Lições para o futuro

Agronegócio POR: Fernanda Clariano

Abag realiza a 19ª edição do Congresso Brasileiro do Agronegócio em formato virtual ressaltando o esforço do agro nacional e os caminhos a seguir em um futuro próximo

O agro brasileiro é um dos setores mais pujantes da economia do país. Ele é responsável por algo em torno de 22% do PIB (Produto Interno Bruto), um em cada cinco empregos gerados no país e quase metade de todas as exportações. Apesar da pandemia do novo coronavírus, que impactou fortemente vários setores da economia em todos os lugares do mundo, o agro brasileiro foi um dos poucos que apresentou números positivos.

A pandemia tem mostrado o quanto vivemos integrados num mundo em acelerada transformação.  E nesse mundo ansioso por novos horizontes, onde a ciência avança e os negócios mudam em ritmo exponencial, o campo prossegue o seu trabalho sem abandonar os ciclos da natureza.

A responsabilidade do agronegócio brasileiro em levar alimentos à mesa das famílias no país e no mundo foi posta à prova com o distanciamento social imposto pela pandemia da Covid-19. E o setor respondeu de maneira contundente ao manter sua produção, a fim de garantir o abastecimento em supermercados, feiras livres e centrais de alimentos.

Brito: “Precisamos abrir o nosso mercado ao mundo, pois são nas trocas internacionais que cresceremos”

Mesmo assim, o segmento enfrenta desafios com a brusca transformação imposta pelo vírus. Por isso, precisou acelerar a adoção de tecnologias, de processos e gestão, como forma de sustentar toda a cadeia produtiva.

Em meio a esse novo cenário, a Abag (Associação Brasileira do Agronegócio) e a B3, uma das principais empresas de infraestrutura de mercado financeiro do mundo e uma das maiores em valor de mercado, realizou, no dia 3 de agosto, o consolidado Congresso.  Dessa vez com um formato totalmente virtual, o evento reuniu, mesmo que a distância, um grupo de especialistas dos diversos segmentos relacionados com os diferentes elos da cadeia produtiva da agropecuária brasileira como presidentes e diretores das maiores empresas do setor agro e da área financeira; presidentes de entidades setoriais e institutos de pesquisa; importantes economistas e representantes da diplomacia brasileira e de estudos sociais para uma ampla discussão sobre o peso geopolítico que o Brasil tem no campo da segurança alimentar e energética, a nossa fragilidade logística, a importância da preservação do meio ambiente, a necessidade de mecanismos financeiros eficientes e as consequências disso tudo para a economia brasileira.

Na abertura, o presidente do conselho diretor da Abag, Marcello Brito, destacou a pujança do agronegócio brasileiro, sem se esquecer da relação e do casamento com a agenda ambiental, a importância do setor privado assumir o papel em questões como ações concretas contra o desmatamento e a ilegalidade, dando suporte ao governo e cobrando a aplicação das leis. “Desmatamento ilegal, eventos climáticos extremos, perdas de diversidade. Tudo isso é ruim para a sociedade e é péssimo para o nosso negócio. No agro, vivemos da natureza e dos serviços ambientais. Temos um ótimo Código Florestal, mas precisamos implementá-lo para não ser apenas uma lei. Fizemos o CAR, porém apenas 5%  foram validados, precisamos fazer um pacto para unir o setor que por anos viveu de cacos”, disse Brito que ainda ressaltou o acordo Mercosul - União Europeia e também falou sobre as questões das reformas administrativa, tributária e política. “Precisamos abrir o nosso mercado ao mundo, pois são nas trocas internacionais que cresceremos. É fundamental concluir o acordo Mercosul - União Europeia, para depois conseguir o acesso à OCDE. Sem participar desses grandes condomínios de nações desenvolvidas nossa evolução como país estará comprometida”, afirmou.

Brito encerrou seu discurso com um anúncio positivo para o setor. A Abag é a primeira associação do agronegócio global a neutralizar todas as suas emissões de gases de efeito estufa referentes a 2019 com o novo ativo ambiental do agronegócio brasileiro, os CBios (Créditos de Descarbonização) criado na política nacional de biocombustíveis, o RenovaBio. “Esse é um grande exemplo de setores que estão comprometidos com o agronegócio de impacto positivo e construindo para sociedade. Esperamos que esse pequeno gesto econômico seja gigante no exemplo e na disseminação de ações mitigadoras das mudanças climáticas e um novo mercado para os CBios”.

