conta’ - a pesquisa tecnológica. O Brasil tem o hábito de chamar inovação tecnológica o fato de adaptar máquinas importadas de outros países desenvolvidos, pois bem, está na hora de nós termos capacidade (e temos) de desenvolver soluções tecnológicas para os nossos problemas, para as nossas condições de ambiente e para a nossa realidade”, defende.

Um exemplo de sucesso realizado pelo CTBE é a parceria com a British Petroleum para desenvolvimento de processo fermentativo de elevado teor alcoólico. As patentes foram depositadas e a empresa já está implantando o processo em suas plantas industriais.

Já o laboratório Hugot teve muito êxito na caracterização de moléculas importantes para o controle de radicais livres em alimentos ou para aplicação farmaco-cosmética. Moléculas obtidas a partir da cana-de-açúcar foram capazes de controlar a ação de radicais livres, descritos na literatura como importantes responsáveis pelo envelhecimento de tecidos e promotores de doenças. “Estas moléculas estão sendo estudadas por nós há quatro anos e temos importantes resultados e um bom entendimento para o desenvolvimento de produtos de interesse comercial”, afirma Aguiar.

Além disso, através de parcerias, o Hugot já promoveu a solução de quatro grandes demandas e tantas outras menores para o setor produtivo como moléculas para controle de radicais livres, quatro tecnologias alternativas para a clarificação do caldo de cana por processo sulfur-free e esclarecimentos dos mecanismos reacionais de formação de cor em caldo de cana (aspecto importante para a redução do custo do processo de tratamento do caldo em usinas).

Os caminhos


A gestora de Inovação do CTBE, Rosana Di Giorgio, conta como as demandas são atendidas pelo laboratório. “Primeiramente, empresa e CTBE, integrante do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) assinam um Termo de Confidencialidade, para que seja possível discutir as demandas em detalhes. A seguir, as demandas da empresa são recebidas e analisadas pelas equipes técnicas do CTBE/CNPEM e aprovadas em um Comitê Gestor. O técnico responsável do CTBE/CNPEM prepara um TI (Termo de Intenções), contendo escopo dos trabalhos, precificação, condições de propriedade intelectual, partilha de benefícios e confidencialidade. Este TI é validado pelas partes (CTBE/CNPEM e empresa) e, após acordado, é encaminhado ao jurídico do CTBE/CNPEM para elaboração do acordo de cooperação”.

As demandas chegam ao laboratório através de vias como contatos efetuados pelos pesquisadores ou pela própria equipe de gestão durante encontros casuais em eventos; através da Assessoria de Comunicação do CNPEM, indicações de outros parceiros tal como o BNDES e outros.

Já no Laboratório Hugot, da Esalq, as demandas chegam através de contato direto por telefone ou e-mail, através da diretoria da universidade, por meio de demandas institucionais e de interesse do Estado, contato em congresso pós-apresentação de trabalhos ou, quando algo que mereça estudo científico e um desenvolvimento tecnológico é encontrado, são estruturadas reuniões com a equipe de pesquisadores e alunos para um cronograma de atividades para atender de maneira satisfatória à demanda pré-existente. “Nossa equipe multidisciplinar e transversal tem atendido de forma eficaz os problemas que chegam até nós”, salienta Aguiar.

Segundo Rosana, os projetos de P&D considerados de longa duração têm levado entre três a cinco anos de execução. “Depende muito do escopo, da tecnologia que está sendo desenvolvida e da escala que se pretende atingir no desenvolvimento”, esclarece.

Quanto à captação de recursos para as pesquisas e trabalhos, Aguiar conta que os financiamentos à pesquisa científica são feitos por entidades públicas de apoio à pesquisa como CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) ou Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo).

“No entanto, nosso laboratório já obteve recursos de diferentes agentes do setor privado na forma de bolsas a alunos, custeio de análises, ou no financiamento completo da pesquisa de interesse por determinada empresa. Veja que este último apresenta uma série de vantagens fiscais às empresas, onde o financiamento da pesquisa junto a uma entidade pública, como é o nosso caso, pode incidir numa considerável redução na retenção de impostos por incentivo à pesquisa, pela aplicação da Lei do Bem, por exemplo, ou ainda, Lei do Bem Turbinada”, avalia.

