Manejo integrado de ganho de mercado com práticas sustentáveis

28/01/2021 Agricultura POR: Marino Guerra

Entrevista: Rodrigo Castro - Diretor de País da Solidaridad Brasil

A entrevista com o biólogo e líder da organização global “Solidaridad” no Brasil pode ser considerada como um farol, que joga as luzes por quilômetros mar a dentro, com o objetivo de orientar os navegadores sobre qual a direção eles devem seguir. Nesse caminho é revelado algo que até há pouco tempo era impossível de se imaginar, a conquista de novos mercados andando de mãos dadas com a adoção de práticas sustentáveis.

Na conversa, Castro já acredita que a luz foi assimilada por boa parte do setor produtivo nacional, e que será uma questão de tempo para os argumentos que ainda justificam a imposição de barreiras contra produtos do agronegócio brasileiro se dissolverem por perderem totalmente o sentido.

E quando esse momento chegar, quando todas as cadeias produtivas aportarem no continente, será a consolidação do Brasil não somente como a maior potência agro do Planeta Terra, mas como detentores do título de senhores agroambientais do globo, trazendo como principal retribuição a diminuição de uma das maiores mazelas da nossa sociedade, o grande abismo social.

Revista Canavieiros: Gostaria que você se apresentasse. Quem é Rodrigo Castro?

Rodrigo Castro: Lidero o time do Solidaridad no Brasil, que trabalha no desenvolvimento do binômio constituído de inclusão social (pequenos, médios e trabalhadores rurais) aliado com a implementação de práticas sustentáveis no campo.

Eu sou biólogo, grande parte da minha formação e experiência estão na área de conservação de recursos naturais, dessa maneira eu empresto um pouco dessa trajetória para a Solidaridad, pois nos envolvemos bastante com questões que movimentam trabalhos de conservação de recursos hídricos e do solo, de forma que promovam uma agricultura melhor, passando por ganhos de eficiência.

Então, aplico meu conhecimento junto com o setor produtivo para desenvolvermos manejos mais adequados do solo, da água e dos recursos naturais que fazem parte da propriedade rural.

Também sou empreendedor social, ou seja, trabalho para desenvolver iniciativas que se transformem em negócios viáveis, que ao mesmo tempo tragam benefícios para a sociedade, sustentem e se desenvolvam como iniciativas privadas duradouras.

Revista Canavieiros: E quem é a “Solidaridad”?

Castro: É natural que quando surge um ator diferente para um ecossistema agrícola, sempre aparecem questões: De onde veio? Quais são seus interesses?

A Solidaridad não é uma empresa, não tem fins lucrativos, nós não temos interesse econômico na relação com o produtor. Não vendemos conteúdo, somos uma organização mantida por uma série de apoiadores, uma sociedade civil, internacional, que atua há mais de cinquenta anos de forma específica no campo, com agricultores do mundo todo.

Surgimos há 51 anos, de um movimento solidário formado por um grupo de cidadãos holandeses engajados em ajudar pequenos produtores da América Central, de países como a Nicarágua, a Guatemala e principalmente El Salvador, pois se encontravam numa posição crítica, perseguidos por governos autoritários.

Foi uma luta por justiça social, por inclusão no campo, de cidadãos para cidadãos, de solidariedade entre os povos, daí o nome “Solidaridad”.

Revista Canavieiros: Como foi o desenvolvimento da Solidaridad nesse meio século de existência?

Castro: Houve muito avanço, mas o que não mudou foi seu espírito original, de entender e ir ao encontro das preocupações e dos desafios do produtor buscando fornecer um apoio assertivo.

Revista Canavieiros: E quais resultados vocês buscam?

Castro: A geração de impacto, poder observar a evolução do produtor que por consequência vai acabar com um ambiente de negócios mais positivos o que vai influenciar toda a cadeia produtiva.

A nossa missão é apoiar o campo, e através do auxílio aos diversos atores da cadeia, enxergarmos ela cada vez mais de acordo com o que diz nossa legislação no sentido de conservação dos recursos, do código florestal, das relações de trabalho, entre outras.

Assim acreditamos num ambiente rural mais forte no que se reporta à prosperidade, tanto para o produtor e quem trabalha lá, mas também influenciando a sociedade urbana.

Revista Canavieiros: Quando a Solidaridad chegou ao Brasil?

Castro: Há onze anos, como uma rede internacional que chegou com o propósito de trazer conhecimento, diálogo e desenvolvimento e, com isso, colher avanços nos três pilares que constituem o conceito de sustentabilidade na agropecuária brasileira.

Como não dá para trabalhar com todas as cadeias produtivas, pois além de amplas são muito complexas, ao longo dessa década elencamos oito segmentos estratégicos, no sentido de acreditarmos que podemos agregar mais valores e mais conteúdo, que são: cana-de-açúcar, café, soja, algodão, cacau, erva-mate, laranja e pecuária.