Finkelsztain: “Num contexto global tão desafiador por tudo o que estamos vivendo, temos diante de nós uma boa oportunidade para seguirmos apoiando esse setor”

O CEO da B3, Gilson Finkelsztain, relatou toda a importância do agronegócio e afirmou: “Queremos cada vez mais trazer o mundo rural para a bolsa e levar o setor financeiro para o campo”. Destacou também que o ano positivo do setor e o bom momento do mercado de capitais foram os motivos para alavancar o setor financeiro no campo, suprindo outro desafio, a oferta de crédito e recursos para a gestão de riscos. “Aumentar a concessão de crédito e o acesso para o produtor. Temos um ano desafiador e com potencial para investir no setor com obras, agenda forte de sustentabilidade, acesso a recursos e gestão de riscos para crescer e ser mais competitivo ainda”.

Em sua explanação, a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, comentou sobre as aberturas de mercados, que só neste ano chegaram a 70, e também dos mais de 200 países abastecidos pelo Brasil, e focou também na questão de proteína animal, do crescimento das exportações, da diversificação da pauta do agronegócio, bem como os dois temas relevantes pós-pandemia – sanidade e sustentabilidade.  “O Brasil sabe produzir e preservar, estamos batendo recordes ano a ano das safras brasileiras de grãos, temos melhorado a nossa pecuária diminuindo o uso da terra e aumentando a produtividade, e estamos também diversificando produtos e trabalhando para ter uma área de trigo expressiva”.

Tereza Cristina: “O Brasil é um dos poucos países do mundo que consegue produzir e preservar”

Na agricultura brasileira, a crise provocada pela pandemia pode ser discriminada no curto prazo entre dois grupos. Primeiro, estão os produtos voltados para exportação, como grãos e carnes, com mercados beneficiados frente à desvalorização do real perante o dólar. Com isso, as suas competitividades cresceram bastante nas exportações. Em segundo, aparecem o etanol e os gêneros perecíveis como frutas, legumes, verduras e flores, mais dirigidos para um consumo doméstico em queda, devido ao regime de isolamento imposto aos cidadãos.

Para fazer uma análise desse setor tão importante para o Brasil e para o mundo, o painel intitulado “O agro brasileiro e a crise global” contou com a presidente do conselho diretor da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), Grazielle Parenti; com o presidente do Sistema OCB, Márcio Lopes de Freitas, e com o presidente da Cargill no Brasil, Paulo Sousa.

Segundo Marcos Galvão, embaixador do Brasil junto à União Europeia, as imagens de colhedoras alinhadas cruzando os campos nada tem de errado em si, mas não podem mais ser a imagem emblemática principal da agricultura brasileira. De acordo com ele, a revolução agrícola já venceu e o orgulho injustificado que essas imagens expressam precisa traduzir-se cada vez mais em dados e cenas que tenham as pessoas como objeto central. “Precisamos humanizar e singularizar a nossa agricultura, contar histórias dos visionários e obstinados que nos trouxeram até aqui. Precisamos mostrar ao mundo os trabalhadores brasileiros do campo, os empreendedores do agro, pequenos, médios e grandes. Além da impressionante sustentabilidade econômica, precisamos divulgar que a nossa agricultura é socialmente sustentável e a quantidade de brasileiros que ela retirou e mantém a salvo da pobreza, da falta de oportunidades”.

Galvão: “O mundo não vai mudar da noite para o dia, mas todos nós sim precisamos mudar, parar para pensar, pensar no novo, fazer o novo”

Galvão reinterou que é necessário mostrar a riqueza que o comércio agrícola produz além da porteira da fazenda e que as exportações do agro brasileiro fazem parte de uma complexa rede de segurança alimentar global, que continua a funcionar plenamente na pandemia. “Se a Covid-19 serviu para mostrar a importância de se manter cadeias diversificadas, o comércio agrícola passou com louvor nessa extraordinária prova de forças”, disse. Entretanto, chamou a atenção de que é preciso mostrar a realidade com dados objetivos e, sobretudo, demonstrar empenho, prioridade, resultados concretos e enfrentamento dos problemas, especialmente, mas não apenas no desmatamento ilegal no bioma amazônico. “Sabemos que esse assunto tem causado imenso desgaste à imagem do Brasil”, disse o embaixador.