Em relação à troca de informações entre o setor, empresas e universidades, o professor frisa que existem diferentes formas de se estabelecer uma parceria universidade-empresa, mas normalmente todos os pontos de interesse mútuos são tratados e discutidos em reuniões técnicas para se definir o foco da demanda e o modelo de gestão do projeto.

Maior aproximação


Apesar de benéfica, há um gap para que essa parceria ou aproximação entre o setor e o laboratório seja intensificada e melhor trabalhada. Rosana analisa que o setor sucroenergético é bastante conservador e avesso ao risco. Além disto, as empresas buscam tecnologias cada vez mais maduras. “Uma possibilidade que deve ser fomentada e está ganhando cada vez mais importância é a criação de startups. O CTBE e as demais ICTs deveriam trabalhar fortemente para fomentar a criação destas novas sociedades a partir de suas próprias tecnologias. Estas startups desenvolveriam as tecnologias das ICTs até um estágio de maturidade maior, tornando a oportunidade mais atrativa para a indústria, dado que o risco passaria a ser menor. O CTBE/CNPEM também ganharia com isto, dado que tais tecnologias, estando mais maduras, possuiriam muito mais valor. Nosso entendimento é que a empresa prefere pagar mais, desde que corra menor risco”, observa.

“Temos trabalhado com grande sucesso com empresas. Diria que o obstáculo na estruturação de uma parceria é a dificuldade de entendimento de duas línguas totalmente diferentes: a do pesquisador e, do outro lado, a do empresário. Nós temos afinidade com a empresa, uma vez que eu vim do setor industrial e privado, entendo os anseios e dificuldades do setor privado e dos tramites burocráticos do setor público. Daí em diante, é sentar e conversar para ajustar os interesses”, diz Aguiar.

O professor também afirma que há alguma resistência ou receio do setor em abrir suas portas para expor suas necessidades e problemas. “Claramente temos mais facilidade de diálogo com empresas estrangeiras. São poucos os casos de sucesso que tivemos com empresas nacionais. Nosso grupo de pesquisa é relativamente novo, embora esteja associado a uma das mais importantes universidades do país e dentro da Esalq, a quinta melhor universidade em ciências agrárias no mundo. Acredito que iniciativas como esta possam tornar mais visível nossos trabalhos e ser interlocutor entre nossos trabalhos e as empresas”, avalia.

Isso explica que mesmo a universidade e os institutos de pesquisa sendo geradores de conhecimento, ainda existe certa discriminação quanto a isso, ou seja, as pessoas ou o setor não querem testar ou experimentar ou cooperar, mas sim esperar por algo que chegará ao mercado sem ter que correr riscos. “As empresas, principalmente as brasileiras, são avessas ao risco. Não se trata de discriminação. Entretanto, a produção intelectual das universidades e dos institutos de pesquisa estão em uma fase muito preliminar da pesquisa e muito distante de um produto. Apostar em tecnologias neste estágio significa correr altos riscos, dado que estas tecnologias não estão demonstradas e muito investimento ainda deverá ser feito para que tais tecnologias cheguem a produto. As empresas preferem pagar por tecnologias de maior maturidade, ainda que isto signifique pagar mais”, enfatiza Rosana.

“O empresariado brasileiro tem que entender que a universidade brasileira é capaz de oferecer soluções fantásticas para seus problemas. Lógico que, da mesma forma, que procuramos por empresas que irão resolver nossos problemas diários ou um escritório de advocacia ou um médico de confiança, há laboratórios coordenados por grandes mentes da ciência nacional que serão capazes de solucionar as demandas da empresa. O empresariado não pode mais olhar para a universidade como uma estrutura única e homogênea, afinal temos grandes grupos de pesquisa em diferentes áreas do conhecimento. Basta procurar por aquele que lhe atenda às expectativas”, orienta Aguiar.