Revista Canavieiros: A primeira impressão que se tem é que essas cadeias são muito diferentes entre si, umas gigantescas e outras mais peculiares de regiões específicas. Por que essa diferença?

Castro: A soja é um player importantíssimo, mesma coisa a pecuária, que é uma cadeia fortíssima, embora a carne seja consumida fortemente no Brasil, com um esforço de crescimento na exportação.

A cana nós escolhemos por uma razão, é uma cultura que está no nosso escopo faz muito tempo, pois implementamos um projeto de recolocação de profissionais do corte que teriam muita dificuldade para se realocar com o início da mecanização da colheita, levando capacitação para que eles desempenhassem outras funções que estavam surgindo com a vinda das máquinas.

No caso do mate, ele é uma cultura muito regional, centralizado nos estados do Sul, mas importantíssimo sob os aspectos econômicos e sociais, isso porque cerca de 80% de sua produção é feita por pequenos produtores.

O foco da Solidaridad é em cima dos pequenos e médios produtores, isso porque eles têm menos acesso a tecnologias, à informação, à assistência técnica, e por isso eles acabam sendo prejudicados com a concorrência, impactando a sua competitividade.

O cacau é a mesma coisa, ele é produzido basicamente por pequenos agricultores tanto na Bahia como no Amazonas. Em resumo, entramos em cadeias que têm desafios de sustentabilidade e inclusão grande aliada à presença de uma parcela representativa de pequenos e médios produtores.

Revista Canavieiros: E dentro de todo esse conceito da organização, qual a importância das cooperativas e associações?

Castro: A importância das associações e cooperativas num processo de transição para uma produção mais próspera e consequentemente mais sustentável é chave. Elas têm capilaridade, chegam até a ponta.

Por ter essa virtude, para se manter vivas, elas precisam permanecer relevantes ao seu corpo de produtores e isso significa que trabalham constantemente em agregar valor ao trabalho deles através da difusão de tecnologias, novos manejos e incentivando práticas colaborativas.

E dessa forma é criada uma relação de ganha-ganha, pois o produtor sozinho, principalmente o pequeno e médio, dificilmente teria acesso a essa gama de produtos e serviços.

Para o modo de atuação da Solidaridad, esse ambiente é o ideal, pois como as cooperativas e associações são a forma mais rápida e eficiente para levar conhecimento até o campo, apoiamos para que elas implementem técnicas de modernização da produção e tecnologias que influenciem no manejo.

Além disso, enxergamos nelas o seu caráter como atuantes dos interesses dos produtores, um agropecuarista bem representado é fortalecido, eles têm mais chance de sucesso num mundo em que cada vez mais as alianças e a colaboração fazem a diferença no sentido de viabilizar ferramentas importantes para superar os complexos desafios que lidamos diariamente. 

Revista Canavieiros: Como você avalia o nível de desenvolvimento do cooperativismo e associativismo brasileiro em relação ao que você já viu ao redor do mundo?

Castro: No Brasil nós temos por um lado o estado da arte em termos de tecnologia e inovação, mas por outro, em algumas regiões, a agropecuária é muito atrasada. Somos um país de diferenças muito grandes, de contrastes muito fortes.

E o cooperativismo e associativismo não fogem dessa realidade, aqui há organizações que não ficam em nada atrás dos países mais evoluídos, mas isso não é a média, temos regiões onde ainda é muito complicado estruturarmos e tornar as cooperativas e associações eficientes para pelo menos elas conseguirem se manter e desenvolver.

Revista Canavieiros: Percebemos uma movimentação do agro brasileiro próspero para lugares mais carentes até como forma de conseguir novas áreas de cultivo. Você concorda que é uma questão de tempo para que essas desigualdades diminuam?

Castro: Temos aqui o primeiro mundo no quesito produção, agregamos valor e riqueza não somente com grãos, gado e cana; mas com frutas, cacau, mate, florestas, suínos, frango, entre outros, somos um país agropecuário.

Mas somos também climáticos, isso pelo fato de ser um ator chave dentro do processo de regulação do clima do planeta, e essa é uma atribuição que não escolhemos ter, ela nasceu conosco e temos por obrigação cuidar dela.

O grande desafio é conseguirmos enxergar como essas duas vertentes podem se integrar e serem a base de um país próspero onde as desigualdades serão reduzidas ao mesmo tempo que a distribuição de renda se elevará.

Se soubermos trabalhar bem o nosso protagonismo climático, assumirmos nossa grande responsabilidade perante o mundo, e em cima disso conseguirmos capitalizar esses valores e, atrelado a isso, manter o acelerado processo de evolução agropecuária, será possível gerar prosperidade no país como um todo.