Para o presidente do Sistema OCB, atualmente a evolução do diálogo e da comunicação tem sido muito grande, por isso é importante fazer uma leitura dos consumidores brasileiros que querem saber o que consomem. “As pessoas estão se preparando e evoluindo, vivemos um novo momento que nunca mais será o mesmo e os produtores estão cada vez mais conscientes a respeito do processo de produção que antigamente era um nicho e hoje é tendência”, observou Freitas. 

Segundo a presidente do conselho diretor da Abia, a indústria de alimentos no Brasil tem um papel fundamental na geração de renda e na proteção do meio ambiente, porém não estamos contando a boa história que temos. “Precisamos contar nossa história, fazer a coisa certa. Há grandes oportunidades pela frente e não podemos desperdiçá-las”, destacou Grazielle.

Mercado financeiro, seguro e crédito rural

O cenário da macroeconomia mostra recessão com variação negativa no PIB, baixa taxa Selic e de inflação, mas alto desemprego. Inserido neste contexto, o PAP (Plano Agrícola e Pecuário) da Safra 2020/21 vigorará pela quarta temporada consecutiva no regime da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que fixa o teto dos gastos públicos.

Nos aportes de recursos governamentais no crédito rural subsidiado, o PSR (Programa de Subvenção do Seguro Rural) é uma das prioridades. A alternativa da captação de dinheiro no mercado de capitais ganhou potencialidade com a aprovação da Lei 13.986/2020, conhecida como MP do Agro. O problema está no risco dos agentes financeiros com os pedidos de RJ (Recuperação Judicial) por parte dos agricultores.

O painel “Mercado financeiro, seguro e crédito rural” discutiu a questão do seguro e do mercado financeiro bem como o crédito rural e a importância desses setores para o avanço do agronegócio brasileiro. Renomados nomes deste setor participaram do debate, dentre eles o diretor de agronegócios do Itaú BBA, Pedro Fernandes; o diretor de produtos balcão, commodities e novos negócios da B3, Fábio Zenaro e o CEO da BrasilSeg, Ivandré Montiel da Silva.   

Zenaro contextualizou que na pré-pandemia já vínhamos num cenário muito favorável ao mercado de capitais de uma maneira geral. “Mesmo com a crise, o agronegócio se destacou como um segmento sem os mesmos problemas que muitos outros, e temos isso refletido no mercado de capitais. Se pegarmos um título que é muito específico do agro, que é o CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), só neste ano tivemos até julho, mais ou menos R$ 8 bilhões emitidos”, disse. 

Ao ser indagado sobre em que medida a Recuperação Judicial atrapalha o setor, o CEO da BrasilSeg diz que ainda não está claro o quanto essa medida é benéfica ou não para o agricultor. “A discussão sobre a efetividade da recuperação judicial é uma questão que temos que chamar mais para perto. Temos um problema complexo e precisamos de mais atores para essa discussão”, comentou.

O agro e a nova dinâmica econômica, social e ambiental

Novas tendências surgem na produção, comercialização e consumo de alimentos saudáveis, com a valorização de mercados nas origens da produção, o e-commerce, as tecnologias de rastreabilidade, as entregas customizadas e a maior afinidade entre produtores e consumidores. Enquanto a conectividade e a digitalização do campo trarão velocidade nessa marcha, as cadeias produtivas do agro nacional precisarão dessa convicção. Conhecer esse processo ajudará a fortalecer a imagem dos produtos brasileiros. É um caminho cercado de desafios, assim como a capacidade de superação mostrada pelo agronegócio nas últimas décadas.

No último painel do Congresso foram discutidos o agro e a nova dinâmica em termos ambiental, econômico e social, e algumas colocações importantes como a do filósofo e colunista da Folha de São Paulo, Luiz Felipe Pondé, colocando, por exemplo, que é possível que em cinco anos ninguém se lembre da pandemia, assim como há seis meses ninguém se lembrava da gripe espanhola – uma preocupação apenas de pessoas especializadas no assunto. O filósofo também ponderou como deve ser o mundo pós-pandemia. “Há certa empolgação com a pandemia, como se na pós-pandemia as pessoas fossem acordar mais conscientes e o mundo fosse completamente diferente, que os valores serão outros. Eu acredito que devemos ter hábitos que se modificarão, mas que daqui a cinco anos ninguém mais irá se lembrar dessa pandemia”.

