Lideranças industriais discutem os melhores caminhos para o setor

Cana-de-Açúcar POR: Marino Guerra

Todos os pontos passam por questões mercadológicas e políticas

Painel formado por CEOs, que juntos fazem a gestão de nada menos que 21 unidades industriais, discutiu os principais perigos que o setor corre na caminhada de volta à estrada da normalidade

No painel “O Setor Sucroenergético Brasileiro na visão da Agroindústria”, que fez parte da programação do primeiro dia do Megacana Tech Show 2020 e contou com a mediação da jornalista Luciana Paiva e participação dos CEOs: Mario Lorencato (Usina Coruripe); Geovani Consul (BP Bunge Bioenergia), Carlos Eduardo Turchetto Santos (CMAA), e Gilberto Tavares de Melo (Grupo Olho D’Água), foi traçado um detalhado mapa do caminho que a cadeia canavieira precisa seguir, pelo menos no curto prazo, com a identificação de todas as armadilhas que estarão presentes.

Cenário pós-pandemia

O principal assunto não poderia ser outro: a conjuntura esperada com o fim da pandemia.

O primeiro a se pronunciar foi Lorencato, que lidera um grupo formado por quatro unidades industriais, sendo três no Triângulo Mineiro e uma em Alagoas, e destacou que um dos principais legados da pandemia será o estreitamento da relação com o time formado por cerca de nove mil colaboradores. Como exemplo ele citou ações como o trabalho de prevenção, a comunicação e o acompanhamento médico, que foram desenvolvidas nos momentos mais complicados da crise e deverão permanecer na rotina da empresa.

Mario Lorencatto, CEO da Usina Coruripe, vê que o maior legado da pandemia será a aproximação com o time de colaboradores (imagem do Megacana de 2019)

Sobre o mercado, ele acredita que as coisas fluirão de acordo com a velocidade de recuperação econômica do país com os números das safras dos principais produtores de açúcar asiáticos.

Dividindo a mesma visão mercadológica, porém um pouco mais convicto, Consul, que responde por 11 unidades industriais divididas em cinco estados (Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul e Tocantins), enxerga um 2021 rentável no mercado mundial de açúcar, e creditou seu otimismo em um câmbio favorável e na permanência no déficit dos estoques. Quanto ao etanol, sua previsão é também de um período mais positivo, isso pela volta da liquidez com o retorno da normalidade na atividade econômica e o dólar alto, que mantém o preço da gasolina em patamares elevados.

Santos, que administra três unidades em Minas Gerais, acredita que a questão da sustentabilidade fará com que o setor saia mais fortalecido no pós-pandemia principalmente perante a opinião pública, e sustenta o seu raciocínio com três argumentos: o fato do etanol ser um combustível limpo e a população dos grandes centros sentiu a diferença de viver num ambiente com menos fumaça ao longo da quarentena; ser uma fonte de energia elétrica limpa e fundamental para suprir a deficiência hidráulica das represas nos meses de seca, e o fato de ser um dos poucos setores da economia que, além de não demitir, contratou em pleno olho do furacão durante a crise.

Definindo que os tempos atuais serão mais difíceis que a depressão de 2008, pois há 12 anos o problema foi quase que em sua totalidade de mérito financeiro e hoje atinge todas as áreas, Tavares de Melo, que lidera três usinas no Nordeste, perante a situação, ainda agravada pela falta de visibilidade, revelou que, pelo menos no curto prazo, adotará uma postura bastante conservadora, focada na redução de custos, em manter um caixa com alta liquidez, cuidar do time de colaboradores e das comunidades onde as unidades estão instaladas, e adotar uma política de análise criteriosa quanto aos investimentos.“Não adianta acelerarmos enquanto o mundo desacelera”, pontuou.

Reforma tributária

Quanto ao tema, o representante da BP Bunge Bioenergia traçou o cenário atual com perfeição ao dizer que o Brasil, além de ser o país com a maior carga tributária do mundo, exige das empresas um esforço descomunal para conseguir decifrar a complexidade dos tributos que muitas vezes conflitam entre as legislações federal, estadual e municipal.

Assim, ele disse que já ficaria satisfeito que ao final do seu processo, a reforma pelo menos reduzisse o alto grau de dificuldade em se traduzir as obrigações acessórias. Ainda no assunto, ele lembrou que o grande perigo do setor é perder os incentivos ao etanol, em razão de suas externalidades ambientais e sociais, perante a gasolina.