Variedades


As soluções para o setor também se dão através de novas variedades. O diretor e pesquisador do Centro de Cana do IAC (Instituto Agronômico), Marcos Landell, conta que o programa de melhoramento de cana se inicia no planejamento das hibridações. “Desde esse momento, que chamamos de campanha de hibridação, que se dá nos meses de abril a junho, até o momento em que liberamos a variedade, leva aproximadamente 15 anos. Todo ano iniciamos uma pesquisa e a partir de seu início, temos 15 anos de avaliação e uma grande rede experimental. Cada pesquisa está em um estágio e isso se soma em mais de 600 campos ativos de avaliação de clones, clones em fase final de pré-variedades, clones recém-selecionados do campo na primeira fase. Isso é intenso e tem que ser muito organizado. Todos os dados gerados devem ter uma gestão bem organizada porque são milhões de dados e para isso temos softwares poderosos e estatísticos, além de uma equipe sempre organizada e que atua com responsabilidade. Temos nove sites de seleção, nove pontos onde iniciamos o nosso projeto de seleção”, resume.

O diretor conta que é preciso estar sempre bem atualizado, com conhecimento e boa revisão de literatura das áreas, identificando os avanços que estão ocorrendo aqui e fora do Brasil nas diversas áreas do conhecimento atuando como área de melhoramento, área de fisiologia, pragas e doenças, nutrição e outras. Tudo isso deve estar incorporado na pesquisa de desenvolvimento de novas variedades.
Landell lembra que houve uma grande virada de jogo em 1992 quando foi dada a responsabilidade de reorganizar a pesquisa de cana dentro do IAC. “Fizemos um sistema muito simples porque não tínhamos dinheiro. Criamos um grupo de discussão de temas de cana que é o Grupo Fitotécnico de Cana-de-açúcar. Há mais de 25 anos temos identificado temas e fazendo todo mundo conversar: a pesquisa das instituições, universidades como Esalq, Unesp, o IAC e o Instituto Biológico e as usinas, as associações, os produtores. Com isso, geramos uma série de sensibilidades e foi como uma grande universidade para nós. Começamos a aprender a plantar e colher cana, saber quais eram os problemas nas lavouras e quais os problemas nas indústrias através dessas discussões. Foram mais de 200 reuniões realizadas até hoje, uma verdadeira escola, um lugar de ideias, onde o intelecto funciona a favor da canavicultura”, conta.

A partir do grupo, as demandas começaram a ser prospectadas. Em 1997, com a ampliação da colheita mecânica crua na região de Ribeirão Preto, apareceu a cigarrinha da raiz. Uma reunião para discutir o assunto foi realizada e dela surgiu uma série de trabalhos.

“Nossas pesquisas, a partir da década de 90, sempre tiveram foco muito realista. Paramos de fazer coisas que vinham de nossa cabeça, de uma revisão desvinculada da realidade. Há muito tempo que nossas revisões são apoiadas nas demandas identificadas para a canavicultura e por isso, o IAC, de certa forma, mudou a sua história e passou a fazer coisas importantes”, pontua Landell.
Nas Agrishows de 1997 a 1999, ao realizar pesquisas com o pessoal que visitava o estande do IAC, foi descoberto que o maior número de visitantes que buscavam informações sobre cana eram pecuaristas.

A partir disso foi criado um projeto para fazer um screening de materiais de pré-variedades para saber quais seriam mais adequadas aos indicadores zootécnicos e de alimentação animal. Em 2002 foi lançada uma variedade forrageira que ganhou expansão no Brasil: mais de 200 mil produtores a receberam. “Isso aconteceu em outros aspectos como a doença da ferrugem alaranjada, onde fizemos uma reunião no grupo e resultou em vários projetos tratando disso. E assim tem sido esses anos todos. O IAC faz pesquisa muito focada na demanda e ao mesmo tempo tenta trazer parceiros acadêmicos para enriquecer a discussão e a maneira de abordagem na pesquisa desses temas”, afirma Landell.

Necessidades


Ao ser indagado sobre o fato de o setor ter receio de falar sobre as suas necessidades, Landell responde que o setor é aberto, mas que, como todo setor de produção no Brasil, é muito focado na operação. “Isso é natural. A parte operacional é o que consome a maioria dos profissionais e com isso acabamos ficando deficientes na parte de planejamento. Nosso planejamento é feito, mas não é dinâmico, não faz as adaptações ao que vai ocorrendo durante a safra”, observa.