Guimarães:“Sem a Amazônia em pé não temos reputação, não tem atratividade de capitais e pode ter pouca chuva para fazer o agro crescer no futuro”

Já o diretor-executivo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e cofacilitador da Coalizão Brasil, André Guimarães, destacou o quanto tem sido importante a ciência nesse momento. “Precisamos investir em tecnologia, em melhores sementes para encurtar ciclo de cultura. Todos esses investimentos, sejam para ciência ou para se investir em aumentar a produção, pressupõem termos condições de atrair os capitais para fazer esse investimento”, pontuou.

Ainda conforme Guimarães, muito tem se falado sobre a reputação do Brasil pelos desmatamentos da Amazônia e pelas queimadas, o que é uma questão fundamental de se observar, pois as pressões estão chegando e as restrições de mercado também. Entretanto, ele chama a atenção para a questão do clima, ainda pouco observada, frisando que quase 90% da agricultura não é irrigada e depende de chuva, nos tornando dependentes de um bom manejo das florestas tropicais. “Não podemos esquecer que uma árvore da Amazônia bandeia entre 500 e mil litros de água por dia para a atmosfera”.  

De acordo com Guimarães, é preciso reconstruir a reputação do país e mostrar que o meio ambiente não é externalidade para o agronegócio, mas um aspecto intrínseco. “Precisamos observar o meio ambiente sem romantismo e muito pragmatismo. Já gastamos tempo demais com cabo de guerra. É hora de escolher um lado e o lado da harmonização para podermos pavimentar o desenvolvimento. Sem a Amazônia em pé não temos reputação, não tem atratividade de capitais e pode ter pouca chuva pra fazer o agro crescer no futuro”.   

José Mendonça de Barros, sócio-diretor da MB Associados, também muito ligado ao agronegócio brasileiro, falou das perspectivas para o setor e o pacote tecnológico, bem como o quanto isso também tem influenciado no avanço do agro não só no Brasil, mas também em novos mercados internacionais. “O mercado brasileiro depende cada vez mais da sua inserção ao mercado mundial, mas não podemos nos esquecer de que não chegaríamos onde estamos sem a ciência e o agro é um segmento que valoriza os pesquisadores das universidades”.

No encerramento do evento, o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, atual coordenador do GVagro da FGV, destacou que a pandemia do novo coronavírus agilizou o processo tecnológico e científico que já vinha acontecendo e um deles é a conectividade, os avanços na área de saúde e na infraestrutura logística. Ressaltou ainda dois temas como pontos centrais do congresso: a segurança alimentar e a sustentabilidade.

De acordo com o ex-ministro, o risco de não ter alimento trouxe a segurança alimentar ao centro do debate mundial. Isso valorizou a agricultura que não parou de produzir. “A agricultura ganhou uma nova dimensão em termos de reputação global, cresceu na imagem popular mundial. Governos do mundo inteiro estarão prestigiando e protegendo a agricultura, criando um novo modelo de protecionismo que pode perturbar o comércio global. Essa pandemia nos tem mostrado que se pode ficar sem comprar sapatos, automóveis, televisão, mas não pode ficar sem comprar comida. Portanto, a segurança alimentar ganhou uma dimensão que já teve no passado no Pós-Segunda Guerra Mundial e se perdeu com o tempo porque não faltou comida para mais ninguém no mundo inteiro”.

Já em relação à sustentabilidade, Rodrigues ressaltou que o mundo quer saber como o produto foi produzido, com qual equipamento, mão de obra, insumos, como as coisas andaram, com qual legislação e outras informações. Por isso, a segurança alimentar e a sustentabilidade precisam caminhar juntas. “O Brasil é uma potência agrícola e ambiental, as duas coisas são absolutamente unidas, únicas e caminham nessa direção”.

Roberto Rodrigues: “A segurança alimentar é o tema central capitalizado pela pandemia e outro diretamente ligado é a sustentabilidade”