Complementando a visão do colega, o executivo da CMAA contou sobre o dia que apresentou aos sócios estrangeiros como funciona o sistema tributário brasileiro, por mais que se explicava, era impossível fazer com que eles entendessem alguma linha lógica.

Carlo Eduardo Turchetto Santos, CEO da CMAA, contou que quando mostrou como funciona o sistema tributário brasileiro aos sócios internacionais, todos ficaram impressionados com tamanha complexidade (imagem da abertura de safra de Minas de 2019)

O CEO da Coruripe demonstrou o receio de que ao invés de conseguir fazer o ‘’dois mais dois virar três’’, a operação pode resultar em cinco, ou seja, considerando que por causa da crise a dívida pública brasileira explodiu, aliada ao fato de todos os setores buscarem melhorias, ou pelo menos não piorar suas posições, isso desencadeará uma grande corrida política a qual dificilmente todos chegarão à bandeirada final juntos.

Coube ao gestor da Olho D’Água uma análise mais profunda a qual a velocidade com que se espera aprovar é o seu principal ponto de temor: “A reforma está há mais de 30 anos sendo discutida, e agora eles querem resolver tudo em dois meses num ambiente de pandemia”.

Seu pensamento foi exemplificado por dois detalhes de que a pressa pode aumentar o peso do Estado nas costas do setor. O primeiro é que caso o etanol corra o risco de sofrer uma tributação monofásica, ou seja, hoje o setor paga uma parte dos impostos e a outra é paga pela distribuidora, na proposta do executivo (são três textos em discussão: do congresso, do senado e da presidência), a responsabilidade de pagamento seria concentrada no produtor, que embora fosse posteriormente ressarcido pela substituição, seria dele a responsabilidade de bancar o giro tributário de toda a cadeia.

O segundo problema levantado é que o açúcar, por ser um produto integrante da cesta-básica, tem alíquota zero, e se mudar para status de “isento”, seria perdido um crédito importante sobre as compras de insumos.

Dessa forma, ele conclui que os representantes do setor precisam estar atentos nesse delicado momento para evitar que, no final de contas, o custo fique maior que o benefício.

Importação de etanol

O assunto gerou indignação de todos os participantes. Mário Lorencato disse que o governo às vezes coloca o setor num “altar de oferendas”, se referindo à possibilidade da queda de qualquer tarifa para a entrada do etanol importado, medida que interessa aos Estados Unidos.

Consul pontuou dizendo que o Estado precisaria se concentrar para diminuir as imensas barreiras que os produtos sucroenergéticos enfrentam no comércio mundial. “Eu já trabalhei com outras commodities agrícolas e nunca vi um mercado tão amarrado e com tantas medidas que prejudicam o Brasil como o do açúcar”.

Na opinião de Santos, o setor precisa movimentar suas peças políticas para mostrar ao governo a tragédia que pode acontecer se tal medida entrar em vigor.

Já Melo definiu com duas contundentes frases a questão: “O pobre querendo subsidiar o rico” e “O mundo inteiro está se protegendo e o Brasil querendo criar empregos nos Estados Unidos”.

RenovaBio

Tirando a questão de que o programa deve se fortalecer naturalmente pelo crescimento da consciência ambiental da população, uma opinião comum do grupo, Santos chamou a atenção para um ponto importante: a busca constante por melhoria da nota de avaliação gerada. “Ao olhar o desempenho do pessoal da nossa região teremos um comparativo que nos dará o norte exato dos pontos que precisamos melhorar”.

Transporte de cana em Minas

A conversa se encerrou com um assunto discutido há algum tempo e que conforme vai passando aumenta a tensão de quem cultiva cana-de-açúcar em Minas Gerais e mais ainda no Triângulo Mineiro: o transporte de cana.

Foi uníssono o coro dos três líderes que trabalham no Estado sobre uma legislação atrelada a uma aplicação de lei totalmente irracional, que não se sustenta em decorrência de estudos dos mais variados e sérios institutos, em comprovar que os caminhões novos são preparados para suportar a carga. Essa situação eleva o perigo em determinadas rodovias, pois com menos carga mais veículos circularão, podendo onerar o setor em bilhões de reais, além de impedir investimentos em equipamentos novos por não haver uma previsibilidade legal.

Gilberto Tavares de Melo, CEO do Grupo Olho D´Àgua, definiu a questão da intenção em se liberar, sem tarifa alguma, a importação de etanol: “O mundo inteiro está se protegendo e o Brasil querendo criar empregos nos Estados Unidos”