Isso retrata a falta de reflexão, pois os profissionais têm um ambiente de muita execução e de pouca reflexão. Segundo o pesquisador, os profissionais são extremamente capazes e poderiam contribuir muito mais nos diagnósticos se tivessem um período maior de reflexão, que é a mesma que falta para um melhor planejamento. “Muitas vezes aparece uma demanda de última hora, mas precisamos fazer o MPB com, pelo menos, dois anos de antecedência. Isso acontece pela falta de oportunidade de reflexão e planejamento. Nossa agenda é muito operacional”, destaca Landell.

No entanto, para ele, o setor é aberto e composto por profissionais de nível superior, onde a interlocução é fácil. O que falta é uma agenda de planejamento dentro das empresas, o que acaba prejudicando a operação. “Em nome da operação se faz tudo, mas contra se faz o maior dos pecados que é a falta de reflexão e planejamento. Esse é um aspecto que teria que ser reconsiderado na agenda de todas as empresas para ganharmos espaço e a pesquisa, inclusive, ter indicadores mais fortes daquilo que realmente for mais importante”, defende.

Desafios para parcerias e produtividade


De acordo com Landell, existem entraves por parte de universidades e instituições de pesquisa por conta de regras que o Estado coloca e devido à pouca flexibilização. “Tenta-se fazer uma certa flexibilização, mas entendo que as regras do Estado pouco se adaptam às novidades e ao que o mundo está vivendo. Vivemos uma mudança radical dos meios e elementos mais importantes para exercer qualquer profissão. A agricultura e o agronegócio também estão passando por isso”, acrescenta.

O fato é que as normas e regras do Estado, para conter qualquer risco e desvio, inflexibiliza a agilidade na pesquisa. “A atualização do Estado é muito lenta. Vemos modelos servindo como há 60 anos e hoje temos uma população muito maior e com demandas muito mais rápidas, mas também vemos modelos como o Poupatempo que é algo que funciona bem. Esse contraste existe por conta da falta de instrumentos modernos para dentro do Estado, o que afetaria a todos em todas as áreas e instituições”, destaca Landell.

Talvez por conta disso, de forma geral, os recursos não são fáceis, sendo necessário correr atrás deles e de projetos através da Fapesp, Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e CNPq. “Mas a linha de análise para esses projetos é muito acadêmica”, lembra o diretor do IAC.

Ele exemplifica que o MPB não foi financiado pela Fapesp e nem pela Finep, pois o pessoal não conseguia ter um bom entendimento do projeto, o achavam muito prático e não viam a pesquisa e a ciência da coisa.

Essa é a dificuldade vista por Landell. “O Estado, as agências de fomento e a pesquisa, muitas vezes, ainda estão ligados à linha acadêmica, têm dificuldade de identificar oportunidades”, afirma.

A captação é basicamente através de associações, usinas e de projetos importantes como de melhoramento, manejo varietal e outros. Todos são projetos com captação de empresas privadas. O recurso vai para uma fundação de apoio à pesquisa que faz a gestão para o andamento dos projetos.

As empresas multinacionais também apoiam projetos importantes do IAC e de outras instituições. Para Landell, esse é um caminho sem volta por dois motivos: o Brasil tem problemas seríssimos com recursos e o Estado é um gigante insensível, lento para se mover. “Neste caso, quem será sensibilizado? O produtor que irá usar a tecnologia. O apoio de pessoas e empresas para uma ideia que pode se tornar uma tecnologia importante é o modelo”, sentencia.

Ele ainda salienta sobre os problemas nos programas de pesquisa. “No IAC e na Ridesa talvez falte um planejamento de fluxo de recursos humanos. A cada dois ou três anos tem que chegar um grupo de pesquisadores novos, para que os que estão na ativa possam treinar os novos, mas isso não é planejado no Estado. Tem gente nova, mas são contratadas por uma fundação privada, não são do quadro estatutário da universidade e quando acaba o dinheiro, são dispensadas, não dando sequência ao programa de melhoramento que demora 15 anos. Não se pode oferecer esse risco para um projeto dessa importância. Temos o apoio fantástico do secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Arnaldo Jardim. Ele ouve, conversa e é preocupado com isso, mas não tem o eco que deveria ter. Isso acontece no Brasil de uma maneira geral. A pesquisa é vista como gasto e não como investimento, a leitura que se faz ainda é muito negativa e isso está errado, não deveria ser dessa forma. Eu tenho as minhas preocupações”, admite Landell.

