Itamaraty tenta desfazer temor do agronegócio com acordo na OMC

11/12/2013 Agronegócio POR: Valor
O governo brasileiro está convencido de que não haverá distorções no mercado de commodities agrícolas em decorrência do acordo multilateral de comércio fechado em Bali. "Ficamos bastante tranquilos de que os nossos interesses estão completamente salvaguardados", diz o embaixador Paulo Estivallet de Mesquita, chefe do departamento econômico do Ministério das Relações Exteriores, que integrou a equipe de negociadores na Indonésia.
 
Para aprovar o primeiro acordo no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) em quase 20 anos, no fim de semana passado, uma "cláusula de paz" foi negociada para permitir que países como a Índia mantenham seus programas de segurança alimentar sem questionamentos.
 
Mesmo se o volume de subsídios para sustentar esses programas exceder os limites autorizados pela OMC, os demais países se comprometeram a não apresentar contestações, por um período mínimo de quatro anos.
 
A preocupação de uma parte do agronegócio brasileiro é que os estoques de alimentos formados na Índia - e também na China - possam ser "desovados" no mercado, de uma hora para outra, afetando os preços de commodities e gerando distorções no comércio de produtos agrícolas.
 
Para o embaixador brasileiro, não há esse tipo de risco. "O acordo só permite a compra de produção de agricultores de baixa renda e os estoques poderão ser usados em programas de segurança de alimentar", ressalta Estivallet. Segundo ele, uma salvaguarda no texto recém-aprovado permite que, em caso de desvio, ocorra "exatamente" a mesma situação de hoje: a abertura de questionamentos no órgão de solução de controvérsias da OMC.
 
De qualquer forma, conforme explicou o diplomata, a produção da Índia e da China é concentrada em arroz e trigo. São cereais em que a produção no Brasil sequer atende toda a demanda interna ou, na melhor das hipóteses, não há excedente para exportação. "É mínima a perspectiva de que haja algum tipo de distorção de comércio e de que os nossos interesses sejam prejudicados", enfatiza Estivallet.
Por outro lado, o embaixador vê ganhos importantes ao Brasil no acordo em torno da administração de cotas. Ficou mais difícil, para os países ricos, justificar barreiras que impedem a entrada em seus mercados de produtos agrícolas com desconto nas alíquotas de importação. "Às vezes, hoje, temos dificuldade até para saber se a cota foi preenchida ou não", acrescenta Estivallet, lembrando que há previsão de maior transparência no controle dos volumes comercializados.
 
Para ele, o país sai ganhando também com a facilitação de comércio, que prevê menor burocracia para as operações de comércio exterior. Em 2014, o governo deverá adotar um "balcão único" para concentrar todas as licenças necessárias de importação e exportação. Isso já estava programado e fará com que o Brasil cumpra as novas exigências da OMC. "O resultado é bilionário em termos de vantagens e oportunidades", garante o diplomata, sem, no entanto, endossar estimativas da iniciativa privada.
 
Estivallet considera que "não é exagero" dizer que o acordo simboliza uma "retomada" da Rodada Doha, lançada em 2001 com o objetivo de promover uma nova rodada de liberalização comercial, sem jamais ter sido concluída. Com isso, ela já supera os oito anos de duração da Rodada Uruguai, que teve início em 1986 e só chegou a um acordo em 1994.
 
O embaixador deixa claro que o governo continuará apostando suas fichas nas negociações multilaterais - as únicas, segundo o Itamaraty, em que pode ser discutido o fim aos subsídios agrícolas. Mas, antecipando-se às críticas sobre a falta de empenho em acordos com outros países, frisa: "A OMC não se faz em detrimento de negociações bilaterais".