Transformações


A integração entre institutos de pesquisa, universidades e o setor é importante e útil para o setor. Para a também pesquisadora do IAC, Raffaella Rossetto, os pesquisadores têm uma metodologia de como abordar determinado problema, mas quem sabe exatamente como é o problema, onde ele aperta e quais os danos são os produtores, as pessoas que estão diretamente no campo. “Essa integração é muito importante porque eles sabem como é o problema e os pesquisadores têm como estudar as soluções”.

Ela conta que o IAC sempre esteve muito próximo dos produtores. “Cada instituição tem as suas particularidades e, por sorte, no meio canavieiro e nos estudos da cana-de-açúcar, as instituições são muito abertas. É fácil encontrar os pesquisadores das outras instituições para trabalhar em conjunto e formar equipes multidisciplinares”, diz.

Isso traz soluções e inovações para o campo em defensivos, maquinários, variedades, manejo, adubação e em todas as áreas que envolvem a cadeia produtiva.

“Melhoramento e variedades é uma área prioritária, mas por melhor que seja a variedade, ela não funciona se não tiver uma bula, o acompanhamento de uma boa adubação, de um bom manejo, de toda a parte fitotécnica como os estudos sobre plantas daninhas e doenças. A variedade chama muito a atenção, mas sozinha não resolve todo o problema da canavicultura de três dígitos, que também não pode ter praga, deve ser bem adubada e contar com outros estudos de fitotecnia para acompanhar o que é visto como prioritário”, ressalta Raffaella.

A maior transformação oriunda de pesquisas através de parcerias, segundo Landell, foi a viabilização da canavicultura nos últimos 20 anos para as regiões inóspitas, secas e de solos de baixíssima fertilidade. A canavicultura não se estenderia para essas regiões se não tivessem fortes programas de pesquisa, principalmente na área de melhoramento genético.

Outras pesquisas como o MPB, a produção de mudas, estratégias de produção e mitigação de deficit hídrico (como o uso da matriz 3D ou matriz de terceiro eixo) são tecnologias geradas dentro das instituições para o setor produtivo aplicar e aumentar a sua produtividade, o que tem dado resultado.

“Nós temos muito ainda a caminhar, mas temos que acreditar naquilo que está sendo gerado na pesquisa. Se a pesquisa trouxe ganhos, porque não pegar 10% (se ganhou 40 t/ha, porque não pegar 4 t/ha) e aplicar na pesquisa? Não consigo entender porque as coisas não são feitas de maneira mais organizada. Isso me angustia demais. Estou com 35 anos de pesquisa dentro do IAC e até hoje não se conseguiu criar um modelo mais inteligente de investimento em cima dos ganhos.

Se a pesquisa foi ruim, não acrescentou nada, não aplique nada. Mas se o grupo de pesquisa for bom, estiver acrescentando, verticalizando e gerando mais empregos, vamos colaborar para que a pesquisa se intensifique e gere mais ganhos. Todo mundo ganha com isso”, defende Landell ao dizer que o setor tem que lutar por isso, dizer que quer mais recurso para pesquisa. “O dia que isso acontecer, facilitará a vida de todo mundo”, enfatiza.

Como em todas as áreas, existem pessoas e empresas que não cooperam, apenas esperam a solução chegar, mas também há as empresas extremamente comprometidas que investem e apoiam as pesquisas. Porém, as que ficam esperando ficam atrasadas porque não desenvolvem a percepção da sensibilidade para as coisas novas. Como não estão próximas de grupos de excelência em pesquisa e desenvolvimentos tecnológicos, acabam ficando de fora sobre as novidades que estão surgindo, não conseguem ter acesso ao que pode ser aplicado na área agrícola para obter ganhos.

Vale lembrar ainda que dentro de uma pesquisa para determinado problema pode surgir a solução para um outro problema. Landell cita um exemplo: “Quando montei a rede experimental do IAC para desenvolvimento das variedades, montamos ensaios de outono e inverno para início, meio e final de safra. Isso acabou gerando a matriz porque tínhamos dados para todas as condições e as condições de déficit eram muito diferentes e fizemos uma outra análise que acabou gerando o modelo de manejo para redução de exposição a deficit hídrico.

Em uma pesquisa nunca se perde, é gerado, pelo menos, o conhecimento”, conclui.